Pesquisa com 19 contadores em posição de liderança
Robson Queiroz Pereira*
Ouvimos com frequência desde os bancos escolares, que o contador tem todo potencial para se tornar o presidente (CEO) da companhia onde trabalha, afinal ninguém melhor que o profissional contábil para conhecer a empresa já que todos os “números” passam por ele, seja com relação aos impostos, aos custos, pagamento dos fornecedores, dados da produção e faturamento dentre muitos outros. Os dados que essa profissão tem acesso dentro de uma entidade vão muito além da área financeira.
Quando pensamos nos CEOs que mais se destacaram nas últimas décadas, notamos com clareza o conhecimento técnico que tinham do produto ou serviço que comandavam. São, sem sombra de dúvida, pessoas com um bom nível de conhecimento técnico, mas que não pararam por aí, souberam conduzir equipes, recrutar talentos, incentivar seus colaboradores, preparar sucessores e a principal característica como capacidade de negociação e a boa relação com os seus clientes e investidores.
Em 2014, uma pesquisa conduzida pela revista Época Negócios com os 120 CEOs das maiores empresas do Brasil, trouxe um dado surpreendente. Apenas 3,3% dos executivos possuíam formação em ciências contábeis, em 4º lugar nas profissões dos CEOs, ao lado dos advogados, os resultados apontavam 48% dos engenheiros, 28% administradores e 12,5% economistas como as três principais formações dos CEOs abordados. Por que há um baixo índice de CEOs graduados em ciências contábeis?
Uma pesquisa qualitativa detalhada foi iniciada para compreender este fenômeno. O trabalho denominado “contabilizando líderes” abrangeu o contato com 19 lideranças, dentre sócios de firma de auditoria, diretores de grandes companhias, membros de conselhos de administração, gerentes, consultores, professores e representantes em entidades da classe contábil. Também participaram sete outros líderes de modo a corroborar com o desenho de pesquisa, sendo dois de lideranças de outras áreas, dois recrutadores com experiência na área de negócios e inicialmente três professores com experiência na área como pré-teste das entrevistas. Todas as entrevistas foram gravadas resultando em uma base de 22 horas de áudios e 502 páginas de transcrições a serem analisadas.
Ao analisar a literatura de liderança, diversos fatores apontados como características de um líder, a psicologia já comprovou que a altura, postura, timbre de voz e o modo de se vestir de um indivíduo pode fazer toda a diferença, mas vamos deixar os aspectos físicos e humanos para uma outra discussão e focar nos aspectos técnicos. Por que um contador, que passou pelas cadeiras de cálculo, direito e finanças não é o mais cotado para assumir um cargo estratégico? Eis que o contato com estes profissionais por meio de entrevistas sobre as suas trajetórias é a possibilidade para compreender aspectos que não são ensinados na faculdade.
Alguns pesquisadores apontam para um possível estereótipo negativo do contador, e não apenas no âmbito nacional, basta assistir ao filme O Contador (Warner, 2016), interpretado pelo Ben Affleck, como profissional extremamente competente, mas antissocial e focado em números. Não diferente em outros filmes, programas de TV ou até mesmo nas tiras diárias do personagem Dilbert. Felizmente, há um ponto praticamente unânime e que deve ser comemorado no estereótipo contábil, não há sombra de dúvida por terceiros acerca da competência técnica destes profissionais.
Desse modo, a pesquisa teve como motivação compreender o posicionamento social dos formados em ciências contábeis em um ambiente atual de mais de 500 mil profissionais registrados e quase 58 mil organizações contábeis ativas no Conselhos Regionais de Contabilidade, números apresentados pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) em 2016. Adicionalmente, ao analisar os cursos de graduação, no mesmo ano, ciências contábeis registra 1.247 cursos presenciais, 59 cursos a distância. Com 155 mil vagas oferecidas, o curso ficou apenas atrás de administração, marketing e publicidade e engenharias em quantidade de vagas ofertadas conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2017.
Os currículos dos cursos de contabilidade brasileiros, atualmente são regidos pela Resolução 10/04 do Conselho Nacional de Educação e também com a orientação da Matriz Curricular 2017 da Fundação Brasileira de Contabilidade (FBC). Entretanto, também se faz necessária a reflexão para uma carreira orientada para o longo prazo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma comissão denominada Pathways Commission liderada por acadêmicos, representantes de entidades de classe e profissionais de auditoria e consultoria com um olhar para as competências necessárias para a próxima geração, entendendo assim, a necessidade de uma formação sólida e que possibilite uma trajetória de sucesso aos profissionais contábeis.
No Brasil o grande fluxo de informações, obrigações acessórias e o complexo modelo de tributação demanda bastante tempo da rotina do profissional em contabilidade no acompanhamento da legislação fiscal e atividades tributárias. Ainda devem ser verificadas as atualizações trabalhistas, societárias, regulatórias, análises contábeis e a preparação das demonstrações financeiras a tempo da apresentação dos resultados para os investidores e demais usuários interessados.
Dado o contexto, a resposta que obtive dos participantes foi que a formação SIM, foi importante, mas, não o único fator determinante para alcançarem posições estratégicas, e, assim, é possível citar os 4 principais pontos de sucesso abordados: 1) a graduação em contabilidade utilizada como forma de auxílio nas ferramentas de gestão e sistema de informação e não simplesmente como atividade de registro; 2) o domínio de outros idiomas e de uma boa comunicação, seja na postura e apresentação de resultados, na comunicação escrita ou na fala; 3) a busca por outras formações e o valor as disciplinas humanísticas na formação, por exemplo, antropologia, filosofia e sociologia auxiliam a compreender melhor o ambiente, as tarefas e a equipe; e 4) buscar uma atualização profissional contínua, ter uma orientação clara de carreira e saber preparar sucessores, dado que um verdadeiro líder não está preocupado apenas com o resultado atual, mas também com todo o legado.
O domínio técnico contábil permite a compreensão como nenhuma outra formação acerca da saúde financeira de uma companhia, e o profissional que quiser ir além das finanças deve se preocupar também em desenvolver tais competências. Sendo assim, a graduação, pode ser considerada como um processo de transformação do indivíduo com aquisição de conteúdo técnico, criação de networking e possibilidade do aprimoramento de competências gerais como ética, liderança, comunicação, pensamento crítico e solução de problemas. E desse modo, retomando com a possibilidade do contador almejar um cargo de CEO, após as entrevistas, creio ainda mais nessa possibilidade. Porém, quem optar por explorar esse potencial precisa estar ciente que não é uma trilha fácil. Afinal, nenhuma companhia vai contratar um executivo apenas pelo seu diploma.
*Robson Queiroz Pereira, Mestre em Controladoria e Contabilidade USP, aluno no Doutorado FEAUSP e Professor Tutor na Faculdade FIPECAFI