A principal preocupação é se essas medidas, realmente, garantem a qualidade do processo decisório dos usuários
Se você acompanha os reportes corporativos de companhias, que fazem parte do mercado de ações brasileiro, com certeza já se deparou com alguma medida não-GAAP, especialmente, em divulgações de press releases e em relatórios da administração. Os números, advindos da aplicação desse tipo de medida, estão geralmente associados a resultados ou ganhos ajustados, sendo também chamados de números “não contábeis”. Daí que surgiu o termo “não-GAAP”: do não atendimento de tais métricas aos Generally Accepted Accounting Principles.
De forma mais prática, os números contábeis sofrem interferências manuais não permitidas pela estrutura conceitual contábil, conforme as IFRSs (International Financial Reporting Standards) para que seja composto e divulgado um novo número ao mercado. Exemplos de medidas não-GAAP, usualmente apresentadas, são: lucro líquido ajustado, lucro por ação ajustado, e EBITDA e seus variantes.
Há um consenso no mercado de que a contabilidade por si só não consegue endereçar todos os questionamentos de seus usuários sobre o desempenho empresarial. O próprio IASB (International Accounting Standards Board) afirma que os números, advindos da aplicação fiel e inalterada do GAAP, podem não mensurar de forma única, ou suficiente, o desempenho da atividade operacional e potencial de crescimento das companhias.
Assim, cada vez mais, as empresas optam por aderir à divulgação de números não-GAAP como sendo sinônimos ou mesmo representantes do que elas consideram como desempenho operacional. Pesquisas indicam que, em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, por exemplo, há uma prevalência de divulgação de medidas não-GAAP em relatórios anuais de companhias listadas.
No Brasil, essa realidade não é diferente: uma pesquisa, efetuada em relatórios anuais e press releases de companhias listadas no índice IBrX 100, investigou as características e implicações da divulgação de duas das medidas não-GAAP mais utilizadas no cenário corporativo brasileiro, e identificou que nos anos de 2014 e 2015, 85% e 74% das empresas da amostra divulgaram tanto o EBITDA como o EBITDA Ajustado em todos os dez períodos analisados.
Apesar de existirem reivindicações do mercado quanto à utilização de métricas não-GAAP, há também certas preocupações por parte, principalmente, de órgãos normatizadores e órgãos reguladores de normas contábeis sobre essas divulgações.
Qual a principal discussão em torno da divulgação de medidas não-GAAP?
A principal preocupação, relacionada à tais divulgações, é se de fato elas garantem a qualidade do processo decisório dos usuários. Por se tratar de divulgações voluntárias e muitas vezes não haver uma regulação sobre o formato dessas medidas, nem auditoria independente para “validar” a construção dos números, existe uma possibilidade de que elas sejam calculadas de maneira indiscriminada, ou seja, com a intenção de “enganar” os usuários quanto ao “novo” desempenho.
Diversas pesquisas apontam para um viés de mau uso na divulgação de medidas não GAAP em reportes corporativos. Evidências sugerem que números não-GAAP são, em quase sua totalidade, melhores do que os números GAAP correspondentes. Essa pesquisa ainda constatou que em 72% dos períodos, em que as duas medidas foram divulgadas simultaneamente, o EBITDA Ajustado foi maior que o EBITDA. Isso significa que as companhias tendem a ajustar mais itens negativos, melhorando seus números não contábeis.
Esses resultados são um alerta para que o mercado esteja atento à maneira como as empresas têm divulgado medidas não-GAAP. É importante destacar que informações não-GAAP possuem utilidade informacional ao complementar as informações fornecidas pelos números contábeis, no entanto, deve haver certo cuidado, por parte de preparadores de relatórios corporativos, para evitar o uso discricionário de tais métricas, sempre buscando justificar tais divulgações de forma clara e transparente aos seus usuários.
O artigo foi escrito pela Profa. Me. Gabriela Vasconcelos de Andrade, que é consultora e pesquisadora da FIPECAFI e da USP, onde cursa o Doutorado em Controladoria e Contabilidade. Possui experiência profissional em auditoria externa pela Deloitte e na área técnica de Risk & Quality da PwC. Atuou como professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lecionando no curso de graduação em Ciências Contábeis. Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (2014). Mestre pela Universidade de São Paulo – FEA/USP em Controladoria e Contabilidade (2017) na linha de Contabilidade para Usuários Externos. Dissertação indicada a concorrer ao prêmio de melhor trabalho do programa do ano.