Com incertezas ainda no ar, análise apurada do cenário macroeconômico e microeconômico, avaliação dos processos internos, comunicação e transparência e controle do fluxo de caixa são pontos de atenção
Antes de um ano começar é normal que a maioria das empresas comece a pensar no seu planejamento financeiro. Nos últimos quase dois anos, muitos planos corporativos deixaram de ser válidos ou até mesmo não estavam mais atrelados ao core business central. Com a aplicação da vacinação em andamento, as coisas começam a “voltar ao normal”, mas o ambiente ainda é de incertezas.
Para muitos executivos de finanças, de acordo com Ricardo Pinto, CFO da Etna, já era difícil praticar o orçamento, o planejamento e a previsão com precisão num ambiente em condições normais, e quando confrontados com uma situação imprevisível e em evolução, é preciso reavaliar rapidamente os impactos no planejamento de receita, custos, produção, número de funcionários e desempenho geral dos negócios na empresa. Além de tomar iniciativas de gerenciamento de caixa apuradas. Confira abaixo a entrevista com o executivo sobre as alternativas para desenvolver um planejamento financeiro adequado para 2022.
Revista ANEFAC: Em um universo de incertezas, como estabelecer o planejamento financeiro para o próximo ano?
Ricardo Pinto: As incertezas aumentam significativamente a pressão sobre os executivos, bem como em suas equipes de finanças, para gerenciar as implicações financeiras da pandemia atual e posicionar sua empresa para um sucesso contínuo no futuro. O correto entendimento dos cenários interno e externo, em conjunto com premissas adequadas, são essenciais no estabelecimento do planejamento financeiro de 2022.
RA: O que não se pode deixar de fora do planejamento financeiro?
RP: Todas as áreas e pessoas chaves devem ser incluídas. O executivo de finanças responsável deve promover um ambiente de colaboração, identificando, incluindo e capacitando os principais papéis. Com os processos adequados e a tecnologia certa, fica mais simples controlar e manter as partes interessadas.
Uma prática recomendada é mapear o ciclo de planejamento e ter pontos de contato regulares para acompanhamento. Empregar uma ferramenta que possa ajudar a conduzir seus processos através de fluxos de trabalho também ajuda bastante. Em alguns casos, envolver fornecedores estratégicos e diferentes fontes de informações como bancos ou universidades podem contribuir no processo.
RA: Como estabelecer os critérios para o planejamento financeiro?
RP: Os principais critérios para um planejamento financeiro de qualidade envolvem uma análise apurada do cenário macroeconômico e microeconômico em que a empresa pertence, avaliação detalhada de todos os recursos e assets, revisão de custos e despesas e planos para reduções, estudo e projeções de cenários, avaliação dos processos internos, comunicação e transparência com os funcionários e controle total do fluxo de caixa. Com atenção especial ao último item.
Alguns executivos de finanças tendem a dar menos atenção ao fluxo de caixa em alguns momentos. Entendo que o acompanhamento e projeção dele são primordiais para o estabelecimento de quaisquer critérios.
RA: Quais os critérios de boas práticas de Governança Corporativa devem ser observados?
RP: O executivo de finanças possui papel essencial no sistema de GC. Por cuidar das finanças como um todo, deve atuar e prezar sempre pela transparência e pela contínua prestação de contas aos stakeholders. O seu trabalho é a alavanca dos princípios, dialogando com todas as áreas e trocando informações preciosas para o crescimento da empresa.
As boas práticas de GC devem ser: responsabilidade social, empresas que optam por uma sociedade mais justa em nível interno vão se relacionar melhor com seus colaboradores e stakeholders e no nível externo, podem apresentar mais práticas que demonstrem cuidado corporativo com o meio ambiente e parceiros; adequação dos processos para garantir excelência nos resultados; alinhamento de estratégias com objetivos claros de execução nos curto e longo prazos; diretoria e conselho fortes com uma visão comum para atingir resultados; funções e responsabilidades bem definidas entre todas as áreas e funcionários da companhia; e integridade e ética na cultura geral.
RA: Qual a importância de traçar o planejamento financeiro para os negócios e para a estratégia da empresa?
RP: É fundamental. É a base para quase todas as práticas. Sem um planejamento financeiro é impossível tomar quaisquer decisões para o bom andamento do negócio e, por isso, o executivo de finanças tem papel fundamental em traduzir números em comentários e sugestões para ações estratégicas.
Uma diretoria sem números e ou projeções será incapaz de analisar e aplicar seus investimentos no momento certo, revisar custos e identificar as melhores oportunidades para otimizar as atividades. Nenhuma companhia, seja grande ou pequena, pode prescindir de um planejamento financeiro completo e realista.
RA: Como a tecnologia pode ser utilizada neste processo?
RP: É facilitadora no processo orçamentário. Deve integrar-se a todos os sistemas de negócios e permitir que você tenha uma visão clara e única dos dados. A ferramenta deve reunir pessoas e processos, facilitando as tarefas de orçamento, planejamento e previsão, além de fornecer informações para as partes interessadas.
Algumas soluções específicas para finanças também podem simplificar processos repetíveis de alto valor como previsões dinâmicas ou contínuas e diversos modelos para simulação de cenários. A disponibilidade e comunicação dos dados é fundamental, portanto, uma ferramenta tecnológica simples e que permita à gestão à vista é essencial no processo orçamentário e posterior controle.
RA: Pode trazer um pouco sobre o exemplo da Etna?
RP: Atualmente como CFO, passo, em conjunto com a empresa, por um momento de reestruturação do negócio. Diante deste cenário, trabalhamos num planejamento orçamentário anual que se inicia em outubro e finaliza na primeira quinzena de dezembro após apresentação e aprovação do conselho de administração.
Neste período, a área de controladoria atua intensamente no levantamento das premissas e informações junto ao mercado e demais áreas e na construção do modelo financeiro completo, incluindo demonstrativos de resultados consolidados e por loja, balanço patrimonial mensal projetado, plano de todos os investimentos e aquisições, e projeções de fluxo de caixa.
Além do planejamento orçamentário anual, durante o ano vigente, trabalhamos trimestralmente em revisões dos números (forecast), visando maior controle e facilitando a tomada de decisões. Mensalmente, os resultados são apresentados aos gestores e conselho de administração com comparativos entre realizado versus orçamento versus forecast. Ainda em relação ao plano anual, realizamos simulações de cenários e variáveis para entender possíveis desvios e respectivos impactos no negócio e caixa.
RA: Como funciona o entrelaçamento com os demais departamentos?
RP: A natureza colaborativa do planejamento financeira entre as áreas incentiva a companhia a envolver um conjunto mais amplo de partes interessadas, o que ainda é crítico durante períodos de incertezas. Quanto mais perspectivas envolvidas no processo de planejamento, melhor a empresa estará equipada para lidar com os resultados previstos e imprevistos.
A colaboração pode ser otimizada através de reuniões pontuais ou grupos de trabalho, com ou sem ferramentas tecnológicas. Outro ponto fundamental é a comunicação e apresentação do planejamento financeiro para toda a companhia, visando garantir o comprometimento das áreas no atingimento das metas estabelecidas/projetadas. Todas as áreas e gestores devem possuir o “sentimento de dono” e serem recompensados pelo atingimento das metas estabelecidas.