A norma eliminou o conceito de arrendamentos operacionais e financeiros para arrendatários e o substituiu por um modelo único de contabilização no balanço patrimonial
O CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) 06 (R2)/IFRS (International Financial Reporting Standards) 16 trouxe mudanças relevantes para o tratamento contábil dos arrendamentos. A norma entrou em vigor em janeiro do ano passado e eliminou o conceito de arrendamentos operacionais e financeiros para arrendatários que constava no CPC 06/IAS 17, substituindo-o por um modelo único de contabilização de arrendamentos no balanço patrimonial para arrendatários. De acordo com a nova norma, um arrendatário reconhece um ativo de direito de uso, que representa o seu direito de utilizar o ativo arrendado, e um passivo de arrendamento, que representa a sua obrigação de efetuar pagamentos do arrendamento. Apesar de alterar de maneira relevante a contabilidade do arrendatário, a nova norma não provocou mudanças significativas para a contabilidade do arrendador.
Conforme estudo do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), publicado pelo Jornal Valor Econômico em 24 de setembro de 2019, a mudança da norma contábil de arrendamento teve impacto relevante em 74% das empresas do índice IBrX-100. O levantamento mediu a adoção da norma CPC 06 (R2)/IFRS 16 na elaboração das demonstrações financeiras do primeiro trimestre de 2019 e considerou o IBrX-100 que é composto pelas 100 ações mais negociadas na B3.
Sem dúvida, como observado, os efeitos ocasionados pela adoção da nova norma foram relevantes para as principais empresas brasileiras e, consequentemente, são inúmeros os desafios advindos da contabilização de um modelo único de arrendamento, tais como adequação de processos, sistemas e controles internos para identificação de contratos que atendam ao conceito de arrendamento. Por outro lado, a adoção e os desafios também têm provocado divergências na aplicação de alguns conceitos do CPC 06 (R2)/IFRS 16, como por exemplo, o uso de uma taxa de desconto nominal ou uma taxa de desconto real e a mensuração dos passivos de arrendamento considerando os pagamentos de arrendamento líquidos ou brutos das alíquotas de contribuição do PIS (Programas de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social).
Cabe ressaltar que, essas interpretações, assim como outras inerentes à aplicação da norma, foram objeto de debates durante o ano passado junto às companhias abertas brasileiras, acadêmicos, reguladores, auditores independentes e órgãos de classe e da profissão contábil, com o objetivo principal de buscar harmonizar as práticas contábeis e de mercado, diante da relevância do tema perante os usuários das demonstrações financeiras. Nesse sentido, a fim de ilustrar alguns debates, ao longo de 2019, o IBRACON e a Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA) debateram com a Superintendência de Normas Contábeis (SNC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a interpretação da Autarquia quanto ao tratamento dos arrendamentos nas demonstrações financeiras das companhias. Como resultado, a ABRASCA encaminhou a CVM, em 29 de novembro e em 5 de dezembro de 2019, cartas com sugestões de aprimoramento à época minuta de Ofício-Circular – CPC 06 (R2)/IFRS 16.
Essas divergências, em alguns casos conflitantes com o que prescreve a norma e seus pilares que ressaltam a relevância e a fidedignidade das informações, fizeram com que a autarquia desenvolvesse estudos sobre o tema a fim de elaborar orientações para as companhias e auditores independentes. Como resultado desse processo, a CVM formalizou e publicou seu posicionamento em relação aos temas mais interpretativos por meio do Ofício-Circular CVM/SNC/SEP/nº 02/2019, emitido em 18 de dezembro de 2019, a ser observado na elaboração das Demonstrações Financeiras das Companhias Arrendatárias, para o exercício findo em 31 de dezembro de 2019. Nesse sentido, o Ofício-Circular estabeleceu o entendimento da CVM em relação a cinco aspectos-chave resumidos a seguir: (1) aspectos conceituais do CPC 06 (R2); (2) taxa incremental de empréstimo (IBR); (3) tratamento contábil sobre PIS e COFINS a recuperar; (4) PIS e COFINS embutidos no passivo de arrendamento e; (5) Evidenciação – Nota Explicativa.
