Empresas devem estar mais presentes nas universidades e os acadêmicos nas empresas para uma comunhão de cérebros, métodos, mindsets e objetividade
“No Brasil de 2019 com mais de 13 milhões de desempregados e um total de 28 milhões de pessoas em situação de risco e precariedade no emprego, existe quase 1 milhão de vagas em aberto que requerem competências em Ciências de Dados e Programação e não há profissionais para preenchê-las”, essa é a opinião de VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios. Para ele, estamos mais preocupados em ensinar cursos que não geram externalidades positivas para toda a sociedade como é caso das ciências e da tecnologia.
“Áreas chave para o desenvolvimento do país passam necessariamente pelas ciências aplicadas, matemática, estatística, engenharias, ciência da computação e gestão com foco analítico e tecnológico. Os cursos tradicionais têm que ser permeados de disciplinas modernas para seguirem relevantes. Transformação digital e o desenvolvimento de competências práticas e aplicadas para o mundo digital é a última preocupação do sistema educacional superior público, e a maior parte das faculdades e universidades privadas não tem condição de levantar essa bandeira”, avalia o CEO.
Segundo Silveira, não falamos nada ou quase nada sobre Transformação Digital e a 4ª Revolução Industrial, isso fica a cargo de empresas líderes como a Deloitte, a IBM, o Itaú Unibanco, o BTG Pactual, a XP Investimentos, a Magazine Luiza, o Grupo Pão de Açúcar, o Mercado Livre e muitas outras. “Entretanto, hoje já é uma verdadeira guerra por talentos com competências reais para o mundo digital, pois esses profissionais são raros, e quando vem, são altamente acadêmicos sem capacidade de aplicação. Além disso, a concorrência entre as empresas é feroz o que acaba elevando muito os salários”, aponta.
Hoje, na visão do especialista, existem poucas universidades e faculdades que são realmente centros de excelências em inovação e que produzem pesquisa de ponta que podem ser transformadas em produtos e serviços que melhoram a vida dos seres humanos. “No Brasil são menos de 20 quando se trata de universidades públicas e privadas. Existem algumas poucas exceções que devem ser celebradas como o IMPA, IME, ITA, Insper, EPGE e mais algumas. A própria Trevisan vem inovando muito no ensino de contabilidade, finanças e negócios fazendo uso de tecnologia de ponta tanto como meio como fim, mas tem muito chão para percorrer”, acredita.
“O que há de inovação e excelência em pesquisa está quase que 100% no meio empresarial e principalmente no Porto Digital, no Porque Tecnológico de Campinas, no Vale da Batata em São Paulo, em algumas regiões de Minas Gerais e principalmente entre os empresários de tecnologia verde focados na agricultura e pecuária que nos dão muito orgulho e na geração de energia renováveis. Mas é tudo limitado, o custo de capital é exorbitante no Brasil o que acaba fazendo o sujeito optar por investimentos financeiros acima dos em inovação”, declara o CEO da Trevisan Escola de Negócios.
Para ele, é necessário se instituir educação de qualidade que antecede o nível superior ou os alunos chegam na universidade com deficiências analíticas que são quase impossíveis de serem resolvidas nesse nível educacional. E ainda complementa: na universidade não podemos formar profissionais que saiam sem serem perfeitamente competentes em análise de dados utilizando os softwares estatísticos mais avançados como SAS e Python e sem que tenham a capacidade de programar nas linguagens mais utilizadas pela indústria e desenvolver algoritmos. E isso não se refere apenas a engenheiros, estatísticos, matemáticos e cientistas da computação, mas sim a médicos, advogados, administradores e outros.
“As empresas devem estar mais presentes nas universidades e os acadêmicos nas empresas para uma comunhão de cérebros, métodos, mindsets e objetividade. Educação boa é a educação que resolve os problemas da sociedade e não aquela que se esconde por trás do manto acadêmico e prefere “não se envolver” com o mundo externo, com os negócios. Nos EUA quando há um problema na IBM, no Google, na Apple, na Ford, no JP Morgan entre outras os líderes vão até as universidades para pedir ajuda e sempre saem com soluções aplicáveis e pragmáticas. No Brasil temos dificuldade em aceitar um presente em formato de uma das maiores bibliotecas privadas do mundo que foi deixada e doada por José Mindlin para a Universidade de São Paulo e até hoje a coisa não andou”, indaga.
Enquanto o acadêmico não entender que o empresário não é o inimigo e sim a única solução, Silveira avalia, para uma sociedade vibrante e amparada pelo pensamento de ponta, pela pesquisa de alta qualidade e pela aplicação comercial de novas tecnologias e modelos metais, a educação superior e o Brasil vão continuar derrapando e sempre vivendo abaixo de seus potenciais.
Na era digital o papel das universidades de ensino superior deveria ser fundamental, ser a ponta na formação de talento técnico e gerencial para suprir um mercado uber-competitivo e que demanda um fluxo contínuo de inovação. “Em muitos países como os EUA, Holanda, Israel, Alemanha, Estônia, Finlândia e Cingapura isso ocorre de fato e o mercado, as empresas e os empreendedores vão as universidades beber água da fonte acadêmica e a academia está trabalhando par e passo com empresas e governos para transformar a sociedade todos os dias. Universidades devem compreender a direção que a sociedade está indo, os setores dinâmicos da economia, mercados novos e tecnologias emergentes e preparar a força de trabalho para ocupar posições de relevância”, observa.
Pelo outro lado, para ele, através da pesquisa básica e na fronteira, universidades, e não são todas elas, também contribuem para a transformação cultural e tecnológica da sociedade em criar coisas novas que façam com que mundo rode de forma diferente. “Não podemos nos esquecer que a internet foi inventada por acadêmicos nas universidades UCLA, Stanford, University of California Santa Barbara e University of Utah. O Google foi criado através de uma pesquisa de Ph.D em Stanford por Lerry Page e Sergey Brin. Eu poderia elencar milhares de histórias de êxito como essas aqui onde a confluência de pesquisa fundamental de qualidade se choca com as demandas latentes do mercado e da sociedade para produzir coisas fantásticas, uma espécie de Big Bang”, elenca.
Competências técnicas e comportamentais em foco
A universidade é um espelho da vida e da sociedade fora dela, o convívio com o diferente e com o antagônico de forma pacífica já dá as pessoas um grande grau de experiências comportamentais relevantes para suas vidas pessoais e profissionais. “Aprender a dialogar e debater, entender que você pode estar certo e o outro também sob óticas completamente diferentes que circundam um mesmo tema, e que há possibilidade de construir algo maior e melhor se pudermos ver situações sob óticas distintas. Também tem o debate, o aprender a influenciar e convencer o outro de maneira pacífica e não forçada, o que em si é o comportamento mais importante e demandado no ambiente empresarial. Tolerância frente às divergências nos faz civilizados e é a marca das sociedades liberais que são centros da humanidade, como a Roma do passado, Persepolis, Atenas, Alexandria, e hoje são as Nova York, Londres, Amsterdã, Cingapura ou São Francisco”, enaltece.
Já do lado técnico, Silveira entende, que certamente as universidades têm sua função formal de ensinar as últimas competências técnicas de formar profissionais e líderes que vão através de suas ideias criar coisas novas e alimentar o mercado com estas competências. “O mais importante é ter nas faculdades currículos que obriguem os alunos a terem experiências que reúnem o técnico e o emocional-comportamental. Se trata de currículos que obriguem o engenheiro ou o cientista a fazer literatura e apreciação artística, e o sociólogo e o aluno de artes plásticas a aprender linguagem de programação e cálculo. O equilíbrio entre os dois lados é onde está o segredo de uma formação completa e que deixa a pessoa sempre instigada a aprender mais e realizar mais”, diz.
Já com relação as novas gerações, o CEO vê, o jovem seja na idade média ou na era digital tem sempre aquela ânsia de coisas novas, tendências à rebeldia e a desafiar as normas vigentes e a estrada na vanguarda da adoção de novos hábitos e tecnologias. “Não se pode ensinar jovens de hoje com técnicas e modelos pedagógicos de ontem, tem que falar a língua deles para que a educação produza impacto positivo e o capture. Temos que fazer uso de tecnologia dentro e fora da sala de aula porque esta é a linguagem que compreendem. Temos que desafiá-los a fazer, pois saber tem a ver com fazer e apenas aulas expositivas com giz e cuspe não vai rolar mais”, projeta.
Aliado a isso, também tem que haver um profundo entendimento por parte dos docentes e da direção da faculdade sobre os temas, indústrias, empresas, países, ou seja, nos temas que jovens de hoje têm interesse. “Outro ponto importante, é fazê-los parar e refletir, isso não é só hoje, mas quando eu estava na universidade eram os primórdios da internet e as coisas eram muito menos imediatas. Hoje com esse imediatismo de 24/7 “on demand” o tempo de atenção e as expectativas dos jovens podem gerar muita ansiedade e desconforto para eles e é nossa responsabilidade como educadores de criar “down time” para que eles possam refletir, ponderar e agir me maneira menos imediatista”, salienta.
“Também acredito que temos que desenvolver currículos e promover competências e comportamentos que sejam perfeitamente transferíveis a qualquer indústria e a qualquer carreira, pois grande parte desses jovens vão ter profissões que ainda não existem e eles vão trabalhar para empresas do que é comum hoje. Eles têm que estar preparados para terem múltiplas carreiras e não uma única. Por isso saber com proficiência programar, analisar dados de maneira robusta, falar línguas, aprender tolerância e desenvolver a inteligência emocional são áreas tão importantes”, finaliza.