Empresas do mundo inteiro navegam nas oportunidades de adotar as boas práticas de sustentabilidade e já dá para ver o impacto em números
Impulsionado principalmente por dois agentes de peso: o mercado financeiro e a opinião pública, os fatores ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança) se tornaram must-have para as empresas no último ano. Mas, realidade no Brasil ainda tem muito que evoluir. Pensando em reporte ESG, por exemplo, o país já esteve empatado em 2º lugar junto com a Holanda em número de empresas participantes do programa piloto do International Integrated Reporting Council (IIRC) para relatórios integrados. Hoje, são apenas três.
Segundo o IntegratedReporting.org, apenas 10 empresas brasileiras divulgam relatórios integrados internacionalmente aceitos. Agora, fazendo um paralelo, em 2020 existiam 350 empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, de acordo com pesquisa da consultoria Economatica. Todavia, apenas 3% destas reportam informações ESG em um padrão internacionalmente aceito.
Além disso, no Brasil não há números exatos sobre o investimento ESG e nem sobre o nível de engajamento das empresas. O que temos é um dado da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) que mostra o quanto está aplicado em fundos de ações sustentáveis. Em junho de 2020, esta categoria somou R$ 543,4 milhões, crescimento de 29% em relação ao mesmo mês de 2019. Isso, representa 12% do patrimônio dos fundos de ações e 1% da indústria de fundos de investimentos.
Todavia, na visão de Geraldo Soares, superintendente de RI do Itaú, que palestrou no Congresso ANEFAC Digital 2021, as coisas estão mudando por aqui. Para ele, o aumento do número de produtos ESG é uma clara reação à crescente demanda por este tipo de investimento. “A inserção das questões ESG na estratégia das empresas estava crescendo nos últimos anos de forma paulatina. Com a pandemia, a aceleração foi rápida e consolidadora. Não tenho dúvidas de que o processo ESG se inseriu no cotidiano de todas as empresas e stakeholders. A pandemia trouxe um novo olhar sob nosso cotidiano e deixou muito claro o que realmente é importante e essencial. As pessoas trabalham, compram, são acionistas e fornecedoras de empresas. Portanto, é natural que esse novo olhar impacte às empresas. Entendo, que somente aquelas que têm a oportunidade de se inserir nesse novo modelo de negócios onde o tema ESG deve estar na estratégia”, avalia.
Ele acredita que, é necessário inserir o ESG no cotidiano, nos negócios, na relação com clientes, no relacionamento com funcionários e com a sociedade em geral. O tema tem que estar na estratégia da empresa. Além desse desafio, que não é trivial, a empresa precisa prestar contas sobre seu desempenho, onde o tema deve estar presente. Portanto, ele vê como principais desafios a inserção do ESG na estratégia e sua consequente comunicação.
Outro importante desafio (global) é atender à crescente demanda por informações ESG e, ao mesmo tempo, se adaptar às inúmeras iniciativas existentes que continuam em constante evolução. Segundo ele, a tendência global é caminhar para padrões de prestação de contas, mais consistente e comparável, que se utilizem de conceitos e métricas pré-existentes e já consolidadas no mercado. Nesse contexto, ele cita, as três iniciativas que ilustram essa busca:
Primeiramente, a coalisão SASB (Sustainability Accounting Standards Board), FASB (Financial Accounting Standards Board), IASB (International Accounting Standards Board), CDSB (Climate Disclosure Standards Board), CDP, TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), GRI (Global Reporting Initiative) e IIRC busca criar uma orientação integrada ao mercado de como frameworks e standards podem ser aplicados de forma complementar – em um framework único. O objetivo é atingir o mesmo nível de maturidade que o ecossistema de relatórios financeiros alcançou com o IFRS (International Accounting Standards Board).
Há também a iniciativa do Fórum Econômico Mundial que lançou métricas comuns e relatórios consistentes em parceria com o IBC e as “Big 4” de auditoria PwC, Deloitte, EY e KPMG. O grupo busca desenvolver métricas comuns para medir a criação de valor ESG, acelerar a convergência entre standards privados e trazer maior comparabilidade e consistência aos relatórios corporativos.
Finalmente, a Fundação IFRS, que lançou uma consulta pública para avaliar quais as demandas dos stakeholders sobre o tema ESG e como eles poderiam ajudar nesta transição. Três diferentes abordagens foram propostas pela fundação, entre elas a opção de criar um novo Sustainability Standard Board (SSB), que ficaria responsável por definir padrões e métricas ESG trabalhando com iniciativas existentes e construindo a partir do que existe. Um total de 577 empresas responderam a consulta, entre as participações de instituições brasileiras estão Itaú, Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), CFC (Conselho Federal de Contabilidade), Fecap e IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
“Além das três iniciativas acima, não podemos esquecer das divulgações financeiras relacionadas ao clima (TCFD) que é uma força tarefa coordenada pelo Financial Stability Board, órgão ligado ao G20 com ações práticas de reporte recomendadas aos Bancos Centrais sobre mudanças climáticas no setor financeiro. Os bancos brasileiros têm como meta incorporar as recomendações da TCFD até 2022. A ideia é que a regulação entre em vigor já em 2022 e que essas informações estejam consolidadas num novo relatório anual obrigatório, batizado pela sigla GRSAC, a ser publicado no começo de 2023”, explica Soares.
