Cenário para o futuro pode ser promissor e ao mesmo tempo desafiador, as tendências apontam para a criação da cadeia de valor
O cenário atual em que vivemos impacta não só o comportamento das pessoas, mas também a economia e a agilidade com que as empresas, independente do setor ou do nível de maturidade digital, estão se reinventando e se adaptando a um novo panorama que pegou todos de surpresa, decretando que transformar ou se adaptar digitalmente é fator de sobrevivência ou morte.
A migração do pagamento físico para o digital por meio de novas tecnologias, seja por aproximação ou QR code, por exemplo, são apenas algumas das soluções que chegaram para ficar e facilitar a experiência do consumidor, preocupado em reduzir o risco de contaminação. Novos modelos de transação financeira como a das lives de artistas, popularizando o uso de QR Codes para doações atingindo de forma massiva toda a população, que pode fazer “pagamento pela televisão”. Na visão de Natália Lazarini, diretora de transformação digital da ANEFAC, assim como IOT (Internet of Things) veio como um meio de inovar produtos e serviços, hoje, ela vê uma similaridade do termo com BOT (Bank of Things), assim como já é evidente que estamos na era do BANK 4.0, que reforça o termo “Banking everywhere. Never at a Bank”.
Os meios de pagamento e o futuro dos Bancos Digitais, bem como o que mudou e o que está por vir, foi o tema do evento digital da ANEFAC no dia 27 de maio. Com a condução de Lazarini, David Kallás, vice-presidente de administração, e Lilian Primo Albuquerque, vice-presidente de tecnologia, todos da ANEFAC. “Para quem vem acompanhando as notícias, o Banco Central prepara o Open Banking e os PIX (pagamentos instantâneos), fatores fundamentais para avançar novos modelos de negócios. Se em 2019 as fintechs tiveram mais atenção dos investidores no Brasil e muitas dessas criadas oferecem serviços semelhantes e são ligadas a grandes instituições financeiras, pela dificuldade em conseguir licenças para atuar de forma independente, limitando-as a serem disruptivas”, aponta Lazarini.
Hoje, o cenário pode ser ainda mais promissor e ao mesmo tempo desafiador, segundo Albuquerque, com o início previsto do PIX (sistema de pagamentos instantâneos) e terminais POS que já aceitam mais de dez QR Codes diferentes. Para ela, estamos nos aproximando de uma ampla disputa pela aquisição de usuários e remodelagem do modelo de negócio, trazendo a inovação e a transformação digital para diferentes setores, que nunca imaginaram oferecer algum dia soluções financeiras e que agora terão como estratégia no seus business cases em pró de oferecer melhor experiência, rentabilidade e agilidade para seus consumidores.
Enquanto no mundo todo há uma diminuição de investimentos feitos em startups, segundo Breno Barros, co-founder & COO at Rastra.cc e palestrante no evento, a América Latina, especialmente o Brasil, recebeu o maior fluxo de aportes de investidores externos, vide os unicórnios brasileiros recentes. “E, dentre todos os setores investidos, o que mais se destaca é o mercado de negócios voltados para finanças (fintechs). Com os meios de pagamentos digitais (arranjos de pagamentos), agora outros segmentos podem ter um “wallet” (banco digital) para chamar de seu. São mais ameaças e desafios para um setor que estava “na zona de conforto” e que em um país tão grande quanto o Brasil, com aproximadamente 220 milhões de brasileiros, é difícil poucos bancos criarem uma experiência perfeita para “cada um”. O maior desafio então dos bancos é “encontrar o seu lugar ao sol” com novas tecnologias (ou especificações) em curso (pagamentos instantâneos, open banking), implementando-as rapidamente, pois o que vai acontecer é os bancos se tornarem um serviço de infraestrutura – uma plataforma – para novos arranjos e experiências em todo lugar e a qualquer hora”, diz.
Nessa linha ainda pensando em desafio, mas usando como exemplo o varejo, João Bezerra Leite, ex-CTO do Banco Itaú, board member, investidor e mentor de startups, que também palestrou no encontro, acredita que é necessário conseguir se tornar frictionless, invisível e focar em experiências que encantam os clientes e não somente em produtos. Para tanto, ele vê a necessidade de reimaginar os serviços financeiros usando tecnologia e uma grande mudança de mindset no modelo de negócio de cada um e de vencer um enorme problema que é o que os fez ter sucesso até agora: o seu legado, e isso, não é apenas o tão falado core tecnológico, mainframes etc., mas também os seus parceiros, modelo de trabalho e sua liderança.
Embora pareça que o desafio possa ser intransponível, a indústria financeira demonstrou inúmeras vezes ter uma grande capacidade de se reinventar quando testada, além de ter musculatura e contar com muita inteligência instalada. O setor financeiro está sendo desafiado a aumentar a sua eficiência e capacidade de inovação para competir em uma arena com mais players e com menores barreiras de entrada, avalia Carlos Augusto, diretor da ABBC, mentor de startups, facilitador de aprendizado da jornada de transformação digital e palestrante no evento, além de enfrentar fintechs e neobancos mais ágeis com estruturas mais modernas.
Se os bancos serão uma empresa de tecnologia, terão que entender como uma empresa de tecnologia se comporta, adverte Bezerra, que traz várias perguntas para a reflexão: como um motor de recomendações do Netflix funciona? Como a Amazon ou Alibaba crescem e suportam volumes de negócios inimagináveis? Como o Google lida com inovação? Como pequenas startups conseguem revolucionar alguns nichos? As respostas não são simples, mas o caminho para elas, de acordo com o especialista, é entender o que você realmente quer “ser quando crescer”, definindo estratégia, investindo fortemente e com disciplina de execução em infraestrutura, que fundamentalmente tem que ser baseada em cloud, microserviços, dados, inteligência artificial e jeito ágil. Não existe mágica. Ter estratégia e convicção é muito importante.
