Estamos vivendo a era da Indústria 4.0, a indústria inserida no “digital”, mergulhada em inteligência artificial, machine learning, data analytics, internet das coisas, entre outros temas. Com toda essa revolução, os profissionais de praticamente todas as áreas vão se remodelando e se adaptando a essa nova realidade. E isso não pode ser diferente na nossa profissão. Sou contador e tenho me sentido muito incomodado com toda essa situação.
Muito se fala no mercado, que o contador precisa se reposicionar e eu concordo plenamente com essa ideia. Porém, me incomoda ver o mercado dizendo que o contador é aquele sujeito unicamente voltado para lidar com a burocracia, com a entrega de obrigações acessórias ou preenchimento de guias de impostos, sendo taxado como o “mal necessário” para as empresas. Como se elas não tivessem escolha, tendo que contratar um contador por mera obrigação legal, já com aquela ideia pré-concebida de que esse profissional não agrega qualquer valor.
Mas de onde surgiu isso? Por que o mercado tem essa ideia do contador? Será porque realmente é esse o seu trabalho – lidar com burocracia? Ou será que é por pura falta de posicionamento do contador frente à essa situação?
Acredito fielmente que a segunda opção é a correta. O contador não tem se posicionado como deveria frente à sociedade. O papel do contador é muito mais amplo e de alto valor agregado, porém ele precisa se colocar dessa forma. Ele precisa dizer para o que veio e qual a sua real utilidade para as empresas.
O contador da era da indústria 4.0, ou seja, o contador 4.0, além de contar com toda a tecnologia disponível para lhe ajudar, precisa fazer uma reflexão profunda e voltar lá no início de sua graduação e entender o objetivo e finalidade da contabilidade. Somente voltando às suas origens e resgatando os motivos que demonstram para que serve a contabilidade, ele vai conseguir se reposicionar.
A contabilidade não foi criada para prestar contas ao governo, não foi criada para preencher e transmitir todos os dados do sistema SPED, não foi criada para ficar escriturando livros fiscais, nada disso. Tudo isso precisa ser feito? Sim, precisa. Mas esse não deve ser o nosso core business como contadores.
Enfim, nos dias de hoje, um número expressivo de escritórios de contabilidade passa a maior parte de seu tempo preenchendo formulários e informações de prestação de contas aos mais variados órgãos governamentais, tais como, receita federal, secretaria da fazenda, prefeituras municipais, Banco Central, previdência social etc.
Mas quanto tempo eles passam fornecendo informações úteis e valiosas aos empresários, empreendedores e administradores das empresas? Quanto tempo eles passam ensinando esses usuários a interpretarem as informações contábeis e assim agregar valor no processo de tomada de decisão? Pois é, o contador praticamente não conversa com o usuário da informação sobre os números contábeis produzidos.
E sabe por quê? Vou aqui lhe dizer uma coisa que pode parecer um pouco forte, mas é uma verdade no mundo contábil. Isso ocorre porque o contador sabe processar transações e fazer registros contábeis, mas tem muita dificuldade em ler os demonstrativos contábeis que ele mesmo produziu. Isso mesmo! Tem dificuldade de ler e de interpretar as informações.
Se você, que é contador, discorda do que eu estou falando, deixa eu lhe fazer um desafio. Pegue agora mesmo uma demonstração financeira de uma empresa qualquer e relate pelo menos cinco recomendações positivas ou negativas, que você daria a um administrador para mudar o curso daquele negócio, e relate também cinco recomendações positivas ou negativas que você daria a um investidor sobre investir ou não naquela empresa. Consegue fazer isso com razoável tranquilidade?
É claro que alguns farão e se sairão muito bem, pois já praticam isso, porém a grande maioria vai ter muita dificuldade em cumprir esse desafio.
Não estou dizendo isso para lhe afrontar ou desrespeitar. Também não estou dizendo que você não sabe contabilidade, nada disso, pois tenho certeza de que você sabe. Só estou querendo fazê-lo refletir de que você precisa retornar ao princípio e voltar a usar a contabilidade para o objetivo para o qual ela foi criada e se reposicionar frente ao mercado, ajudando a mudar essa percepção equivocada sobre o contador.
Nós contadores temos muito conhecimento e podemos fazer muito mais do que estamos atualmente nos propondo a fazer. Vamos juntos mudar esse cenário e demonstrar ao mercado o nosso real valor?
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Artigo escrito por Edson Teixer, que é diretor executivo da ANEFAC Rio de Janeiro, membro do SME Implementation Group at IASB e do Comitê de Auditoria da Eneva