A pandemia trouxe uma série de impactos para a vida das pessoas. O isolamento, a dura perda de pessoas queridas, o medo da doença, a forte crise econômica com o fechamento de uma série de negócios são consequências de um momento sem precedentes na história mundial recente. Além de tudo isso, outro problema causado é o agravamento dos conflitos societários decorrentes do falecimento de sócios.
Isso porque, a morte de um sócio, na maioria das vezes, não determina o fim daquela sociedade. Pelo contrário, é comum a existência de cláusulas nos contratos sociais garantindo sua preservação, assim como estabelecendo as regras de dissolução parcial, apuração de haveres e sua metodologia de cálculo e sucessão, conforme o caso.
Na prática, ainda é comum que os sócios não se preocupem em detalhar as regras específicas em caso de falecimento, seja no próprio contrato social ou em documentos correlatos, ficando restritos apenas à inserção de cláusulas genéricas com o objetivo de atender os requisitos legais para fins de constituição da sociedade.
Muitas vezes os próprios sócios evitam esse tipo de conversa, pois além de poder causar discussões entre eles, é difícil encontrar o momento apropriado para abordar a continuidade da empresa e do patrimônio construído.
Quando ocorre o falecimento do sócio, o que vem sendo cada vez mais recorrente por conta da pandemia de Covid-19, os sócios remanescentes têm se deparado com inúmeros problemas. A maioria deles por falta de observância e clareza das regras previstas nos documentos societários em relação ao patrimônio social do sócio falecido.
Em alguns casos, constam nos documentos societários que os herdeiros do sócio falecido o sucederão na sociedade, mediante o recebimento da correspondente parcela da participação social.
Mas, em muitas sociedades, os herdeiros sequer estão envolvidos nos negócios e, repentinamente, eles passam não só a deter participação social como, em algumas ocasiões, a participar da gestão da empresa, o que traz riscos à operação, sem mencionar o fato de ser avesso ao instituto da Affectio Societatis que resultou na própria formação social da empresa.
A boa notícia é que esta opção apenas ocorre se ambos, sócios remanescentes e herdeiros, concordarem com essa situação, já que, havendo discordância em relação ao ingresso de herdeiros na sociedade, a solução passa a ser a liquidação das quotas ou a dissolução da sociedade.
Em outros casos, a discussão tem sua origem na metodologia utilizada para avaliação do patrimônio e do pagamento de haveres aos herdeiros, já que a legislação não determina qual forma deva ser utilizada como base.
A avaliação patrimonial de uma empresa é um tema complexo, principalmente, em relação a pequenas e médias empresas, diante da fragilidade existente na fonte das informações necessárias para estabelecer o “quantum”, diante da eventual falta de estrutura para sua contabilização.
Outro ponto importante, se refere aos valores atribuídos aos intangíveis da empresa (marca, know-how, dentre outros), que geram muitas controvérsias no momento de sua avaliação.
Isso porque esses intangíveis eventualmente se tornam benefícios econômicos, porém, sem serem reconhecidos nas demonstrações financeiras, a menos que tenham sido adquiridos.
Nesse sentido, com base no Código Civil Brasileiro, mais especificamente o artigo 1031, a avaliação da empresa, para fins de liquidação de participação societária, deve ser realizada levando em consideração a totalidade dos bens, por meio de um balanço especialmente levantado, isso se não estiver disposto de outra forma no contrato social.
Essa avaliação também está diretamente ligada ao imposto a ser pago pelos herdeiros no momento do recebimento da participação societária ou dos haveres do sócio falecido, conforme o caso, aumentando significativamente sua importância.
Agora, dependendo do percentual de participação detido pelo sócio falecido, no caso de apuração dos haveres, ainda há a preocupação da redução patrimonial causar uma instabilidade no caixa da empresa, o que pode trazer problemas de liquidez e solvabilidade. Isso tudo, sem mencionar que muitas vezes essas discussões vão parar no judiciário, gerando morosidade, incertezas e custos elevados às partes envolvidas.
Por essas razões, é evidente a necessidade de os documentos societários refletirem com precisão a questão sucessória, visando evitar a prevenção de litígios entre herdeiros e o pagamento de custos desnecessários à empresa e aos sócios remanescentes.
Sob o ponto de vista societário, o planejamento sucessório deve contemplar uma série de regras, as quais, preferencialmente, passam a valer a partir da constituição da sociedade, materializadas através de documentos específicos, dentre os quais podemos citar: atos constitutivos, acordos de sócios, dentre outros.
Essas regras vão determinar os procedimentos a serem seguidos em caso de falecimento de sócio, possibilitando tanto à sociedade como a seus sócios anteciparem riscos que podem prejudicar a continuidade dos negócios, além de ser uma ferramenta para estruturar e implantar mecanismos de controle na gestão da empresa.
Artigo escrito por Eduardo Depassier, que é diretor jurídico da ANEFAC e sócio fundador do Levi Depassier Advogados