Ninguém pode negar que a tecnologia vem numa curva de evolução exponencial e cada vez mais acessível. Outro ponto para se ter sucesso, na opinião de Barros, não está só na tecnologia, mas sim em como mudar a organização para tentar ao máximo acompanhar e se adaptar a essa curva. “Os bancos sairão na frente nisso, habilitando modelos ágeis escaláveis, trazendo práticas de empatia e cocriação. O primeiro passo para a transformação digital é a preparação das equipes e a mudança de mindset, fazendo com que todos entendam os benefícios de adotar novas tecnologias, mudar seus processos colocando o cliente realmente no centro de suas soluções”, ressalta.
Disrupção: experiência do consumidor, transações machine-to-machine, banco onipresente e por aí vai
Em termos de tendências para os próximos anos, além da disrupção, que a indústria financeira passará, com a entrada das grandes iniciativas de competitividade e inclusão da agenda BC# (notadamente o Open Banking e pagamentos instantâneos), na percepção de Augusto, o setor deverá se multiplicar em novos modelos de operação e integração de todos os tipos e formatos – seja via parcerias e/ou incorporações – entre os agentes do mercado -, ampliando as possibilidades para a sociedade como antes nunca visto. “Espero uma digitalização mais intensa dos pagamentos, reduzindo gradativamente o uso de dinheiro em espécie, assim como um aumento da bancarização com a inclusão da baixa renda e economia informal para dentro do sistema (não necessariamente para os bancos). IA e blockchain devem ganhar força e uso popularizado”, avalia.
Os pagamentos instantâneos e o Open Banking são por si só grandes inovações, mas sobre o segundo, Barros, lembra que é bastante abrangente e que deve impactar profundamente o funcionamento do mercado financeiro. De acordo com ele, o Open Banking será a fundação para a tendência do “banco onipresente” – verdadeiramente omnichannel – em qualquer lugar e no momento certo das jornadas do dia-a-dia de seus clientes. Em resumo, tem como princípio fundamental a ideia de que os dados bancários pertencem ao cliente, e não aos bancos, assim, outras plataformas e serviços podem ter acesso a esses dados, desde que autorizadas explicitamente pelo cliente.
Pensando no cliente, nos próximos anos Bezerra vislumbra que a experiência em serviços financeiros terá que ser cada vez mais real-time, com pagamentos instantâneos, baseada em biometrias, com assistentes de voz, muita inteligência artificial e machine learning ajudando, baseada em IoT, chegando a um ponto que teremos mais transações machine-to-machine do que pessoais. “Imagine o seu carro autônomo elétrico tomando a decisão de parar em uma estação de carga e pagando com a seu próprio wallet. Veremos experiências financeiras embebidas em nossos devices, nossas roupas e nas nossas vidas”, complementa.
Transformação digital e customer experience
No Brasil, o segmento financeiro já vinha liderando o tema de transformação digital há dois ou três anos, pois segundo Breno Barros, foi o primeiro a ser alvo massivo de novos entrantes (fintechs), com suas soluções para reduzir custos de operação e proporcionar uma melhor experiência aos usuários. “Isso fez com que o setor buscasse se reinventar mais rápido: melhorando a acessibilidade em canais digitais, buscando ouvir mais os seus clientes em mídias digitais, investindo em novos produtos financeiros mais acessíveis e até mesmo em ampliar sua carteira de clientes fazendo inclusão de “não bancarizados”. Por exemplo, o Santander Brasil, uma das maiores referências globais em agilidade escalável, conseguiu entregar maior valor e soluções digitais para os seus clientes. Recentemente, lançou uma plataforma para ajudar as empresas a venderem no mundo digital e gerir seu fluxo de caixa de maneira mais eficiente, chamado “Santander CoPiloto. O próprio Nubank que relacionou a abordagem de customer experience. A PagSeguro promovendo inclusão e geração de negócios para todas as classes empresariais”, pontua.
Para João Bezerra Leite, a transformação digital não é simplesmente digitalizar os processos atuais, mas redesenhar as experiências atuais com base em tecnologia. “Ser digital é uma mudança cultural massiva de negócios e demanda uma grande transformação organizacional e no modelo de negócios. A palavra-chave é tecnologia. A maioria dos tomadores de decisão em bancos não conhecem tecnologia. Banqueiros gerenciam bancos, mas os novos bancos digitais precisam de tecnologia ou então serão somente bancos e não bancos digitais”, adverte.
Enquanto, Carlos Augusto, acredita que a transformação digital viabilizou a existência dos bancos digitais e fintechs focadas em resolver problemas reais do cliente de forma simples e conveniente, rompendo paradigmas históricos, abrindo caminho para a inovação e a experimentação em um mercado tradicionalmente conservador. “Quem imaginou abrir uma conta em alguns minutos sem precisar falar com um gerente do banco, usar a conta sem nunca entrar em uma agência, aliás, em banco que não tem sequer agência e ter uma plataforma extremamente simples, agradável e amigável que não precisa de tecla help ou instruções? Esses são exemplos simples e que na verdade são o uso muito mais da cultura e da ousadia de inovação trazidos pela transformação digital centrada na necessidade do cliente, do que da existência de novas tecnologia em si”, finaliza.
O conteúdo da palestra está disponível no Educa ANEFAC, confira: