Importante para o PIB do Brasil e para a alimentação mundial, setor ainda necessita de boas práticas, investimentos e tecnologia
O agronegócio brasileiro alimenta 800 milhões de pessoas no mundo, segundo recente estudo da Embrapa. A participação do Brasil no mercado mundial de alimentos deu um salto, em dez anos, de US$ 20,6 bilhões para US$ 100 bilhões, com destaque para carne, soja, milho, algodão e produtos florestais. Além disso, internamente, foi o principal responsável por abrandar uma grande queda no Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Cresceu 9,0% e encerrou o ano respondendo por mais de 25,0% do PIB nacional, com recorde em exportações e superávit comercial de US$ 81,9 bilhões.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) destaca projeções de alta para preços em dólares de produtos agrícolas, o que faz sentido num cenário de oferta impactada por quebras de produção e demanda acima da expectativa. Nesse contexto, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) faz uma projeção de que em 2021 o Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária e o PIB do agronegócio brasileiro deverão crescer 4,2% e 3,0%, respectivamente. “Este deverá ser um ano promissor à agricultura brasileira, tomando como base as perspectivas de preço, volume de produção e o montante de investimentos, que podem contribuir positivamente para a imagem do setor”, explica Nelson Roberto Furquim, professor doutor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) do Mackenzie.
Demandas significativas de países como Estados Unidos e China deverão alavancar a produção de biocombustíveis. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deverá ocorrer um crescimento da economia brasileira entre 3,5% e 4%, sendo a projeção para a economia mundial em torno de 4,2%. Outro ponto importante, segundo o Banco Mundial, é que o comércio internacional regrediu 9,5% em 2020 e deverá crescer em torno de 5,0% em 2021, sendo que as demandas interna e externa levam a um período com oferta justa. Na visão de Furquim, em que pese o fato de que no setor produtivo deverá haver alta nos custos decorrentes dos insumos, poderá acontecer uma otimização das despesas em virtude da digitalização do setor. “Tomando como base as perspectivas positivas para o crescimento mundial, em especial a China, está projetado um aumento ou, no mínimo, a manutenção das exportações de soja, milho, açúcar, café, algodão, carne bovina, suínos e aves”, explica.
Com os royalties crescendo e se tornando atrativos, devido às riquezas naturais, condições climáticas favoráveis, terras agricultáveis e água, impulsionando o cultivo de diferentes culturas e a pecuária. Para Furquim, ganham destaque ainda a qualidade da mão de obra e o uso de tecnologia, levando à alta produtividade, garantindo a segurança alimentar de uma parcela significativa da população mundial. “A cadeia econômica do agronegócio brasileiro envolve diversas indústrias, sendo a soja em grãos, carne bovina in natura, açúcar bruto de cana, celulose e farelo de soja, os principais produtos de exportação do setor, respondendo por 56,7% das vendas externas até outubro de 2020. Com isso, não se pode desconsiderar o impacto direto e indireto na economia, em especial no mercado de trabalho, com a geração de empregos a profissionais de diversas formações”, pontua.
Realmente, a perspectiva é muito positiva do ponto de vista produtivo e econômico para o setor, devido ao aumento de demanda de países europeus e asiáticos por proteínas (animais e vegetais), entretanto, Roberto Rodrigues, diretor na R. R. Life Capital & Consulting e diretor de agronegócio da ANEFAC, alerta que do ponto de vista financeiro é necessário observar o alto nível de endividamento dos produtores rurais e empresas junto aos organismos financeiros (bancos, fundos, trades e cooperativas), principalmente no que diz respeito ao endividamento atrelado à moeda americana (dólar).
O agronegócio na bolsa
Um dos grandes diferenciais do setor, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), é que o Brasil detém o maior ativo agroambiental do mundo, ao adotar um modelo de agricultura tropical sustentável, permitindo a otimização de processos, expandindo a produção, aumento de eficiência e chance de colher até três safras por ano. Para o biênio 2021-2022, o governo federal irá dispor de US$ 7.5 bilhões para investimentos em obras de infraestrutura. Se destinado à infraestrutura e logística pode favorecer os resultados das exportações. Nesse montante, destaca-se os investimentos no transporte ferroviário, para a construção de trechos de malhas ferroviárias que levam os grãos.
