Com o setor em embolização, as empresas precisaram mudar toda a sua estrutura, passando a integrar áreas ou departamentos que antes nem se quer conversavam
É inegável que, a cada dia que passa, a tecnologia está mais presente na nossa vida. Hoje, a distância na jornada de consumo se resume a um clique. Não que isso já não vinha acontecendo, o e-commerce estava presente no nosso dia a dia, mas não da forma que está agora. A pandemia impôs uma mudança de comportamento à população e a tecnologia foi moldando isso.
À medida que a nossa vida vai se tornando mais digital, as empresas vão se adaptando à “nova realidade”. Uma tendência que é mais percebida é integrar os processos de compras ou a experiência do usuário em diversos canais (físico e/ou on-line) chamada de omnicanalidade ou omnichannel, no inglês. No varejo, as Lojas Renner, é um exemplo de empresa que possui como característica do seu negócio, o modelo híbrido.
A empresa acelerou o seu projeto de transformação omnichannel, que integra lojas físicas, lojas virtuais e compradores, causando impactos positivos a curto prazo em termos de venda e lucratividade. Segundo Fabiana Taccola, diretora de operações das Lojas Renner, a estratégia digital visou uma perspectiva unificada do consumidor, decisões tomadas com base no ciclo de vida dos produtos e a transformação omni.
“No varejo, revolução digital não é apenas aumentar o e-commerce, tem a ver com a revolução interna da empresa, na forma como se organiza e apresenta uma proposta de valor para o cliente e, não só isso, mas o cliente percebe de fato o que aconteceu. Se o produto não chegar na ponta com mais valor agregado, chega com preço errado, com a matéria prima errada e/ou com a cor errada. Nós sabíamos que precisamos trabalhar para poder ter uma proposta de valor melhor”, explica Taccola.
Para isso, a executiva conta que, foram escolhidos quatro grandes pilares de concentração dessa revolução digital: cliente, produto, operação e crédito. Com relação aos clientes, a estratégia foi centrada em buscar informações por meio de big data, trabalhar o CRM, estabelecer uma comunicação personalizada, transformar os dados obtidos em ações mais assertivas, identificar as necessidades de consumo, entre outras. O mais importante era conhecer em que etapa da jornada de compra esse cliente estava, para não o bombardear com propaganda desnecessária. A empresa utilizou AI para automatizar as suas campanhas que foram cruzadas com a jornada do cliente. Foram mais de 300 automatizações, a taxa de conversão com as mudanças subiu para 80%.
Já a transformação com o produto, segundo ela, passou entre outras coisas pela implantação de inteligência artificial, pois a empresa precisava melhorar a sua distribuição. Atuando em todo o Brasil, as Lojas Renner buscaram ajustar a distribuição de acordo com o perfil do consumidor de cada região do país. Adequando o mix de produtos oferecido para ser mais assertiva na venda. 100% do processo está sendo conduzido por máquinas, 57% dos produtos contam com AI e os fornecedores da cadeia têxtil foram incluídos no processo do produto. Além disso, a driven decision e a instalação de novos sistemas.
Na operação omni, de acordo com Taccola, a empresa passou a disponibilizar os estoques das lojas para quem compra digitalmente, a pandemia acelerou isso, trazendo prioridades por causa do fechamento das lojas. Implantaram um delivery mais rápido, com menor custo de entrega, conveniência, mobilidade, flexibilidade e integração de canais. Antes o e-commerce estava separado da loja física, agora os estoques delas estão disponíveis ao cliente digital. As Lojas Renner tinham um e-commerce, mas precisavam melhorar. “Trabalhávamos apenas com o canal físico e on-line, e descobrimos que é muito mais do que isso, hoje temos mais de 10 canais de vendas. Nem sempre o cliente está só no físico ou só digital as vezes está no meio do caminho como o WhatsApp, além dele, abrimos o B2B, o ligue com, o fashion delivery entre outros. Trabalhar diversos canais nos deu muito diferencial. Quando o cliente está na loja como podemos usar o digital? Ou quando está no digital como podemos usar o físico? Mudamos as opções de pagamentos nas lojas físicas, por exemplo, temos o self checkout e outras opções nesse sentido de o cliente não precisar passar no caixa para fazer o pagamento. Hoje, 30% deles utilizam as formas de pagamentos móveis. Enquanto 40% das entregas das vendas digitais são feitas nas lojas físicas. Não é só melhoria no físico ou no digital, mas focamos no encantamento do cliente”, explica.