Agenda global, indicadores e métricas ESG devem estar na pauta
De acordo com ele, dois temas principais devem ser levados em consideração pelas empresas:
1º a importância crescente que o tema ESG tem adquirido na agenda de investimentos globalmente. De acordo com a Global Sustainable Investments Alliance, o valor investido com base em princípios ESG dobrou nos últimos quatro anos, e mais do que triplicou nos últimos oito anos, atingindo estonteantes US$ 40 trilhões. E, embora ainda seja amplamente impulsionado por investidores institucionais, o varejo está crescendo exponencialmente.
2º é o intenso trabalho global em curso para padronizar indicadores e métricas ESG. Nesse contexto, a coalizão SASB, as “Big 4” de auditoria e o trabalho da Fundação IFRS são exemplos relevantes da busca pela padronização em direção a relatórios mais consistentes e comparáveis.
“As empresas devem pensar os fatores ESG nos tempos atuais da mesma forma que pensam sobre aspectos financeiros, tributários, econômicos e digitalização. Tem que estar inserido no cotidiano dos negócios, produtos e serviços. Uma empresa somente é sustentável se tiver clientes, colaboradores e fornecedores sustentáveis. A cadeia produtiva tem que ser igual. Além disso, as questões ESG também podem ser pensadas a partir de uma ótica de riscos e oportunidades. Uma companhia é capaz de fortalecer sua gestão de riscos ao contemplar fatores socioambientais em suas análises. Já as oportunidades de produtos e serviços sustentáveis também são inúmeras e tem características distintas nos diferentes setores. Podem se refletir em eficiência de custos, como tornar um processo de produção mais “ecoeficiente” ou até mesmo explorar novos mercados ao ofertar produtos mais sustentáveis para consumidores cada vez mais exigentes”, analisa Soares.
O tema ESG ganhou tanto destaque ultimamente por várias razões, mas o especialista destaca duas principais: a pandemia e as novas gerações. Ele explica: a pandemia escancarou problemas e soluções possíveis nas empresas. Se estávamos paulatinamente nos digitalizando, a pandemia fez com que avançássemos 10 anos em meses. Isso fez com que a locomoção de pessoas diminuísse, deixando o ar menos poluído nas grandes cidades. Nós percebemos que podemos fazer diferente e termos uma qualidade de vida melhor para todos. Acendemos o alerta do que pode ser alterado e melhorado, do que realmente vale e o que não. Essa mudança de mentalidade na sociedade faz com que as empresas tenham que se adaptar para atender essa demanda nova, quer sejam de funcionários ou clientes.
“A novas gerações estão com outras formas de pensar e com outras demandas. Um exemplo são os Millenials que estão chegando no mercado de trabalho. As ambições deles são bem diferentes das gerações anteriores, impactando no mercado de trabalho e consumo. Os Millenials são digitais e se comunicam somente nesses canais. Não querem carro e não querem ficar trabalhando muito tempo em uma empresa. Essas alterações comportamentais impactam diretamente a produção e produtividade de uma empresa. Se uma empresa não se adaptar, não terá as mentes dos Millenials para desenvolver soluções digitais e também não terá o consumidor dessa geração. São desafios importantes e que devem ser endereçados pelas empresas”, diz Soares.
As grandes empresas brasileiras estão bem inseridas no cenário ESG, com boas estratégias e ótimos reportes. O especialista crê que, o maior desafio é para empresas de médio e pequeno porte. “Inexoravelmente terão que inserir o ESG na estratégia de negócios da empresa e se adaptar aos novos modelos de padronização em curso”, aponta.
Não podemos esquecer que a transformação digital mudou a forma como as pessoas trabalham, como estudam, como consomem e até mesmo como se relacionam. E, isso certamente tem implicações para uma agenda de sustentabilidade e de negócio. “Do ponto de vista de direitos do consumidor, por exemplo, a gestão da informação e as questões de privacidade de dados tornam-se cada vez mais relevantes. Da perspectiva dos colaboradores, o olhar das empresas para saúde e segurança também muda à medida que mais pessoas estão trabalhando em modelos remoto, menos hierarquizados, mais flexíveis”, finaliza Geraldo Soares.