Falar sobre o futuro do trabalho nunca esteve tanto na moda! Desde que o Fórum Econômico Mundial abriu este debate, a partir dos trabalhos dos pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne da Oxford Martin School, intitulado The Future of employment: how susceptible are Jobs to computerisation?, que chocou o mundo ao prever a quantidade de empregos que serão ceifados pelo avanço de tecnologias, como a inteligência artificial, dentre outras.
Até então, parecia que o grande desafio do planeta era só ambiental e social, como foi divulgado pela ONU, em 2015, os famosos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou metas do milênio. No mundo do trabalho estava tudo caminhando bem.
Ao mesmo tempo que a gente se preocupa com o futuro do trabalho, o que temos observado ao longo deste ano foram coisas que até pouco tempo atrás eram impensadas.
Por exemplo, temos o aumento de homens em licença paternidade, isto já é benefício em algumas empresas, e se estende, por exemplo, para casais homoafetivos e casais que adotam filhos.
Era possível pensar algo assim há poucos anos? E isso provoca outra mudança, novos nomes de cargos surgem, agora existe CDO (Chief Diversity Office), por exemplo, profissional para cuidar da estratégia de inclusão e diversidade nas organizações.
Isso ocorre porque as organizações se tornaram mais boazinhas? Pode até ser, mas o fato é que a discussão sobre diversidade não é só “mais uma coisa inventada pelo pessoal do RH”. O mundo dos negócios descobriu que diversidade, sustentabilidade e preservação dão lucro. São demandas por um novo modelo econômico emanados da sociedade e percebidos pelos empresários conscientes.
A ideia de propósito com lucro tem ganhado muito espaço. É verdadeiro? É modismo? O tempo nos dirá, mas, em 2019 vimos pela primeira vez na história, um manifesto assinado por 181 CEOs, de empresas americanas, dizendo que a era da supremacia dos acionistas está terminando, pois, o que mandará daqui para frente são negócios sustentáveis. Negócios que gerem lucros sim, é claro, mas que satisfaçam consumidores, funcionários, fornecedores e, principalmente, as comunidades onde estão inseridos.
O chamado Sistema B, que reuniu estes CEOs, expôs muito claramente que não adianta construir uma fortuna às custas do dano ambiental e da saúde das pessoas e depois com este dinheiro construir hospitais e fundações de caridade. O modelo está errado. O propósito de servir a todos deveria vir antes.
Os alemães têm uma palavra bem interessante para isso, eles chamam Weltanschauung, que traduzindo seria algo como visão de mundo. E, é o que o momento nos pede e continuará pedindo: amplitude de visão, num mundo conectado. A verdadeira aldeia global sem fronteiras, mas as vezes com muros.
O momento pede que a gente olhe o cenário de forma flexível e ágil, outra palavra que circulou bastante no mundo do trabalho em 2019 foi essa. As tais metodologias ágeis invadiram os escritórios. Num dos encontros de Carreira que promovemos na ANEFAC, conheci um rapaz que tem o cargo de QA agile tester.
Não consegui compreender muito bem o que ele faz, mas ele conseguiu me explicar, por exemplo, que um leopardo é ágil e um trem é rápido, isto porque o trem só anda sobre trilhos, já o leopardo se desvia de obstáculos. Ora, ora, e eu achando que agilidade era só velocidade.
Gostei dessa analogia, porque isso é preciso: ser ágil. Se, por um lado, o cenário é de que o atual momento vai causar uma revolução sem precedentes, unindo o mundo físico, biológico e digital. E, com isso, o Capital Humano será de fato o grande protagonista, num mundo cheio de oportunidades de uma vida de mais equilíbrio. Outros futuristas têm uma visão completamente diferente. O futuro será sem trabalho para as pessoas e, com isso perde-se o significado da vida, as relações se deterioram e as emergentes tensões geopolíticas levarão à um cenário de horror econômico e social.
E não dá pra dizer que só os CEOs americanos do manifesto sabem disto, o Financial Times de Londres fez uma entrevista com o CEO Global da Siemens, Joe Kaeser, que estava sendo pressionado para demitir mais pessoas. E sua resposta foi: “A situação está se deteriorando […]. Se pressionarmos para elevar ainda mais o valor dos acionistas, vamos tornar os ricos ainda mais ricos, porque, basicamente, ajudamos quem tem capital a ficar mais rico e isso não tem como ser sustentado[…]. Vamos ter carros queimados nas ruas e não carros autoguiados”.
Este discurso está muito em linha com o que os 181 CEOs do Sistema B assinaram. É uma preocupação de alguém que vê um esgotamento do modelo de crescimento econômico atual que não conseguiu incluir o social como prioridade, tampouco o ambiental.
Isso explica outra tendência, o empreendedorismo social. O chamado negócio de impacto. É a lógica de mercado, com foco em causas. Que tem mobilizado muitos jovens no mundo todo.
Nos anos 90, já havíamos aprendido que sustentabilidade é ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente responsável. Não é da cabeça da adolescente sueca Greta Thunberg que saíram esses conceitos de preservação ambiental. Apenas que agora alguém está de fato botando a mão na massa ou a boca no trombone.
