Os principais desafios para as empresas e instituições financeiras são o acompanhamento das inovações constantes promovidas no setor e a adequação dos produtos e serviços às regulações, seguindo também o calendário de novidades da Agenda BC#
Estudos recentes da Oxford Economics apontam que há alguns anos a economia digital do mundo representava 15,5% do PIB (Produto interno bruto) global e que pode chegar a 24,3% em 2025. Outro estudo indica que, nos próximos anos, ela deverá crescer a um ritmo 2,5 vezes superior ao crescimento da economia mundial em geral, devendo representar um montante de US$ 23 trilhões em 2025. No Brasil, a participação da economia digital estava em torno do 22%, com potencial de crescimento para 2021 (MCTIC, 2018). Estes aspectos revelam a importância desta nova economia como driver do crescimento econômico.
O ano de 2021, segundo Loise Nascimento, gerente de policy e regulatory no Grupo Movile, que palestrou no Congresso ANEFAC Digital 2021, promete ser um período de maior consolidação e aprimoramento das tecnologias que começaram a serem implementadas no ano anterior, como o Pix, ao invés de criação de outras tecnologias reguladas pelo Banco Central. Com as mudanças de calendário da Agenda BC#, desde 2020, também podemos esperar muitas novidades nesse ano, que será marcado pela implementação do Open Banking.
Antes da pandemia, Tech Banking era vista como uma vertente do segmento de bancos, comumente atrelada à criação de fintechs e bancos digitais, que tinham como a base de seus negócios o emprego de tecnologia para o desenvolvimento de novos produtos e serviços financeiros, além do atendimento digital para os clientes. Com o tempo, explica ela, esses modelos de negócios foram apresentando um rápido crescimento, muito por conta do alinhamento entre esses tipos de serviços com as novas rotinas e formas de consumir da população, especialmente nos países mais desenvolvidos, em que as pessoas estão cada vez mais acostumadas a se relacionarem, fazerem compras e desenvolverem as principais tarefas do dia a dia com o apoio da tecnologia, em um ambiente totalmente digital.
Quando se trata de avanço tecnológico no setor, o movimento foi liderado pelas fintechs, com novos modelos de negócios focados no digital e que buscavam atender nichos de público que, muitas vezes, não eram bem atendidos ou ainda nem faziam parte do setor bancário. A expansão dessas empresas gerou inclusão bancária e, especialmente no Brasil, foi incentivada pelo Banco Central. O objetivo da instituição é estimular a entrada de novos negócios no setor e, assim, promover maior competição, descentralizando a atuação dos bancos.
Surgem, também, fintechs que promovem a tecnologia para a criação de novos bancos. É o caso da Zoop, que desenvolve tecnologia white label e possibilita a criação de novos bancos e serviços financeiros. Com a tecnologia do banking as a service, a Zoop oferece todas as condições técnicas e regulatórias para que grandes empresas, varejistas e marketplaces tornem-se fintechs e passem a oferecer seus próprios produtos financeiros para os clientes, diversificando, assim, a atuação dos seus negócios.
“Atualmente, devido à pandemia da Covid-19, podemos ver o Tech Banking como uma realidade em desenvolvimento e que provavelmente pautará os negócios nesse segmento nos próximos anos. A disrupção tecnológica no setor de bancos e de pagamentos foi extremamente impulsionada pela pandemia, que impôs restrições para realizarmos todas as atividades diárias. A vida mais reclusa em casa fez com que a internet e a tecnologia se tornassem o principal meio de contato com o mundo, sendo um canal fundamental para a economia: tanto para o comércio se manter em atividade, quanto para os bancos, que precisaram melhorar seus canais de atendimento on-line. Essa mais recente revolução digital provocou novos hábitos de consumo e muitas oportunidades no segmento”, pondera Nascimento.
Como serão os bancos do futuro?
Com o avanço da digitalização da economia, impulsionado pela pandemia de Covid-19, segundo ela, o ambiente financeiro se tornou ainda mais propício para o surgimento e o crescimento de bancos digitais, fintechs e instituições com atuação forte no ambiente digital. “Mesmo antes, fintechs e neobanks já estavam conquistando clientes e mudando o cenário do setor, tradicionalmente reconhecido como um segmento concentrado na atuação dos grandes bancos e instituições financeiras. À medida que esse cenário se modifica, com maior competição entre diferentes players do setor, são esperadas maiores inovações e o desenvolvimento de novas tecnologias bancárias. Neste ambiente, os bancos tradicionais também são incentivados a inserirem inovações em seus negócios e passam a realizar movimentos como parcerias ou aquisição de startups para integrar essas inovações em suas soluções”, diz.
De acordo com Nascimento, o Open Banking e o Pix também têm um papel importante nesse processo de constante digitalização dos serviços financeiros e dos bancos. Com a chegada dessas novidades em um contexto de pandemia, em que o meio digital já estava em ascensão, o Banco Central estimulou ainda mais o desenvolvimento de tecnologia e inovação no segmento. Para ela, a tendência é que a expansão continue neste ano, seguindo a agenda de novidades do BC, não apenas em termos de adesão da população, mas do uso pelas empresas e instituições financeiras, que já estão desenvolvendo novos produtos de olho nas novidades.
