O próximo passo importante para as organizações, que querem mudanças profundas, é transformar a cultura para inspirar, permitir e encorajar tanto a diversidade como a inclusão
Tendo iniciado sua jornada no ramo de auditoria em 2010, especificamente na área de treinamento e educação continuada, com formação em Comunicação Social e Pedagogia, especializada em Neuropsicopedagogia e membro ativa do CFEP (Conselho Federal de Educadores e Pedagogos) e SBNPp (Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogos), Angélica Tomazia da Silva, coordenadora de treinamento e desenvolvimento da BDO, desde muito jovem entende que, existia em si uma dualidade muito grande, no sentido da sua própria aceitação e entendimento daquilo que sentia e buscava para a sua vida. “Não digo que não via, obviamente de lá para cá as coisas mudaram muito, mas não eu não conseguia dizer – a quem quer que fosse – o meu lugar de fala. Logo, meu vínculo com o tema diversidade se dá naturalmente pela minha vivência em decorrência da minha condição de vida, e que após um processo de entendimento pessoal comecei também a tratar do tema em outras esferas”, relata.
Na visão dela, a pauta diversidade e inclusão nas empresas é um processo de mudança do olhar e de práticas, uma forma justa de entender e agir em relação as diferenças existentes em nossa sociedade levando em consideração questões de diversidade, inclusão e equidade. “Diversidade não é um tema em aberto ou em experimentação, são dados e fatos. No Brasil, empresas são formadas predominantemente por pessoas brancas, embora os números apontem que aproximadamente 54% da população brasileira é formada por homens e mulheres negros”, ressalta.
Para ela, antes muito se falava em sensos que apontavam a diversidade racial e de gênero em números, por exemplo e só, ou seja, de nada adiantava porque ser só diverso não basta, precisa fazer sentido. “Vejo que está começando a existir uma compreensão dos mecanismos que participam da construção e da manutenção desta estrutura para as tomadas de decisões, bem como a busca nas organizações do entendimento dos impactos das estruturas de opressão existentes em nossa sociedade sobre grupos que não são tratados com respeito em relação aos seus direitos e as suas subjetividades”, acredita.
O debate sobre a pauta da diversidade e inclusão, segundo Tomazia, está diretamente ligado a sobrevivência e ao crescimento de qualquer empresa. Isto pode ser exemplificado se pensarmos em um grupo homogêneo de profissionais que tem as mesmas origens e vivências, possuem estruturas familiares similares, tiveram a oportunidade de estudar nos mesmos padrões de universidades, frequentaram lugares em comum etc. “O que tende a acontecer nesta situação? Essas pessoas terão ideias parecidas, ou seja, o acervo destes integrantes será estritamente limitado e distante em relação a outros grupos sociais. Em outras palavras, uma equipe heterogênea é capaz de compor uma visão mais complexa e de propor soluções inovadoras. Além disto, pude notar que as pautas de diversidade nas empresas têm contribuído significativamente na desconstrução das estruturas de opressão e que hoje o assunto não é mais um “tabu”, sendo discutidas sem meio termo pelo que elas são e não pelo que o preconceito e discriminação as tornam”, avalia.
Empresas precisam entender a diversidade como valor e ponto focal para a mudança
Uma vez entendendo a importância da inclusão no ramo organizacional, as empresas começam a praticar o respeito e a valorização das diferenças, e isto, também influencia no público externo, pois cada vez mais as pessoas querem se sentir representadas pelas marcas que, de certa forma, consomem. Mas de acordo com ela, uma empresa só conseguirá evoluir nos programas de diversidade e inclusão se começar a entender a diversidade como VALOR e ponto focal para a MUDANÇA. “O ato de mudar não deve ser projetado apenas no desejo de ser diverso, mas de fato em realizar mudanças organizacionais efetivas. Se a organização entende que assumir a diversidade é importante para o negócio, não se pode esperar que essas mudanças surjam espontaneamente sem entender melhor a questão, enxergar o atual cenário, identificar o que pode ser revisto na rotina da empresa e como novas formas de pensar serão colocadas em prática. Lembre-se, como toda e quaisquer mudança, as coisas não acontecerão de uma hora para a outra, é um processo que exige muito trabalho”, alerta.
É fundamental que a empresa se dedique em criar formas de fazer deste empenho algo contínuo a médio e longo prazo, não deixando que o debate sobre a diversidade seja um evento pontual. É trabalhar para e com a diversidade. Tomazia entende que, o problema está no fato de que muitas empresas se propõem a valorizar a diversidade somente em épocas de sazonalidade, esquecendo que ações dispersas não são efetivas, e que acabam reforçando estereótipos negativos sobre as minorias. “Se a proposta é efetividade, a diversidade precisa estar presente nos processos cotidianos de trabalho e a fazer parte do conjunto de valores organizacionais. Um bom começo para agir é através da seleção de pessoal e treinamento. Uma empresa só consegue evoluir se o RH em parceria com líderes e gestores de equipe entenderem a diversidade como algo benéfico”, diz.
A questão dos fatores ESG será fortemente debatida em empresas que discutem competitividade e alinhamento com o seu público. “Vejo uma grande comoção por parte da sociedade em discutir e tratar esses assuntos, retirando de contexto, por exemplo, a expressão do “politicamente correto” partindo do pressuposto do que é correto e ponto, guiado pela busca por justiça e humanidade. Ou seja, garantir acesso as oportunidades não é um favor, é um dever. As organizações são agentes importantes dentro da sociedade, por isto seu engajamento em prol de ambientes cada vez mais diversos e de direitos igualitários tem impacto no sistema que vivemos”, pontua a especialista.
Agora, se o preconceito sistêmico for tratado apenas em detrimento de cumprimento de cotas e regras de compliance, não haverá evolução. “Quando empresas agem em prol da diversidade, passam longe de um ato de compaixão ou caridade. Isto está diretamente ligado ao respeito ao próximo, buscando melhores resultados operacionais e comerciais, afinal estamos todos na luta por uma sociedade justa e não são poucas as pessoas que compreendem a luta a favor dos direitos dos grupos minoritários. Se uma empresa tem ou permite atitudes discriminatórias e não promove a equidade, acaba por reduzir oportunidades para que determinados grupos alcancem espaços de destaque ou poder dentro da sua própria organização. Organizações coniventes com atitudes discriminatórias se prejudicam duas vezes mais, perdendo apoio dos grupos minoritários e de pessoas aliadas à causa”, adverte Tomazia.
O próximo passo importante para as organizações que querem mudanças profundas é transformar a cultura para inspirar, permitir e encorajar tanto a diversidade como a inclusão. De acordo com ela, a cultura é uma das grandes responsáveis pela sensação de pertencimento de um grupo, provoca o sentimento de segurança aos indivíduos, e tende a aumentar o comprometimento de cada um deles com os demais. “Uma cultura organizacional forte, bem consolidada, também é um dos aspectos-chave para o estabelecimento de vínculos entre os funcionários e deles com a empresa e o sucesso do negócio. Se a cultura organizacional é muito engessada, sem possibilidade de mudança, certamente terá problemas de D.I. e, consequentemente, se tornará obsoleta e improdutiva”, finaliza.
A temática a beleza da diversidade, representatividade e inclusão foi tema de evento da ANEFAC, intitulado Mulheres Extraordinárias, realizado em março, Tomazia foi umas das palestrantes. Confira abaixo o conteúdo na íntegra.