Em linha com a atual tendência “ESG”, empresas têm dado maior importância e protagonismo ao aprimoramento dos pilares e das boas práticas de governança corporativa, inclusive incrementando seus esforços e investimentos em programas de compliance
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), lançou recentemente a pesquisa Panorama dos Programas de Compliance em Empresas de Capital Fechado (“Pesquisa”), que contou com a participação de 104 colaboradores de empresas de capital fechado, tendo como respondentes conselheiros de administração e profissionais da área de compliance ou de outras áreas da segunda linha de defesa que também se engajam em iniciativas de conformidade. Após compilação das respostas, foi possível traçar indicadores relevantes e mapear tendências e adversidades enfrentadas.
A pesquisa elucida uma série de conceitos relevantes, como políticas internas, gestão de riscos, treinamentos, canal de denúncias, estrutura hierárquica e apoio da alta gestão. Em linha com a atual tendência “ESG” (sigla que contempla as palavras Environmental, social and corporate governance) fortemente observada atualmente, empresas têm dado maior importância e protagonismo ao aprimoramento dos pilares e das boas práticas de governança corporativa, inclusive incrementando seus esforços e investimentos em programas de compliance.
O desenvolvimento de uma conduta ética empresarial também é capaz de criar relacionamentos corporativos internos e externos mais consistentes, o que assegura a integridade dentro da organização e viabiliza uma imagem reputacional transparente aos terceiros e partes interessadas.
Desta forma, convém destacar que os pilares do programa de compliance garantem a conformidade com as normas jurídicas, em especial, com a Lei 12.846 – conhecida como Lei Anticorrupção – e contribuem para a mitigação de condutas antiéticas e fraudulentas e colaboram com a mitigação de riscos e impactos negativos de situações de desconformidade:
- o comprometimento da alta direção nas tomadas de decisão; a importância do mapeamento de riscos de compliance;
- a construção de um Código de Conduta e de controles internos consistentes;
- o desenvolvimento de um plano de treinamento e de comunicação; e
- a manutenção de canais de denúncia.
Adicionalmente, investimentos em procedimentos de Due Diligence de fornecedores, representantes, distribuidores e parceiros; bem como auditoria e monitoramento, para avaliar se o sistema de compliance é adequado e cumpre seu papel, vêm ganhando força e uma fatia do orçamento das empresas. O planejamento estratégico cada vez mais adentra em riscos e questões comportamentais, estimulando práticas e iniciativas de promoção de diversidade e inclusão para assegurar um ambiente corporativo respeitoso e diverso.
As políticas internas de uma empresa são normas orientativas que visam a conduzir e a direcionar os colaboradores de uma organização, bem como estimular a promoção de condutas éticas para o cumprimento das atividades e objetivos empresariais de forma mais eficiente, sem perder de vista questões éticas. Neste sentido, compreende-se que a elaboração de políticas claras, objetivas e proporcionais, devidamente divulgadas e comunicadas aos colaboradores é um pilar extremante importante e estratégico do programa de compliance.
Dentre os temas de destaque da pesquisa, a gestão de riscos merece especial atenção, visto que cerca de 47% dos respondentes acreditam que o aprimoramento do processo de gestão de compliance será impactado e passará a receber mais atenção após a pandemia do Coronavírus. Ainda, sobre os riscos elencados, o que mais concerne os respondentes é a gestão de riscos de terceiros, isso porque, para as organizações, é praticamente impossível fomentar as atividades empresariais sem terceiros. Desta forma, a análise de questões de integridade de terceiros passa a ser necessária por meio do procedimento de Due Diligence, visando a observar questões reputacionais para além das clássicas verificações técnicas e financeiras.
Em nossa vivência prática, percebemos um forte movimento de fortalecimento dos procedimentos de gestão de riscos de terceiros por meio de diferentes estratégias como:
- construção de procedimentos e controles internos de KYV (Know-your-vendor), incluindo questões reputacionais;
- realização de verificações de integridade e rotinas de solicitação de esclarecimentos caso sejam identificados achados relevantes;
- desenvolvimento de treinamentos de terceiros e inclusão de cláusulas anticorrupção em contratos-padrão; e
- realização de Due Diligences de integridade, inclusive com suporte especializado em caso de terceiros sensíveis, relevantes e estratégicos.
Referente ao pilar de comunicação e treinamento, 43,3% dos entrevistados apontam que existe um plano de treinamento periódico sobre aspectos do programa de compliance, e 40,4% afirmam que a organização aloca recursos específicos para a realização destes treinamentos. Importante e preocupante deficiência diagnosticada neste quesito consiste no fato de que 50% dos respondentes informaram que a alta administração não recebe esse tipo de treinamento.
Dessa forma, convém esclarecer que a participação da alta administração nos treinamentos de compliance é de suma importância, tanto pelo fato de que esses profissionais inspiram outros colaboradores (tone at the top) quanto pelo fato de que é sabido que a maioria das fraudes é cometida por executivos de alto nível. Além da autoconfiança, o executivo de posição hierárquica superior costuma ter acesso a informações que podem facilitar ou criar a possibilidade para a realização de uma fraude.
Apesar do isolamento social, é fundamental impor o desafio do desenvolvimento de novas estratégias e formas de engajar e incentivar a participação dos colaboradores nos treinamentos. Em nossa experiência prática, temos percebido que os departamentos de compliance se aproximaram ainda mais de áreas pares, como RH e comunicação interna para o desenvolvimento de materiais e estratégias de comunicação e treinamento cada vez mais fluidas e agradáveis aos empregados. Nesse sentido, a pandemia parece não ter impactado tão intensamente este pilar do programa de compliance.
Ademais, importante mencionar o canal de denúncias, que é um mecanismo que permite aos usuários informar más condutas realizadas ou suspeitas de irregularidades. Na pesquisa, mais de 72% afirmam que a organização possui canal de denúncias, e, deste total, 88% garantem total confidencialidade do delator. Entretanto, 8% dizem que o anonimato não é totalmente garantido, o que não dever ocorrer, visto que o anonimato tem por fim estimular a comunicação das irregularidades e prevenir a retaliação do denunciante e, consequentemente, gerar credibilidade e segurança a todos.
No que diz respeito aos desafios atualmente enfrentados pelos profissionais militantes na área de compliance, é inegável que a pandemia do Coronavírus tem sido fator de grande relevância, tendo demandado ajustes das estruturas e procedimentos por meio do desenvolvimento de novos planos operacionais que abarcassem essa nova realidade, a mitigar riscos anteriormente desconhecidos ou majorados pela nova realidade do tão comentado “novo normal”.
Entretanto, apesar de os programas de compliance estarem crescendo de forma exponencial no Brasil, investimentos em compliance algumas vezes ainda são vistos como “custos” intangíveis, sem retorno palpável e não como investimento capaz de maximizar resultados, evitar perdas financeiras, sedimentar posicionamento estratégico da marca, além de permitir acesso a novos mercados e créditos, colaborando para a sustentabilidade corporativa e expansão dos negócios de forma estratégia, consistente e eficaz. Um velho desafio para o nosso “novo normal”.
Artigo escrito por Catarina Rattes, que é co-head da prática de compliance e investigações, e Filipe Magliarelli, que é sócio, ambos no KLA Advogados.