Desde o início do ano o assunto vem ganhando destaque e se torna um debate quente para o capital humano no Brasil em 2020
Há um debate que começa a tomar forma em 2020 e que vem quente. Isso se deve a mensagem presidencial, logo na abertura dos trabalhos do ano na Câmara Federal, em Brasília, lida pelo então ministro Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, no dia 03 de fevereiro.
O debate em questão é a avaliação de desempenho de servidores públicos, prevista pela Constituição Federal desde 1998, mas que nunca foi regulamentada. Está lá no artigo 41, parágrafo primeiro, dispondo que o servidor público estável só perderá o cargo em três situações:
Pelo inciso I: em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
Pelo inciso II: mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
E, pelo inciso III: mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
Acrescenta-se que, no parágrafo 4º do mesmo artigo 41, a Constituição estabelece que a condição para a aquisição da estabilidade é a obrigatoriedade da avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
Mas por que será que ela não ocorre? Ou se ocorre, como? Será que tem as mesmas características de avaliações de desempenho das empresas privadas? E por que é tão importante criar uma avaliação de desempenho no setor público?
Para responder essas perguntas, conversei com a consultora Dina Makiyama, sócia da Makiyama, que atua há 25 anos no segmento, é co-desenvolvedora do GID (Sistema Integrado de Gestão de Pessoas) na área pública, especialista com notório saber em avaliação de desempenho, presta consultoria em diversos órgãos nos níveis Federal, Estadual e Municipal, assessorando na implantação e na sistematização da avaliação de desempenho, para entender quais os desafios presentes neste debate.
A entrevista está logo aqui abaixo, mas é importante ressaltar que temos interesse em ampliar este debate ao longo do ano, sempre antenado nas discussões sobre transparência, um dos valores defendidos pela ANEFAC, principalmente na gestão pública, portanto, nós estamos acompanhando este tema com olhar muito apurado. Temos certeza de que a melhoria do desempenho do Capital Humano, empregado no setor público, é um anseio de todos os contribuintes.
Temos convicção que a máquina pública carece de indicadores de gestão para o aumento da eficiência e que, claro, nem toda responsabilidade pelo baixo nível de serviço, que temos hoje em nosso país, é apenas responsabilidade das pessoas que servem ao Estado. Há que se melhorar, também, equipamentos, infraestrutura e todo o conjunto de ferramentas necessárias ao atendimento digno dos pagadores de impostos.
Uma associação que há décadas analisa o crescimento da economia, mede os juros, luta pela transparência das demonstrações financeiras e fomenta o profissionalismo de nossos associados tem a convicção que este debate quente é extremamente importante para o país.
Parafraseando os papas da gestão da qualidade surgida no Japão dos anos 50, podemos dizer que só se melhora o que se mede, porém, é preciso medir certo.
Entrevista com a especialista no assunto Dina Makiyama
EWD: Dina, é possível, legalmente, fazer avaliação de desempenho do funcionalismo público, mas por que nunca foi feito?
DINA: Sim, é possível fazer a avaliação de desempenho, pois a Constituição possibilita esta realização, tanto para o servidor estável quanto para aquele em período de “experiência” conhecido na área pública como período probatório.
Observe que a Constituição prevê a perda da estabilidade mediante o procedimento da avaliação de desempenho, mas não possui um esclarecimento de como o inciso III deve ser realizado e isto provoca polêmica e muitas dúvidas sobre a forma e o como deve acontecer.
Sobre nunca ter sido feito, é importante perceber o equívoco, pois esta informação, muitas vezes repetida por muita gente, não é verdadeira. O que podemos observar é que na atualidade tanto a avaliação do servidor estável quanto a do servidor em experiência já é aplicada na grande maioria dos órgãos federais e nos estaduais das grandes capitais.
Agora o maior dificultador é o fato de que mesmo quando ocorre uma avaliação de desempenho no qual se identifica que o servidor não possui as competências comportamentais, para o desempenho da função, não há embasamento legal que possibilite, ao órgão, a alteração de cargo ou de um possível desligamento, o que torna a avaliação ineficiente. Há diversas situações de mau desempenho comprovado e reincidente, mas há pouco a se fazer em função das garantias de estabilidade, isto tem como consequência uma avaliação com foco em progressão salarial e em alguns casos em capacitação e desenvolvimento. Ou seja, ela tem questões mais delicadas que a avaliação feita em empresas privadas, por isso requer um debate mais amplo para garantir a sua eficácia.
EWD: Muitos órgãos já utilizam a avaliação de desempenho, agora ela tem o objetivo de realmente avaliar?
DINA: Quando observamos os órgãos da esfera federal, muitos possuem a avaliação de desempenho implantada, mesmo com todas as dificuldades em não poderem readequar o profissional em outras áreas, onde possam utilizar suas competências com maior efetividade ou desligá-los nas situações em que o resultado dos servidores no treinamento e desenvolvimento não apresentaram bom desempenho para a função.
Esta realidade da maioria dos órgãos federais não é a mesma na maior parte dos órgãos estaduais e municipais que ainda não possuem a cultura de avaliação, mantendo apenas por força de cobrança dos Tribunais de Conta uma avaliação do período probatório (experiência). Esta avaliação, do período de experiência, muitas vezes tem apenas o objetivo de cumprir uma exigência legal e não tem nenhuma intenção de, efetivamente, avaliar o servidor com o objetivo de identificar necessidades de desenvolvimento ou de desligamento, visto que no período probatório o desligamento por um mau desempenho é possível e previsto na Constituição Federal.
EWD: No que consiste a avaliação de desempenho no funcionalismo público?
DINA: Para compreender o que é a avaliação de desempenho na área pública, primeiramente, é preciso dividi-la em dois formatos.
A primeira é aquela que todo profissional, que passa em um concurso público, durante três anos deve ser avaliado e aprovado para conquistar a tão esperada estabilidade.
Este modelo de avaliação tem a sua legalidade na Constituição Federal, que prevê de forma detalhada como ela deve ocorrer, quem deve avaliar, os indicadores da avaliação e qual a expectativa de desempenho e o que acontece se este desempenho não for atingido. Já a avaliação do servidor estável, apesar de prevista na Constituição, não possui o modus operandi.
Esta falta de clareza possibilita, a cada gestor público, fazer a sua interpretação e legislar de acordo com os seus interesses.
O que se cobra, hoje, do poder público não é a existência de uma avaliação de desempenho e sim o objetivo da avaliação e a clareza das regras para que se possa manter o princípio da isonomia entre todos os servidores avaliados.
EWD: Qual a importância de se estabelecer essa avaliação de desempenho no funcionalismo público?
DINA: O maior ganho com a avaliação de desempenho, na área pública, é a possibilidade de uma gestão por competência com foco em metas, que teria como consequência o reconhecimento dos profissionais que realmente movimentam a máquina do governo e não são reconhecidos. Uma vez que quando não se identificam os melhores, a consequência é o não reconhecimento de quem é, efetivamente, competente e premia-se, igualitariamente, com a estabilidade quem não é competente.
EWD: Em sua experiência, como você vê essa iniciativa por parte do governo federal?
DINA: Há anos se vem tentando mudar esta realidade. Tornando a avaliação de desempenho ligada a possibilidade de perda da estabilidade por incompetência para a função uma realidade, isto é, totalmente, inadequado e mais ainda é a forma como isto vem sendo abordado.
É um equívoco acreditar que uma avaliação de desempenho tem como objetivo a perda da estabilidade, isto não é uma realidade nas empresas privadas, que já utilizam esta ferramenta há anos, está é uma visão equivocada, pois se coloca todos os servidores como incompetentes e que o medo da perda da estabilidade fará uma mágica e todos começarão a ser produtivos por “medo” de serem exonerados.
Hoje, temos excelentes profissionais na carreira pública e, também, profissionais comprometidos e que se sentem revoltados com a forma como se coloca o tema. Por isto, é importante entender que o que se precisa incluir na legislação é o modus operandi de como a avaliação deve ocorrer, quais os indicadores de avaliação e qual a métrica esperada para que isto possa ser feito de forma transparente para todas as partes envolvidas: governo, servidor e população.
EWD: É possível já em 2020 termos isso?
DINA: É bem provável, porém, se não mudar o foco e a forma, este será um processo desgastante e provocará muito descontentamento por parte daqueles que atuam de forma competente e medo naqueles que precisam de desenvolvimento e capacitação para desempenharem melhor as suas funções.
Este artigo foi escrito por Emerson W. Dias, que é vice-presidente de Capital Humano da ANEFAC.