Que tipos de fraudes contábeis as empresas estão mais suscetíveis em tempos como esse que estamos vivendo?
Com a crise da pandemia da Covid-19, as empresas tomaram medidas significativas para mobilizar recursos financeiros, institucionais e humanos adequados para fazer face à emergência sanitária, bem como para proporcionar uma rede de segurança econômica aos seus negócios. Tais medidas emergenciais poderiam resultar em uma flexibilização das salvaguardas, da supervisão e da responsabilização em prol de uma resposta rápida, levando assim a eventuais riscos relacionados à corrupção. Essa temática foi abordada em evento on-line da ANEFAC no dia 3 de junho, com a condução de Fernando Viana, diretor executivo ANEFAC de perícia, mediação e arbitragem e sócio da Actual e os membros da sua diretoria, Alexandre Serer, gerente sênior da área de Forensic Accounting e Suporte a Litígios da KPMG, Gabriel de Carvalho Jacintho, sócio-diretor do Grupo G. Jacintho, Sidney dos Santos Gomes, especialista em investigações corporativas e detecção de fraudes.
As companhias atualmente estão sendo pressionadas pelo mercado e pelos seus acionistas para a redução de custos, como resposta à diminuição das receitas em consequência dos efeitos da pandemia, antecipa Serer. Para ele, neste cenário, as empresas podem tomar a decisão de efetuar cortes em áreas funcionais que não são geradoras de receita, como por exemplo, departamentos de compliance e auditoria interna, o que pode acarretar um enfraquecimento dos controles internos implementados e funcionamento das organizações. Este efeito merece atenção, ainda mais em tempos onde a pressão por resultados pode gerar oportunidades para a ocorrência de fraudes corporativas.
Infelizmente a fraude contábil é ainda uma manobra recorrente observada nos tempos atuais, acredita Viana, apesar do esforço dos órgãos reguladores, tais como a SEC nos Estados Unidos e a CVM aqui no Brasil, que com os diversos escândalos país a fora, criaram regras mais rígidas acompanhadas de uma legislação especial para punir os infratores. No entendimento dele, é claro que a fraude pode acontecer em qualquer empresa, de qualquer porte, cotada ou não na Bolsa de Valores, mas em se tratando de empresas que devem obrigatoriamente publicar os seus balanços, o que se nota é que os infratores tendem a inflar os números, enganando assim a sociedade em benefício próprio. “Geralmente tais fraudes são descobertas a partir de denúncias anônimas à alta administração ou aos órgãos reguladores que propõem e iniciam investigações internas para confirmar as irregularidades. Logo, é nessa fase que entra a figura do perito contador ou perito forense”, aponta.
Uma questão importante, levantada por Gomes, são as mudanças regulatórias que com certeza podem aumentar o risco de ocorrência de fraude. Isso acontece porque há um lapso temporal entre a adaptação ao novo ambiente regulatório e a situação atual da empresa. Nesse meio tempo, o fraudador sabendo da distorção de informações que podem ocorrer nesse período, pode aproveitar o cenário para buscar algum tipo de benefício econômico. Como exemplo, podemos citar as constantes medidas provisórias emitidas pelo governo com o intuito de dar fôlego as empresas em dificuldades. O fraudador pode, aproveitando-se da situação, cometer fraudes utilizando a necessidade de adaptação da empresa à nova situação legal, para desviar valores ou ocultar dados”, analisa.
Uma das fraudes, apontada por Gomes, que pode apresentar maior índice de ocorrência, considerando o atual cenário, são aquelas ligadas às fraudes cibernéticas. “Com o advento forçado de um maior uso de plataformas de tecnologia (seja para comunicação ou para armazenamento de dados), nem todas as entidades tiveram tempo te ajustar ou rever protocolos de segurança cibernética, o que é um prato cheio para os hackers. Além disso, as fraudes em processo de aquisição de bens e serviços também podem aumentar, devido a pandemia. Por necessidade de contratação/compras emergências, todos os protocolos de segurança e controles podem não ser respeitados ou ter flexibilidade. Neste caso, pode haver, especialmente, superfaturamento de aquisição dessas demandas”, explica.
Como as empresas devem tratar os temas de fraudes e corrupção?
As fraudes podem causar danos financeiros diretos (como desvio de recursos financeiros), mas também danos financeiros indiretos, como impactos à imagem da empresa e aumento de contingências judiciais, por exemplo. As empresas precisam entender, de acordo com Viana e Gomes, avaliando a sua realidade, quais são os maiores riscos de fraudes que podem ocorrer. Os riscos de fraudes mudam de acordo com o negócio da empresa. “Sabendo disso, é necessário que a empresa adote procedimentos de salvaguarda para que grandes impactos não se tornem reais. Certamente, é necessário sempre avaliar o custo/benefício das medidas. Eu sempre cito o exemplo de pequenos mercados: neste tipo de negócio, os custos que a empresa teria na contratação de seguranças e/ou de uma equipe de perdas (contratação de empresa especializada, folha de pagamento e risco de processos trabalhistas) é bem menor que o custo de perda de mercadoria (ligado ao risco do negócio). Neste caso, é muito comum que mercados assumam as perdas”, alertam.
Claro que para coibir fraudes e corrupção, segundo eles, conforme previsto no parágrafo único do artigo 116 da Leis da S/A, o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. “É razoável e indicado que todas as empresas (de qualquer porte) sigam esses preceitos adaptados à sua realidade, com técnicas de compliance e observância às leis, em especial à Lei Anticorrupção (n.º 12.846/2013) que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mais que apropriada em nesse momento de pandemia”, dizem.
Para finalizar, Gomes avalia que a melhor forma de prevenção às fraudes continua sendo a existência de um ambiente de controles internos, gestão de risco e de governança robusto. “A adoção das três linhas de defesa continua sendo a melhor forma de diminuir o risco de ocorrência de fraudes. De forma bem simples, podemos dizer que a primeira linha de defesa são os controles da gerência de cada departamento. Enquanto a segunda, consiste nos controles internos e na gestão de riscos, que deve ser conduzida por profissionais especializados. Já a terceira linha de defesa a Auditoria Interna. A adoção dessas medidas já ajuda, e muito, na diminuição de riscos de fraudes”, pondera.
O conteúdo da palestra está disponível no Educa ANEFAC, confira: