Economia da longevidade precisa fazer parte da agenda do país. A perspectiva é dramática para o Brasil. Com uma população mais envelhecida e com maior expectativa de vida, somada a falta de políticas públicas adequadas, impacto nas perspectivas econômicas será enorme
Conhecido nos Estados Unidos da América como “silver economy” e na França como “silver économie“, no Brasil recebeu o nome de economia da longevidade no livro Economia da Longevidade: o envelhecimento populacional muito além da previdência, do jornalista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Félix, um dos maiores especialistas do tema no país. Segundo ele, a tradução literal do termo não funcionaria, pois aqui não usamos “prateado” para se referir a uma pessoa grisalha.
Surgido no Japão, ainda na década de 1970, por causa do envelhecimento populacional, esse termo estava relacionado muito mais ao marketing do que à economia, mas aos poucos, se tornou um importante conceito e passou a fazer parte da agenda de políticas públicas econômicas nos organismos multilaterais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União Europeia, e mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU). Além de estratégias nacionais, regionais e municipais de economia da longevidade ao redor do mundo, no âmbito acadêmico, hoje já há uma pós-graduação específica e, na Espanha, já se discute uma graduação.
A economia da longevidade é, na visão de Félix, antes de mais nada, uma nova interpretação econômica da dinâmica demográfica. Em seu primeiro paper sobre o tema, em 2007, defendia que, na prática, o país precisava adotar essa estratégia e não apenas pensar o envelhecimento da população como uma carga ou um custo, sempre com lentes fiscalistas, pois não é isso que os outros países estão fazendo hoje. “A economia da longevidade é uma política industrial ancorada no envelhecimento da população. Famílias com mais idosos e menos crianças alteram sua cesta de consumo. Portanto, temos outras demandas e outras necessidades e é preciso uma política estratégica para atender. Sobretudo na área de cuidado, o que, na prática, acaba determinando uma intersecção entre segmentos da economia (alimentação, moradia, transporte, medicamentos, educação, turismo etc.)”, explica.
Como relatado no livro dele, a França foi o primeiro país a adotar essa estratégia em 2013 e se tornou um exemplo na indicação da Comissão Europeia. Na sequência, outros países passaram a adotar estratégias mais ou menos ambiciosas nesse sentido. Mas, isso demanda investimento pesado em pesquisa e desenvolvimento, subsídios a setores infantes e promissores e estratégia de autossuficiência em alguns produtos que passam a ser fundamentais em uma sociedade envelhecida. Para o especialista, portanto, mais do que um complexo industrial, é preciso pensar em construir e fortalecer um complexo econômico industrial da saúde e do cuidado. “Hoje, tudo na nossa vida é intermediado pela tecnologia e os cuidados para idosos não são diferentes. Sendo assim, o âmago da economia da longevidade é a Gerontecnologia, a tecnologia para o envelhecimento, além de muitos outros setores. Ela irá desenhar uma geopolítica do envelhecimento. Foi isso o que vimos desde o começo da pandemia”, alerta.
Como a economia da longevidade faz parte de um ecossistema de economias, onde estão incluídas a economia criativa, a economia do cuidado e a economia solidária, muitos presidentes como Joe Biden (EUA), Emmanuel Macron (França), Angela Merkel (Alemanha) e a própria China estão adotando essa estratégia. A ideia defendida por Félix desde o seu primeiro livro, é que o envelhecimento populacional é o determinante da política econômica desses países. Para ele, no Brasil, o problema é que a política industrial passou a ser um palavrão para uma parte dos economistas liberais e isso não é o que acontece em outros países. “Ficaremos muito atrasados. Como o Brasil envelhece rápido, seremos cada vez mais dependentes desse modelo. As famílias vão precisar de produtos para cuidar de idosos e isso terá alto grau tecnológico, teremos pressão na balança comercial, nas contas nacionais etc. Os países ricos sabem disso e, com a pandemia, aceleraram o processo de reindustrialização deles com a âncora do envelhecimento”, salientou.
A falsa percepção que a reforma da Previdência resolveu ou resolverá o problema
Muito difundida na mídia, a frase “os países ricos ficaram ricos antes de envelhecer e os países pobres vão envelhecer antes de ficarem ricos” pode passar a mensagem que tão logo não haveria recursos para a seguridade social, mas na percepção de Jorge Félix, isso está totalmente equivocado. “A sociedade envelhecida é totalmente diferente de tudo o que estudaram os economistas. O debate econômico brasileiro ou sul-americano, talvez por ignorância na área da economia ou por interesses mercadológicos, foi confinado na questão fiscalista, na questão da previdência. E, ainda é, mas isso não ocorreu nos países ricos. Por aqui, se cristalizou um entendimento, com muita ajuda da imprensa, de que resolvendo o “problema” (entre aspas) da previdência, a questão demográfica estaria equacionada”, pondera.
De acordo com ele, um dos grandes erros de políticas públicas no Brasil e de boa parte do mundo é acreditar que políticas para o envelhecimento são adotadas para a velhice. Esse é o primeiro ponto que tem que mudar. “Por exemplo, quando a prefeitura e o governo de São Paulo acabaram com a gratuidade da passagem de transporte público para as pessoas entre 60 e 64 anos, muitos gestores públicos se manifestaram dizendo que essas pessoas não eram idosas. Primeiro que são pela lei. Se não quer, vai lá e muda a lei, porque o artigo 1º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) diz que sim. Segundo que as políticas mais eficientes para o envelhecimento são preventivas. A gratuidade é uma importante medida de saúde preventiva. Quem diz isso é o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e as universidades de Havard e Oxford. É a ciência. Isso mostra que gestores públicos e privados são alheios aos estudos do envelhecimento. Ignoram a velhice. E, os países hoje já estão, mesmo antes da pandemia, pagando um preço econômico por essa ignorância. Não sou muito otimista nesse aspecto. O grande risco é ampliar o nível de dependência, sobretudo dos países em desenvolvimento, à medida que irão envelhecer muito rápido”, adverte.
Se a população chegar a viver 130 anos, quem vai pagar a conta?
Cabe lembrar que a pandemia pode ter retirado alguns anos de vida em 2020 e 2021, mas, a tendência, segundo o especialista, é de uma longevidade extrema de 100, 120, 130 anos. Félix acredita que, enquanto a ciência genética não nos oferece uma explicação para o envelhecimento, algo que está em vias de ocorrer, teremos que equacionar a dinâmica demográfica. Para ele, a economia capitalista tem as respostas. “E, isso, tanto na geração de riqueza por meio da produção, via economia da longevidade, como tem possibilidade de redesenhar seu sistema de seguridade social, com a renda básica de cidadania, por exemplo, que será, no meu ponto de vista, inevitável para fomentar a própria economia, com tamanha desigualdade social. O envelhecimento da população, por si só, é um acelerador da desigualdade, dessa forma, os países precisarão atuar contra essa realidade sob pena de comprometer o crescimento – e muito mais o desenvolvimento – econômico até o fim do século”, analisa.
O mundo rico está mostrando como fazer. Em seu livro, o escritor mostra que o investimento em pesquisa e desenvolvimento no âmbito do projeto Horizon 2020, que agora é 2030, o mais importante dos 27 países da União Europeia, destinou 2 bilhões de euros só para o item envelhecimento, entre 2014 e 2018. Além de trilhões de investimentos por agências de fomento à pesquisa de cada um desses países. Esse cenário é perceptível nos congressos da International Society of Gerontechnology, que vem acontecendo. “Muitos países já estão lá na frente, principalmente Coréia do Sul, Taiwan e China. E, nós já somos os compradores. O que está em jogo nessa geopolítica do envelhecimento, em resumo, como aponto no livro, é quem vai pagar pelo envelhecimento de quem”, avalia.
O livro Economia da Longevidade: o envelhecimento populacional muito além da previdência traz todas as discussões sobre o assunto. Ele é resultado da tese de doutorado do especialista, que concluiu em 2017. É uma pequena parte dela. Mas, é fruto da sua pesquisa na área desde 2006. Félix desde então vem acompanhando toda a construção dessa estratégia da economia da longevidade. “É preciso lembrar que a última assembleia sobre políticas públicas para o envelhecimento, que ocorre sempre na Casa Branca, com a presença do presidente da república, no caso, na época, o então presidente Barack Obama, foi sobre economia da longevidade, em 2015. A primeira parte do livro faço um histórico justamente para refutar a frase que citei e é uma espécie de mantra. Quis fazer uma contestação histórica. E, a segunda parte é um resumo do conceito de economia da longevidade e como ela está sendo implementada. Cabe dizer que a pandemia acelerou bastante esse processo que descrevo no livro”, finaliza.