Aliás, o choque de gerações nunca foi tão amplo e, inclusive, continuará sendo. Greta de 16 anos participou de reuniões pelo mundo todo com senhores, e muito poucas senhoras, de mais de 70 anos, pois nunca houve no mundo do trabalho cinco gerações convivendo ao mesmo tempo. E isso vai continuar, pois longevidade também é um tema do presente e do futuro. Vive-se mais e viveremos cada vez mais. O outro ponto é que as mulheres ainda não alcançaram sua representatividade em quase todas as posições de liderança. Este tema também promete continuar em pauta.
Estresses, ameaças, mas também oportunidades marcaram o nosso ano aqui no Brasil, começamos com o desastre em Brumadinho lá em janeiro, onde quase três centenas de vidas foram ceifadas e nos fizeram pensar sobre gestão de riscos, desempenho financeiro, redução de custos frente ao valor da vida humana.
O whatsapp se consolidou como o meio de comunicação preferido do brasileiro com mais de 120 milhões de usuários. Somos o segundo país no mundo em tempo de navegação na internet. Nossas fintechs, edtechs, govtechs e healthtechs explodiram e tivemos mais alguns unicórnios. Tudo isso enquanto a analógica Amazônia queimava.
Esperamos até o meio do ano para saber o que de fato seria reformado na previdência social. Torcendo para que, o que foi feito, traga em 2020 reflexos positivos na economia e ela de fato decole, reduzindo, assim, o já memorizado número de 13 milhões de desempregados, o preço da gasolina, da carne, do dólar e da quantidade de famílias endividadas no país.
Nos escritórios, os open spaces tomaram conta, caíram definitivamente as paredes e as salas privadas, porém, conflitos, sejam eles geracionais ou guerras de ego continuam a permear as relações humanas no ambiente de trabalho. No nosso encontro de Carreira apresentamos uma pesquisa confirmando isso.
E o ambiente é paradoxal, pois se com a primeira revolução industrial no século 18 as pessoas tiveram que sair de suas casas no campo para ir ao trabalho, com o horário de entrada e de saída determinado pela sirene das fábricas. Com a quarta revolução industrial, as pessoas saem dos escritórios e vão trabalhar em casa, conectados por uma miríade de aparatos tecnológicos, como assistentes pessoais e vídeo conferences. Ah, e agora sem horário de entrada ou saída.
Minhas considerações finais sobre esse mundo de 2019 e que seguirá para 2020, na visão do Capital Humano, é que a grande agenda continuará sendo: Como fazer acontecer o crescimento econômico sustentável do ponto de vista ambiental, com inclusão social, de modo que não iniba o progresso técnico-científico? Ademais, como qualificar a mão de obra e desenvolver o Capital Humano no seu máximo potencial, considerando que a educação desempenha papel central nesta equação e é, também, um grande desafio para o país?
O ponto é que, se não houver respostas e ações aos questionamentos anteriores, não será possível incluir todos no modelo atual de desenvolvimento, a não ser que o planeta chegue à exaustão. Os desafios estão postos, todo o resto é reflexo disto. E nenhum líder mundial tem as respostas para este problema, isso é uma tarefa para todos nós.
As demandas mundiais não são tão diferentes, todos querem um padrão de vida confortável, incluindo um bom atendimento à saúde, um trabalho significativo e bons relacionamentos.
Nossas competências precisarão caminhar na direção de onde vai o futuro, não há como fugir. Mas esse futuro é construído hoje. E, só conseguimos compreender o hoje. O futuro é uma aposta. Como bem disse o historiador, Yuval Harari, em sua passagem pelo Brasil este ano, depois do sucesso mundial que seus livros fizeram:
“Educar-se é a primeira coisa. Depois você precisa se organizar com outras pessoas para fazer uma mudança política. Acho que ações individuais não conseguem isso. Muitas pessoas só escrevem posts no Facebook. Isso é importante, até certo ponto, mas no fim das contas a política sempre envolve organização. Cinquenta pessoas que são membros de uma organização, que cooperam, tem muito mais poder do que quinhentas pessoas, cada um fazendo individualmente uma coisa”.
Nós da ANEFAC seguiremos por 2020 com este intuito, de fomentar as discussões e o debate sobre o Capital Humano no mundo do trabalho, uma vez que não há respostas prontas, mas estamos prontos a cooperar.
O prognóstico para 2020 é que precisaremos, cada vez mais, desenvolver nossa Weltanschauung, nossa visão de mundo. E isso implica em;
- Manter a mente aberta: ser ágil!
- Autoconfiança: acreditar que podemos encontrar soluções.
- Capacidade de lidar com a ambiguidade: o mundo não é estável, tampouco lógico, ao contrário, é volátil, incerto, complexo e ambíguo.
- Capacidade de se relacionar com as pessoas: os diferentes inclusive!
- Criatividade: para fazer conexões improváveis que gerem soluções práticas, apesar da rotina diária. Como a Regra de São Bento do século VI: “Ora et Labora”.
Além de tudo isso, cada um de nós precisará de autoconhecimento, que nunca esteve tanto em voga. Softskills? Tudo bem, é o novo nome para virtude. Como humano precisamos buscá-la desde sempre.
Pra terminar relembro uma frase de Bauman: “Vivemos dias de interregno: quando os velhos jeitos de agir já não servem, mas os novos não foram inventados”.
Que comece então a nova década, viva 2020!
Artigo escrito por Emerson W. Dias, que é vice-presidente de Capital Humano da ANEFAC e fundador do portal e da série de livros O Inédito Viável.