Um amigo me contou que se mudou para um open space, nada de mesas pré-definidas, salas de chefes. Agora quem chega primeiro pega a mesa. Assim, não precisa nem de gaveteiro, é no locker que suas coisas ficam. Inclusive se você passar muito tempo fora da mesa, o sistema entenderá que ela está vazia. Pronto, aquilo que você chamou de seu pela manhã, já não é mais.
Ele relatou o que tinha no escritório, livros, vasos, frigobar, objetos de decoração etc. Tudo foi parar na sua casa, pois tinham valor sentimental. Vale dizer, só para ele, pois sua esposa não gostou muito do novo visual da sala da casa, principalmente um cantinho debaixo da escada…
Perguntei: E os funcionários, se adaptaram bem com a mudança?
Entusiasmado, ele responde: “sim, adoraram, as pessoas gostam de mudanças. Agora parecemos uma startup. E outra, com espaços abertos, têm mais conversas, o ambiente é propício para a inovação. Chamo isso de “interações criativas”. Venha nos visitar” – disse ele.
E eu fui…
Chegando lá tentamos achar uma sala vazia para conversar mais à vontade. Não tinha, pois os auditores estavam ocupando todas, examinavam papéis, contratos e interagiam com pessoas. Uma due dilligence solicitou uma quantidade enorme de documentos do passado.
No salão principal conseguimos uma baia vazia, nos sentamos e, 20 minutos depois, chegaram as ocupantes, um pouco hostis, porque havíamos nos apropriado do lugar que elas usavam naquele dia. Afinal, sentar próximo à janela ainda é mais atraente do que ficar próximo ao corredor, onde quem senta se torna imediatamente o tira dúvidas de todo visitante que chega pelo elevador procurando alguém.
Uma delas resmungou: “era só o que me faltava, acordar mais cedo para pegar este lugar e não sentar perto do W.C, ninguém quer né?”
Fingi que não escutei e pensei: Parecem meus alunos da graduação. Todos os dias se sentam nas mesmas cadeiras na sala de aula durante todo o ano.
Decidimos ficar de pé, nas mesas altas do café. Observei o salão e percebi uma, no máximo duas, “interações criativas”, pois a maioria dos funcionários usava headphones.
Não perguntei, mas acredito que cada um ouvia algo de sua preferência. Afinal, se todos quisessem ouvir a mesma coisa, seria melhor colocar música nas caixas de som embutidas no forro, que ouvi dizer, foram bem caras para instalar.
Perguntei, onde está a turma da contabilidade?
E ele me mostrou: Ficam ali na esquerda, todos próximos, perto do marketing, depois do RH.
Interessante, é muito parecido com o escritório antigo – pensei comigo, dá para ver as mesmas departamentalizações e os mesmos grupos, como antes, só que sem paredes.
Voltei “pra” casa ouvindo o Lulu Santos: “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, … a vida vem em ondas como um mar, num indo e vindo infinito… tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo”.
Será?
Mudam-se os espaços. E as pessoas, elas mudam?
Lord Excrachá é um ex-executivo que abandonou o mundo corporativo. Depois de tanto tempo vivendo a rotina nem sempre eficiente das organizações, moldou-se ao ambiente com um quê de sarcástico, mal-humorado, e, inegavelmente, um tanto cômico. Escrachar… Isso é com ele mesmo!
Se você tem um causo inusitado, engraçado ou curioso envolvendo o mundo corporativo para contar, envie para esta coluna pelo e-mail comunicacao@anefac.com.br, que nosso lorde está pronto para escrachar. Mas pode ficar tranquilo, como todo lorde que se preze, Lord Excrachá é discreto. (Importante: As identidades dos colaboradores desta coluna não serão divulgadas.)
Lord Excrachá é criação de Emerson W. Dias, vice-presidente de Capital Humano da ANEFAC e fundador do portal e da série de livros O Inédito Viável.