O objetivo do hedge, como definido por John Hull (2016), em um dos livros referência sobre o assunto de derivativos, é usar o mercado para reduzir determinado risco a que se tenha exposição. Os fatores determinantes de hedge são estudados, de forma geral, na academia por meio das imperfeições do mercado que aumentariam o valor da firma. O que poderia ser resumido como uma forma de reduzir as volatilidades provocadas por fatores externos da companhia e desta forma, os resultados não seriam impactados por eles. Fazendo com que os investidores tenham uma melhor visão quanto a previsibilidade dos resultados e exijam um prêmio de risco menor, os gestores sejam avaliados por seus resultados produzidos e a empresa tenha saúde financeira para realizar seus investimentos na operação sem ser impactada por fatores externos ao seu controle.
A contabilização de hedge, conforme Lopes, Galdi e Lima (2011), tem como objetivo refletir a operação dentro de sua essência econômica de forma a resolver o problema da confrontação entre receitas/ganhos e despesas/perdas. A aplicação desta forma de contabilização altera a base de mensuração dos itens protegidos ou do instrumento de hedge. É uma metodologia facultativa, todavia condicionada à demonstração de que se trata de uma efetiva proteção, comprovada por meio do atendimento de determinados critérios. Resumidamente, as condições para admissão do Hedge Accounting são:
Documentação | Efetividade Prospectiva | Hedge de Fluxo de Caixa | Efetividade Retrospectiva | |
No início do hedge existe designação e documentação formal da relação de proteção e do objetivo e estratégia da gestão de risco da entidade. | Espera-se que o hedge seja altamente eficaz ao conseguir compensar as variações no valor justo do instrumento e do objeto de hedge. | Espera-se que uma transação prevista, objeto de hedge de fluxo de caixa, seja altamente provável. | A eficácia do hedge pode ser confiavelmente mensurada. | O hedge é avaliado em base contínua e efetivamente determinado como tendo sido altamente eficaz. |
Tabela 1 – Condições para admissão do Hedge Accounting
No Brasil, mais especificamente, esse tema ganhou momentum com a harmonização às normas internacionais de relatórios financeiros. Inicialmente, com a emissão do CPC 14 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento, Mensuração e Evidenciação em 2008, que estabelecia os principais conceitos relativos ao reconhecimento e mensuração de ativos e passivos financeiros. E na segunda etapa, em 2010, com a adoção completa das normas internacionais de contabilidade, o CPC 14 foi substituído com a aprovação dos CPC 38, 39 e 40, que estão baseadas nas normas IAS 39, 32 e IFRS 7, respectivamente. Essas normas versam sobre instrumentos financeiros, formas de reconhecimento, mensuração, apresentação e evidenciação. Atualmente, o hedge accounting é disciplinado pelo IFRS 9, traduzido no Brasil como pronunciamento técnico-contábil 48.
Abaixo gráfico que mostra a evolução da adoção de hedge accounting pelas empresas não financeiras listadas na B3. Este estudo coletou os dados das notas explicativas de todas as empresas listadas do período de 2008 a 2017.
Gráfico 1 – Usuários de Derivativos e Hedge Accounting
Fonte: Paula (2019)
O estudo em tela teve como objetivo analisar a escolha contábil da aplicação de hedge accounting no mercado brasileiro, ou seja, tendo em vista o uso marginalizado dessa tão importante escolha contábil, buscar avaliar quais são os potenciais fatores determinantes para a escolha da contabilidade de proteção.
Inicialmente, as empresas foram divididas em dois grupos, as que tem maior média de designação de instrumentos derivativos para a contabilidade de proteção, comparativamente as que tem menor média ou não designam instrumentos para contabilidade de hedge. Nessa análise, foram encontrados indícios de que o grupo com maior média apresentava maior valor da firma em bolsa. Tal resultado pode ser interpretado como uma indicação de que empresas, que mantém uma prática de hedge accounting e uma cultura de gestão de riscos, apresentam uma maximização do seu valor. Nota-se que foi considerado o tamanho das organizações a fim de que mitigasse potenciais características endógenas e/ou espúrias.
A segunda análise relaciona o que a literatura contábil nomeia como prática de suavização dos resultados ou smoothing com o hedge accounting. Como definido por Beidleman, (1973): “A suavização dos resultados pode ser definida como a redução intencional das flutuações para um nível de resultado que é considerado correntemente normal para a empresa.”
A análise realizada buscou evidenciar se as empresas, que adotavam um maior nível de designação, dos seus instrumentos para a contabilidade de hedge, acabavam incorrendo em menor volume de práticas de suavização, visto que elas já teriam uma redução natural da volatilidade de instrumentos derivativos. Foram encontradas indicações consistentes com essa hipótese, confirmando o estudado na literatura. Ou seja, o hedge accounting impede que haja maior volatilidade nos resultados contábeis, justamente por contrapor as variações do valor justo dos instrumentos derivativos com os itens por eles protegidos. E essa é exatamente a lógica do hedge accounting, quer seja impedir que derivativos, utilizados para a proteção de determinados riscos, sejam registrados no resultado tal como se denotassem operações avulsas de especulação.
Por último, foi analisada a escolha contábil de adoção de hedge accounting em decorrência da potencial violação de covenants. É amplamente estudado as escolhas contábeis que podem ser motivadas para a não afetação de covenant (para mais detalhes veja: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-22112016-121135/pt-br.php). Porém, esse estudo é inédito na literatura ao investigar essa relação por meio do hedge accounting. Em linhas gerais, foram analisadas todas as empresas que tinham cláusulas de resultado financeiro, como EBITDA/Despesa Financeira, EBITDA/Resultado Financeiro e EBIT/Despesa Financeira. De forma oposta ao esperado, não foram encontradas indicações desse comportamento. Foram ainda selecionadas todas as empresas que tinham hedge de fluxo de caixa. Sendo assim, foram refeitos os cálculos para o caso de a empresa não tivesse adotado o hedge accounting se isso teria violado as covenants. Dos 66 casos identificados, apenas duas empresas teriam violado as covenants nesse cenário. Com isso, é possível concluir a inexistência de qualquer associação na amostra analisada de que o hedge accounting tenha sido motivado pelo risco iminente de descumprimento de cláusulas restritivas vinculadas à passivos financeiros.
Artigo escrito por Douglas Augusto de Paula, que é mestre em Contabilidade pela FEA/USP, e Eduardo Flores, que é professor doutor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP.
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Paula, Douglas Augusto de (2019). Adoção do hedge accouting no Brasil: impactos e possí¬veis determinantes. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP)
Referências:
Beidleman, C. (1973). Income smoothing: the role of management. The Accounting Review, 48, pp. 653-667.
Hull, John. (2016). Fundamentos dos Mercados Futuros e de Opções. 4° ed. São Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros.
Salotti, B.M; Murcia, F. D., Carvalho, L. N; & Flores, E. S. (2015). Ifrs No Brasil – Temas Avançados Abordados Por Meio de Casos Reais. São Paulo: Atlas.