Com relação ao crédito, a transformação aconteceu na captação de dados. A empresa inovou e procurou melhorar sendo mais criativa. O fato de já possuir um cartão próprio facilitou esse processo. Atualmente 86% utilizam o Cartão Renner para suas compras nos canais de venda. Procuraram ter uma simbiose entre a empresa e um produto financeiro. “Com todas essas mudanças, com essa revolução digital que a empresa passou, não só na ponta, mas dentro também, saímos de 71% de encantamento dos clientes em 2019 para 87% em 2020. A digitalização foi o grande ponto nisso tudo”, ressalta ela.
O varejo está em embolização
Diante da necessidade de integração do físico com o digital, as empresas não podem mais funcionar como antes, afinal, o conjunto de processos não era desenhado de forma integrada. Essa mudança influencia na maneira de operar o negócio. No passado, os formatos eram isolados, cada um tentando atrair o cliente. “Hoje a perspectiva é inversa, pensamos em como atrair o cliente dentro do ecossistema. Toda a nossa estrutura como empresa mudou. Não temos mais área de vendas, de marketing e/ou de logística. São tribos na jornada do cliente. Por exemplo, a tribo que cuida do processo de atração do cliente tem pessoas de dados, da logística, de tecnologia, de marketing, das lojas físicas e de e-commerce trabalhando junto. Cada tribo é dona de uma etapa da jornada do cliente. O trabalho passa a ser colaborativo, com mentalidade e agilidade diferentes”, explica Fabiana Taccola.
Apesar de difícil e “dolorida”, essa adaptação das empresas é muito positiva porque significa que estão se moldando ao consumidor. Acompanha-lo mais de perto será o grande diferencial. Para ela, no varejo as coisas estão em embolização. “O mundo está em mudança. As empresas estão sempre buscando redução de custos transacionais, aumento do uso de dados, utilização de interfaces mobile, crescimento do poder da inteligência artificial e muito mais. Guiadas pela busca de novas expectativas dos consumidores somando a redefinição das fronteiras de cada setor, tudo isso possibilitava a entrada de novos players. Antes achávamos que um concorrente seria uma loja física, mas o surgimento de muitas startups da noite para o dia acelerou violentamente o processo e não sabemos de onde o concorrente vem exatamente. As fronteiras estão muito abertas”, pondera Taccola.
Por outro lado, ela acredita que, os consumidores subiram muito a régua de expectativa. “Percebendo isso, olhando para o cenário internacional, a gente vê a participação do e-commerce crescendo. A curva de crescimento era de forma linear até 2019, agora cresceu de forma abrupta. Até essa data o Brasil tinha 4% de e-commerce de participação no mercado de moda, enquanto outros países como Alemanha estava na casa dos 30%. Tinha um espaço brutal para crescer, mas com a pandemia esse cenário no país deu uma guinada para cima”, diz.
Outro ponto importante é quando se olha para os players omnichannel, que tem varejo físico e trouxeram o e-commerce junto, estes, na visão de Taccola, estavam aumentando a sua participação no digital. “Mesmo os grandes players crescendo no digital, a gente percebe que os especialistas puros, os fashion digitais, estavam com uma experiência muito melhor. Tinham melhor conteúdo, melhor curadoria. Ou seja, apesar de estarmos crescendo no digital não era suficiente porque as experiências e aquela questão de como o cliente está curtindo a sua jornada de consumo, esses players estavam melhores. Percebendo todo esse cenário, mergulhamos num ciclo digital, sabíamos que o varejo, a Renner, tradicionalmente de lojas físicas, mesmo com forte e-commerce, não iria se diferenciar e nem manter seu status, não iria conseguir se sustentar nesse novo cenário”, analisa.
A empresa precisou dar essa mexida, uma chacoalhada para trazer um digital diferente. De acordo com a especialista, saber o que é ser digital é muito importante, pois não era apenas adquirir mais participação do e-commerce, não era simplesmente colocar mais tecnologia no processo, porque o nosso negócio é híbrido, tem a presença física muito forte, tem a percepção de marca, era uma fortaleza. “Descobrimos que o nosso diferencial digital, o nosso ser digital tinha muito mais a ver com as pessoas. Saímos de um single channel para o multi channel e agora o omni channel, mas isso não é mais o suficiente, vamos ter que continuar agregando coisas. Montar um ecossistema de moda que seja referência. Já temos ele, mas estamos melhorando. O nosso grande desafio está no mindset digital das pessoas, a metodologia ágil, as áreas são juntas como tribos, multiáreas internas, o dilema omni, novos cargos & skills, novas plataformas e por aí vai”, finaliza.