“Com tudo isso, é fato que esse setor está descobrindo a Bolsa de Valores oficial do Brasil (B3) e essa tendência deve ser acelerada a partir de 2021. Há a expectativa de um período de alta das commodities e as vantagens comparativas do país, que poderão gerar uma alta demanda do mercado por um setor com pouca representatividade no mercado de ações. Apesar do período de recessão desencadeado pela pandemia de Covid-19, empresas de diversos segmentos ligados ao agronegócio acenaram para a entrada no mercado acionário doméstico”, aponta Furquim.
O próprio interesse do mercado pode levar a um número crescente de empresas do agronegócio nacional buscando uma Initial Public Offering (IPO) – Oferta Pública Inicial -. Para especialistas, o crescente interesse do mercado deve multiplicar a variedade de empresas do agronegócio brasileiro em busca de IPO, incluindo proteína animal, biotecnologia, manejo e posse de terras, maquinário, entre outras.
Todavia o setor ainda precisa reavaliar algumas situações, Rodrigues adverte que, o plano safra deste último ano injetou cerca de R$ 267 bilhões no setor, mas esse valor ainda é extremamente abaixo do necessário, haja visto que só o endividamento dos produtores atingiu cerca de 180% deste valor ano passado. “É necessário melhorar a política de crédito e envolver melhores ferramentas financeiras, através de bancos de investimentos, fundos de investimentos, family offices e outros organismos que possuem apetite e interesse para investirem em todos os segmentos da cadeia produtiva do agronegócio. Além disso, precisa haver mais investimentos em linhas para aquisição de máquinas e implementos, infraestrutura, capital de giro e custeios agropecuários. E, em tecnologias e startups, que estão atuando nessa linha do agro, as chamadas AgriTechs”, avalia.
Grande desafio dos agronegócios é ser mais digital e sustentável
Vivemos em um momento de novas relações interpessoais e na relação das pessoas com empresas e com produtos/serviços. No agronegócio isso não é diferente, o nível de exigência do consumidor atingiu índices surpreendentes e o novo consumidor está conectado (e isso tende a aumentar cada vez mais). Nelson Roberto Furquim avalia a importância para a sociedade contemporânea da busca por qualidade na produção de alimentos e a sustentabilidade. “Os padrões e o comportamento de consumo nos países em desenvolvimento têm sido afetados pelo aumento de renda per capita e pela diversificação da economia, gerando também diversificação dos alimentos consumidos. Com a busca dos consumidores por mais sofisticação, nutrição, qualidade, saúde e conveniência, o Brasil tem um papel de destaque internacional, seja pela sua diversificação ou quantidade de alimentos produzidos. O país se destaca também pela produção de biocombustíveis, principalmente etanol feito da cana-de-açúcar, alinhado com políticas de energia limpa e produção sustentável”, avalia.
Com o crescente uso de tecnologias em toda a cadeia produtiva de alimentos, observa-se melhorias dos processos e aumento da produtividade, destacando o papel das inovações e de recursos digitais para a retomada da aceleração, em especial no período pós-pandemia. De agora em diante, o uso de novas tecnologias e soluções refinadas passarão a contribuir cada vez mais para o aprimoramento de uma agricultura digital. Sendo assim, para 2021, Furquim acredita, que o agronegócio tende a ser menos analógico, mais digital e humano. E, ele explica: muitas propriedades rurais já utilizam tecnologias como ferramentas de gestão da produção, de informações sobre maquinários, de controle de estoque, para armazenagem, compra e venda de insumos. Agora, isso deve aumentar, com a expectativa da nova Lei do Agro, que trará a possibilidade de participação de investimentos estrangeiros. Entre essas tecnologias e soluções podem ser mencionadas principalmente: a inteligência artificial e o machine learning, equipamentos autônomos, internet das coisas e edge analytics, drones e sensores, aplicações mobile, entre outras.
Nessa mesma linha, Bibiana Carneiro, diretora executiva da Tecnovax do Brasil e membro da Comissão de Conselheiros de Administração e coordenadora do GTAgro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entende que o uso de tecnologias em toda a cadeia produtiva de alimentos tem contribuído efetivamente para a melhoria do processo e aumento da produtividade. “Para 2021, o setor tende a ser ainda mais digital, menos analógico. A inovação é, sem dúvida nenhuma, o melhor programa exponencial de aceleração pós-crise. A automação e a inteligência artificial já começaram a reorganizar as estruturas tradicionais do mercado de trabalho. Isso impactará a gestão do capital humano e a estrutura organizacional. Mas, mais do que exigir a profissionalização do setor, exigirá também atenção redobrada por parte da gestão de pessoas”, vislumbra.
A margem da inovação e da tecnologia caminha a sustentabilidade do setor, que tem uma relação direta com os custos de exportação das principais commodities agrícolas brasileiras. Há países extremamente criteriosos com a importação de produtos originários de áreas com desmatamento ilegal. O Brasil, segundo Furquim, possui um Código Florestal rígido que obriga o produtor a preservar os recursos naturais, e a lei precisa ser cumprida, mas o aumento do desmatamento ilegal afeta a imagem do país no exterior. “O governo precisa investir na fiscalização e no cumprimento da lei, e a nova lei de regularização fundiária é um ponto crítico na implementação do Código Florestal. Cabe ao governo, de acordo com Furquim, a missão de reverter os números do desmatamento, ao mesmo tempo em que se deve adotar uma estratégia de marketing para comunicar, tanto interna quanto externamente as ações voltadas para a preservação ambiental”, adverte.
O país precisa trabalhar urgente a sua imagem no agronegócio. Roberto Rodrigues avalia que a comunicação com o resto do mundo não é boa, pois é “plantada” uma imagem equivocada sobre o desmatamento para viabilizar produção de cereais e carnes. “Apenas 8% das terras agricultáveis são destinadas a esta atividade, restando ainda cerca de 50% para podermos explorar, fosse necessário. Com certeza com o uso de técnicas inovadoras e de tecnologia altamente avançadas, o agronegócio brasileiro poderá deter as maiores produções com os menores usos de terras, defensivos e desmatamentos”, salienta.
De acordo com Carneiro, a agricultura tem papel fundamental para a redução do aquecimento global, contribuindo com projetos redutores da emissão de gases-estufa e com atividades que sequestram carbono. “Práticas conservacionistas, como o plantio direto, o biocombustível, as culturas agroflorestais e demais projetos ambientalmente sustentáveis tenderão a ser cada vez mais difundidas e valorizadas no Brasil e pelo mercado consumidor mundial. Considerando que o mundo ainda está com os olhos voltados para a crise de Covid-19, qualquer ameaça à saúde deve ser amplamente considerada nas análises de risco. Por isso, a segurança do alimento e as questões sobre contaminação, inspeções de qualidade e controle da cadeia produtiva acabam tendo relevância nesse setor, e a transparência das informações é crucial nesse sentido”, pondera.
Empresas e produtores devem investir em governança corporativa
Quem está no agronegócio conhece bem os riscos naturais inerentes ao negócio, ligados ao clima e ao solo, mas existem outros riscos não naturais que ainda são minimizados por alguns empreendedores do setor. Tradicionalmente, explica Carneiro, as propriedades rurais (fazendas) são geridas como “pessoas físicas”, por uma série de aspectos tanto de ordem cultural como especialmente de ordem tributária, e apenas 28% das propriedades rurais são geridas como “pessoas jurídicas”. E complementa: esse é um importante fator de risco porque não são poucos os que misturam o patrimônio pessoal e os negócios, deixando bens em nome de um único dono ou de poucos familiares. Nesse sentido, temos um importante risco sucessório com o “fatiamento da unidade produtiva” entre herdeiros, o que implica muitas vezes a perda de escala e eficiência na produção.
Para mitigar, ela sugere que para estes e outros riscos não naturais, o empreendedor rural precisa se profissionalizar, e a governança induz os gestores na separação do patrimônio pessoal e dos negócios, o pensamento de sustentabilidade do empreendimento a longo prazo e consequentemente o planejamento da sucessão. Propicia também as informações necessárias para que os gestores tomem as melhores decisões com maior velocidade, além de criar mecanismos para acompanhamento de resultados.
“A importância da governança para o agronegócio, se baseia na premissa de que os empreendimentos rurais com boas práticas tendem a ser mais procuradas pelos investidores, uma vez que estes demandam informações transparentes sobre a empresa em que estão investindo e maior garantia de que as decisões serão tomadas no seu melhor interesse, visando o crescimento e a sustentabilidade do negócio ao longo do tempo. Vale destacar que entre os princípios básicos da governança corporativa estão a transparência, a equidade, a prestação de contas (accountability) e a obediência às leis do país (compliance)”, finaliza Carneiro.