Jornada rumo à tributação responsável no Brasil ainda precisa amadurecer. O que é necessário primeiro é mudar a relação entre contribuinte e fisco
A gestão dos aspectos sociais, ambientais e de governança, conhecido como ESG (Environmental, Social and Governance) nas empresas não é um tema novo. Há cerca de 20 anos, elas já vêm implementando processos para gerenciar essa agenda. Mas, nos últimos anos, uma conjunção de fatores colocou o tema como primordial entre as preocupações dos líderes, dos conselhos de administração e das áreas financeiras.
“Os fatores, que trouxeram impulso e fizeram com que a discussão dos pilares ESG atingisse um patamar elevado, são um conjunto de problemas e pontos”, explica Nelmara Arbex, sócia da área de Risk Consulting GC/ESG da KPMG no Brasil e que palestrou no Congresso Tributário ANEFAC & KPMG. Ela cita entre os principais:
- A crise da pandemia de Covid-19 escancarou desigualdades e fragilidades globais e trouxe a percepção de que essas questões precisavam ser resolvidas com urgência;
- O aumento da relevância da gestão de riscos de um negócio como caminho para novas oportunidades. Ou seja, as empresas estão notando que se avançarem primeiro, nesse tema, terão vantagens competitivas;
- Os investidores estão adotando a agenda ESG como forma de avaliar a qualidade da gestão do negócio;
- Os critérios ESG passaram a ser considerados para acesso a capital e a mercados;
- Os talentos estão escolhendo onde trabalhar olhando para aspectos da gestão ESG e clientes e consumidores cobrando esse posicionamento; e
- As novas regulamentações reforçam cada vez mais a importância dessa gestão.
Os fatores ESG estão impactando todas as áreas do negócio. De ponta a ponta medidas estão sendo desenvolvidas para se adequarem a esse movimento global. Muito relacionado às questões ambientais, conceitualmente a prática dos conceitos reflete na gestão dos processos e controles até as pessoas. Todavia o mais importante é que, segundo Arbex, a liderança entenda a conexão entre os temas sociais, ambientais e de governança com os seus negócios.
“Depois desse entendimento e diagnóstico, tem que definir como vai gerar valor considerando todos os fatores ESG. Os três aspectos trazem à tona temas atuais e necessários para a sociedade e para os negócios. Estamos em uma fase em que o social é tão cobrado quanto o ambiental. Já a governança é a base de todo o processo. Não adianta haver um compromisso público, se as ações não forem medidas e acompanhadas. Por um período podemos focar em um aspecto mais crítico, como mudanças climáticas, mas isso sem ações para a redução da pobreza também não ajuda, nem os negócios e nem a sociedade”, diz Arbex.
ESG na área tributária envolve busca pela transparência
Seguindo a linha ESG aplicada ao negócio, as questões tributárias têm se tornado cada vez mais relevantes nas políticas corporativas. “O ESG no tax está conectado a transparência e isso quer dizer relacionado ao adequado pagamento de tributos, aos incentivos fiscais usufruídos e às relações cooperativas com as autoridades fiscais. Além disso, é importante o contribuinte atentar aos potenciais incentivos fiscais aplicados às atividades sustentáveis”, avalia Luis Wolf, sócio-diretor da KPMG na área de Impostos, que palestrou no Congresso Tributário ANEFAC & KPMG.
Para ele, o grande indicador é o nível de transparência fiscal adotado pelas empresas, seja pela simples informação pública quanto aos pilares de governança tributária, como por exemplo, ao informar que não utiliza qualquer estrutura societária artificial, seja pela publicação voluntária e detalhada dos relatórios de transparência fiscal, nos quais se informa a política fiscal e o total de tributos pagos por exercício, ou qualquer outro.
“As empresas devem pesquisar sobre os potenciais incentivos fiscais aplicados à agenda verde, como por exemplo, o ICMS reduzido nas importações de partes e peças destinados à geração de energia eólica. As oportunidades também contemplam o lançamento de debêntures verdes, onde são beneficiadas com a redução de imposto de renda, e, por último, mas não menos importante, a adequada informação para a sociedade, investidores e mídia sobre o correto cumprimento da legislação fiscal”, pondera Wolf.
Além disso, é preciso que estejam atentas ao que está acontecendo no mundo. Em diversos países, começa a ser considerada a divulgação das políticas de impostos das organizações. Reino Unido, Espanha e Australia já estão nessa jornada. No âmbito do OCDE (Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), que atua em conjunto com o grupo G20, existe o Plano de Ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros, que é um catalizador neste sentido.
As vezes as empresas já estão implantando as práticas ESG e não se dão conta. Os exemplos mais comuns, com relação a transparência fiscal, é a divulgação do Mandatory Disclosure Regime (MDR), utilizado muito na Europa, México e Argentina, que impõe a notificação obrigatória de acordos de planejamento tributário potencialmente agressivos envolvendo estados membros da União Europeia. Aqui no Brasil ainda não entrou em vigor, mas é um assunto que está no radar da Receita Federal.
Outro programa é o Compliance Management Systems, que obriga as empresas a detalharem a governança tributária e de controles. No Reino Unido é obrigatório a sua divulgação em alguns casos, por exemplo, e mostra como se controla e está em compliance com a área tributária. Apesar de estar um pouco longe do Brasil a sua obrigatoriedade, não significa que não pode evoluir.
E, por fim, existem ainda os Relatório de Transparência Fiscal divulgados junto das demonstrações financeiras, por algumas empresas, que são públicos e mostram com detalhamentos as questões tributárias, ou seja, o quanto de impostos se está recolhendo. No Brasil essa prática não é mandatória, mas com a obrigatoriedade imposta à multinacionais pode começar a afetar o país. O que existe por aqui é um trabalho que vem sendo feito pela RF no sentido de cooperação, o programa Confia. Ele ainda está em processo de sugestões, mas já é um canal de comunicação entre fisco e empresas.
O que todos esses programas têm em comum, dentro dos conceitos ESG, é que a questão do pagamento de tributos é uma forma de a empresa retribuir à sociedade pela sua exploração comercial, por meio da responsabilidade tributária. O futuro impõe buscar que esse cenário será justo para ambos, empresas e fisco. Não se trata de pagar menos, mas sim de encontrar o equilíbrio e uma relação de confiança.
Confira os vídeos dos três dias do evento abaixo e todos os conteúdos:
Congresso Tributário ANEFAC & KPMG digital reuniu mais de 700 pessoas
ECF 2021: Blocos C, M, N, 0 e J foram pontos de atenção redobrada, explica Thiago Coelho, da KPMG