“Acho que desde sempre, tenho a sensação que nasci contadora”, diz Marta Pelucio, presidente regional da ANEFAC e sócia da Praesum Contabilidade Internacional. Ela cresceu no fundo do açougue do pai em Marília (interior de São Paulo) e adorava ficar no caixa com a mãe. Se encantava com os fechamentos diários de vendas e do caixa. Quando se mudou para São Paulo no terceiro ano do curso médio (antigo colegial), fez cursinho pré-vestibular e assistiu a uma palestra de um contador que a fez decidir definitivamente por fazer ciências contábeis.
“Não lembro o nome desse contador, mas confesso que gostaria de saber quem era, pois o que ele falou foi importante para a minha decisão. Na época ouvíamos muito que contadores não eram éticos e faziam manobras abusivas para chegar ao lucro que o empresário solicitava. A resposta dele foi de que em todas as profissões existem profissionais éticos e não éticos, que não é a profissão que define a ética, mas sim o profissional. Uso isso até hoje na minha vida e escolhi minha profissão na certeza de que poderia ser uma contadora e ser ética”, relata Pelucio.
Além de empresária há 25 anos, ela também coordena o Mestrado Profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi, onde atua como professora e pesquisadora há mais de três anos. “Adoro o link entre a pesquisa contábil e a realidade empresarial, ou seja, pesquiso sobre o que faço. Sou membro do SMEIG há três anos, grupo de implantação do IFRS para pequenas e médias empresas, vinculado ao IASB (International Accounting Standards Board). Sou presidente regional São Paulo da ANEFAC, organismo que participo desde o século passado. Estou em alguns grupos do sistema Conselho Federal de Contabilidade/Conselho Regional de Contabilidade com diferentes atividades”, descreve.
Pelucio iniciou como estagiária em grandes empresas multinacionais, francesa e norte-americana, e uma coisa que chamou bastante a sua atenção foram as diferenças e os desafios da contabilidade internacional. Na época não se falava sobre isso, mas notou essas diferenças na prática ao se deparar com as particularidades contábeis de cada uma delas. No último ano da faculdade teve aulas do Prof. Sérgio Rodrigues Bio, um professor e empresário de uma empresa de consultoria, que a inspirou.
Conjugando as duas coisas, decidiu, ainda na faculdade, que queria seguir a carreira acadêmica e ter sua própria empresa de assessoria contábil com enfoque em contabilidade internacional. Para isso, foi trabalhar com o Prof. Bio na empresa dele para saber como funcionava uma empresa de prestação de serviços. Após essa experiência, percebeu que precisava aprender a fazer contabilidade na prática, então, foi ser contadora em uma instituição de ensino.
“Nessa instituição assumi a responsabilidade pela contabilidade de uma das empresas do grupo, gerava informações gerenciais e ainda tive a oportunidade de começar a lecionar contabilidade em um recém curso de graduação de Ciências Contábeis. Mas, não queria perder o foco de contabilidade internacional, então, me mantive naquela instituição como professora, mas migrei para a contabilidade de uma joint-venture britânica-brasileira-argentina recém-criada no Brasil, de onde saí para montar minha própria empresa”, recorda.
“Eu gosto de gerir trabalhos, organizar atividades e liderar pessoas. Também acredito que seja uma característica nata. Gosto do que faço e por isso acho que faço bem feito. Ser líder não é uma tarefa fácil, ao contrário, é muito desafiadora. Adoro desafios. Além disso, sempre gostei de participar de reuniões e de trocar experiências. O networking na prestação de serviços é fundamental para que tenhamos um crescimento profissional. Sempre tive bastante contato com diversos organismos nacionais e internacionais de profissionais na área de negócios de uma forma geral, não somente de contabilidade”, diz a sócia da Praesum Contabilidade Internacional.
Na visão de Pelucio, a contabilidade é a principal fonte de informação para os diversos stakeholders. “Existe uma demanda crescente de informações, que até então não são geradas, sobre o resultado das atividades das empresas, além do econômico e financeiro, que envolve questões sociais e ambientais. Ao mesmo tempo, aquelas clássicas informações econômicas e financeiras estão sendo cada vez mais automatizadas”, pondera.
Dessa forma, a presidente regional da ANEFAC, avalia que o rumo da contabilidade no Brasil e no mundo será de não perder mais tempo com atividades consolidadas, que podem ser automatizadas, e investir mais recursos profissionais na geração de informações mais amplas sobre os resultados das empresas em seus diferentes aspectos e na relação entre esses diferentes resultados. “Precisamos ter em mente é que as necessidades de informações mudam de geração para geração e a contabilidade tem que acompanhar essas tendências”, vislumbra.
Contadora, presidente regional e mulher
Marta Pelucio é a primeira presidente regional mulher da ANEFAC, para ela, é uma função desafiadora, algumas vezes constrangedora e outras vezes lisonjeadora. O mundo dos negócios é machista, especialmente no Brasil. “Nosso objetivo é o networking de profissionais na busca de troca de experiências e desenvolvimento de nossos conhecimentos. Para isso, busco em São Paulo promover ações possibilitando esse networking, solidificar as parceiras existentes e buscar novas parcerias, ampliando nosso leque de oportunidades”, aponta.
O crescimento das executivas numa área como a contabilidade que é tão masculina ainda é um pouco lento, de acordo com ela, pois o Brasil é um país muito machista. “As mulheres são machistas, o que é pior. Não vemos mulheres em cargos de liderança e tampouco nos representando publicamente no parlamento, por exemplo. Quando olhamos para as universidades, vemos uma grande quantidade de mulheres, mas que ainda não conseguem chegar a cargos executivos. Existem homens e mulheres (o que é pior) que ainda acreditam que mulher não tem condições de ser líder, de ser uma executiva”, chama a atenção.
Segundo Pelucio, não é fácil construir uma carreira profissional sólida sem renunciar à vida pessoal e social. “O melhor profissional é aquele que não deixa de ser gente, não deixa de lado sua família, seus amigos, seus hobbies, sua vida. Eu consegui e mantenho essa conquista. O principal desafio está em ponderar e equilibrar a vida pessoal e profissional, priorizando cada coisa em seu determinado momento. Tornei-me a executiva que sou porque encontrei minha medida certa, meu equilíbrio pessoal e profissional, sem prejudicar nenhum deles e sem deixar de ser feliz”, expõe.
“O principal valor no ambiente corporativo é a ética profissional. Sem ética nada terá valido a pena. O segundo é o desenvolvimento intelectual. O mundo muda sempre, tudo muda o tempo todo, e um bom profissional tem que valorizar o aprendizado contínuo. O terceiro valor é o respeito humano e o networking. Precisamos compartilhar para crescermos profissionalmente, por isso a ANEFAC foi muito importante na minha vida. A ANEFAC propicia um networking de qualidade ética e intelectual muito importante”, acredita.
Já em termos pessoais, Pelucio, nomeia o relacionamento de respeito e amor com a família como importantes. “Valorizo os rituais familiares antigos e temos o costume de criar novos rituais, que são caminhos, maneiras de repetirmos nossas alegrias, de nos mantermos unidos e de expressarmos nosso amor. Valorizo meus amigos. Valorizo o ser humano e nossa responsabilidade na sociedade”, finaliza.