Os bancos do futuro serão focados em tecnologia digital e o segmento também contará, cada vez mais, com fintechs e novos players, como as big techs que já começam a atuar com serviços financeiros. Segundo ela, todos esses bancos e instituições serão impulsionados pelo Open Banking, tecnologia que permitirá o compartilhamento de dados bancários (com o consentimento de cada pessoa) com as instituições financeiras, o que garante acesso às informações dos consumidores para todos os tipos e portes de empresas, além de uma melhor avaliação do perfil de cada um deles para oferecimento de produtos mais adequados à necessidade e comportamento. E completa: essa tecnologia garante que instituições financeiras que não fazem parte do pequeno grupo de bancos tradicionais também tenham acesso aos dados, o que gera maior concorrência no mercado e a chegada de novas entrantes para esse ecossistema.
No contexto de bancos do futuro, os benefícios, na percepção da especialista, para os consumidores são muitos: maior quantidade de opções de produtos e serviços financeiros, preços e taxas mais baixos e maior acesso a crédito, uma vez que tenhamos um aumento da competição entre os atuantes desse setor e, consequentemente, a redução da concentração nos grandes bancos. No varejo, o Open Banking deve acelerar um processo que já temos observado no Brasil: a fintechzação de grandes empresas que não atuam, originalmente, com serviços financeiros.
“Muitas companhias já estão criando suas próprias contas digitais e oferecendo serviços financeiros para os consumidores. Esse fenômeno também é visto em empresas de tecnologia, como o iFood, que se uniu à MovilePay para desenvolver e oferecer a Conta Digital iFood para os donos de negócios que vendem refeições por meio da plataforma, tornando-se o banco de restaurantes”, explica Nascimento.
Como está o processo regulatório nesse setor?
O Banco Central está atuando ativamente nesse setor, com regulações adequadas para o momento de inovação e disrupção digital do ecossistema financeiro no Brasil. “Percebemos que houve uma aceleração no processo normativo pelo regulador e uma mudança de postura relevante que permitiu uma flexibilização de adequação pelo mercado. Vimos claramente um descompasso entre o desenvolvimento tecnológico inovador e a criação do regramento (normas, leis) relacionado ao novo modelo de negócio, principalmente na era de organizações com crescimento exponencial. Por conta disso, percebemos que nos últimos tempos houve um crescimento significativo na publicação de normas por entidades reguladoras de forma generalizada, contudo, observamos que não são normas que conduzem o como deve ser feito, mas sim sobre princípios macro que nortearão determinado serviço ou segmento”, avalia Nascimento.
Ela entende que, esse movimento exponencial regulatório faz com que passemos para um outro patamar quando se trata da relação entre regulador e regulado, hoje muito mais presente nos debates. E completa: essa mudança de comportamento do regulador, que agora é mais próximo dos planos táticos do setor, gera uma mudança de paradigma sobre o conceito de autoridade que víamos antigamente, onde ficava muito claro quem mandava e quem obedecia. Estamos em uma nova era regulatória e todos deverão se adaptar, incluindo a forma como as regras são criadas.
Com toda essa regulação, surge no horizonte inúmeras oportunidades para as empresas que atuam nessa área e para outras que ainda irão se descobrir parte deste novo ambiente. Ela acredita que, este seja um momento bastante oportuno para as empresas que já fazem parte do setor financeiro e, principalmente, para a entrada de novas fintechs e até mesmo de empresas que são de áreas completamente diferentes. É importante ressaltar, na visão dela, que o Banco Central está incentivando a diversificação das instituições do segmento e, por meio do Pix e do Open Banking, está trabalhando para criar um ambiente cada vez mais competitivo e inovador, com regulações e a garantia de que essas novas empresas e fintechs terão espaço e recursos (como informações adequadas do público) para desenvolver soluções que tragam tecnologia e benefícios para toda a sociedade.
Também vale lembrar que, quando falamos sobre o acesso aos produtos e serviços bancários, ainda há uma lacuna no Brasil, evidenciada pela pandemia. De acordo com uma pesquisa feita em 2019 pelo Instituto Locomotiva, existiam cerca de 45 milhões de pessoas ‘desbancarizadas’ e seis em cada 10 delas eram mulheres. Com a criação do Auxílio Emergencial pelo governo, diversas pessoas tiveram suas primeiras contas em banco criadas para o recebimento da renda. Contudo, ainda há muitos sem acesso. Nesse sentido, as fintechs e os bancos digitais têm um grande público para atender e, com os serviços focados no digital, podem chegar a cidades e comunidades que possuem pouco ou nenhum acesso aos bancos tradicionais.
“Atualmente, os principais desafios para as empresas e instituições financeiras são o acompanhamento das inovações constantes promovidas no setor e a adequação dos produtos e serviços às regulações, seguindo também o calendário de novidades da Agenda BC#. As regulamentações, ainda que publicadas em um sentido principiológico, ainda não garantem que a experiência do usuário e a competição saudável serão priorizadas pelas empresas. Portanto, em um ambiente extremamente competitivo e confuso, ganhará aquele que souber entender quais problemas dos clientes deverão ser resolvidos sem onerá-los na hora da prestação dos serviços. Definitivamente, a transformação digital e a tecnologia são as bases para a criação e o desenvolvimento dos bancos e instituições financeiras do futuro”, finaliza Loise Nascimento.