Um dos principais temas abordados pela CVM, cabendo a leitura integral do ofício sobre cada assunto, diz respeito à taxa de desconto que deve ser utilizada para mensurar a valor presente os fluxos de caixa futuros do passivo de arrendamento, pois havia divergências de entendimentos se deveria ser utilizada uma taxa real ou nominal. A área técnica da CVM, embora mencione que existe uma distorção econômica pelo uso de uma taxa nominal, concorda que as prescrições contidas no CPC 06 (R2)/IFRS 16 levam à utilização de uma taxa de juros nominal na determinação da taxa incremental de empréstimo do arrendatário.
Já na mensuração do passivo de arrendamento, devem ser considerados os pagamentos de arrendamento líquidos ou brutos de PIS e COFINS. De forma prática, o Ofício Circular da CVM descreve que mensurar os passivos de arrendamento de forma líquida de PIS e COFINS “não é disciplinado pela norma” e, portanto, entende que a exclusão destes impostos dos fluxos de pagamento não é adequada. Nas orientações contidas no referido Ofício Circular, tal entendimento por uma abordagem bruta estaria focada, principalmente, no impacto no balanço patrimonial em relação à mensuração do ativo de direito de uso e passivo de arrendamento. Caso o arrendatário tenha direito a créditos de PIS e COFINS em decorrência dos pagamentos de arrendamento, de acordo com Ofício, o reconhecimento do PIS e COFINS a recuperar deverá ser registrado em contrapartida às rubricas de despesa de depreciação do direito de uso e de despesa financeiras de juros do passivo de arrendamento, no resultado do período.
Outro aspecto significativo do Ofício Circular da CVM abrange os requerimentos de divulgações em notas explicativas, apresentado sob a forma de anexo ao Ofício. Um dos principais aspectos a ser observado, pelas companhias, é a divulgação do seu passivo de arrendamento, a despesa financeira dele advinda e a despesa de depreciação do direito de uso, considerando os fluxos com expectativas inflacionárias descontado pela taxa incremental de empréstimo (IBR), sendo alternativamente permitido que as companhias divulguem os inputs mínimos necessários para que os usuários da informação procedam aos seus cálculos, de modo a chegar a resultados aproximados. Um questão importante ainda é que as companhias devem divulgar de forma adequada e completa a metodologia empregada para obtenção da taxa de desconto IBR. O Ofício requer ainda que as entidades divulguem, desde o reconhecimento inicial do passivo de arrendamento, quadro indicativo do direito potencial de PIS e COFINS a recuperar embutido na contraprestação, conforme os períodos previstos para pagamento, incluindo a apresentação comparativa de saldos nominais e descontados a valor presente.
Cabe ressaltar ainda que, em 5 de fevereiro deste ano, a CVM publicou também esclarecimentos complementares no tópico 11.3 do Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/n.º 01/2020, relevantes para o encerramento do exercício de 2019 e relacionados aos contratos de arrendamento no escopo da norma CPC 06 (R2)/IFRS 16. Reforçando, dentre outros aspectos, os requerimentos de divulgação envolvendo a taxa de desconto, inclusive nas situações em que as companhias optarem por utilizar as prerrogativas previstas nos parágrafos 19 e 20 do CPC 26 – Apresentação de Demonstrações Contábeis. Eles discutem as circunstâncias, extremamente raras, em que na elaboração das demonstrações financeiras, as companhias optarem por adotar uma política contábil que não seja aquela diretamente derivada do pronunciamento técnico e do modelo de referência previsto pelas áreas técnicas da CVM.
Os efeitos da aplicação deste Ofício-Circular devem ser tratados no encerramento das demonstrações financeiras referentes ao ano 2019. Com isso, oriento a leitura integral do Ofício-Circular e da íntegra da norma contábil na preparação das demonstrações financeiras. É necessária também a participação em treinamentos técnicos e em fóruns de discussão focados na interpretação e aplicação da nova norma contábil. Por fim e com objetivo de melhor apresentação e consistência com as práticas de mercado, recomendo a leitura das demonstrações financeiras das companhias abertas e/ou reguladas, cujas publicações normalmente ocorrem antecipadamente em relação as demais empresas do mercado de capitais.
Artigo escrito por Ulysses Magalhães, que é vice-presidente e head de contabilidade da ANEFAC.