O caminho foi identificado, mas a maioria das empresas encontra dificuldades para trilhar os passos necessários
Por Ilson Luiz Pereira*
Um dos principais fins da Administração é a sistematização das melhores práticas que dão suporte ao atingimento dos objetivos organizacionais, entre os quais se destaca o valor ao acionista, no caso de empresas com ações negociadas em bolsa. Para as outras, de capital fechado, o destaque vai para a remuneração dos detentores do capital investido. Os retornos acima da média e dentro das expectativas dos investidores são relevantes para que uma empresa satisfaça simultaneamente a todos os seus stakeholders.
Para conseguir obter esse padrão de retorno a empresa precisa conseguir desenvolver uma estratégia capaz de gerar valor. Meu colega Ciro Fernandes, em seu artigo sobre a composição do conselho de administração publicado na Revista da ANEFAC, destacou a importância do papel de agente estratégico do conselheiro na geração de valor. Neste artigo vamos tratar das relações dos executivos com essa atribuição.
No cenário de negócios brasileiro, com características que nem sempre produzem um ambiente favorável aos investimentos em produção, tais como: altas alíquotas de impostos, forte oneração sobre a folha de pagamentos, incertezas, corrupção, etc., nem sempre é fácil encontrar o caminho para desenvolver essa estratégia de geração de valor.
Em 2015 publiquei uma pesquisa onde ficou confirmado que os fatores que podem impulsionar de forma diferenciada a competitividade das organizações, identificados por Collins nos Estados Unidos, estavam presentes nas empresas brasileiras que também conseguiram façanha semelhante. Considerando que o valor de mercado é uma medida que representa a expectativa que os agentes do mercado e os acionistas nutrem em relação ao fluxo de caixa esperado e aos ganhos futuros, nossas pesquisas adotaram o valor de mercado como indicador de desempenho das empresas avaliadas.
Por desempenho excelente Collins estabeleceu que, após o ano T (de transição), a empresa até então “boa” deveria passar a valorizar mais rapidamente do que o mercado, de forma que propiciasse aos investidores rendimentos excedentes de 200% em relação à média do mercado e também em relação à média do setor de atuação da empresa – ou três vezes maior – em um período de 15 anos, sem que seu retorno voltasse a ficar abaixo do mercado ou do setor em nenhum momento durante esse período.
No Brasil foram analisados 24 anos de dados da B3 (na época BM&FBOBESPA) e identificadas apenas sete empresas que conseguiram fazer uma transição e, depois de um período de valorização mediana, valorizar segundo os padrões mencionados e manter esse ganho de competitividade por período igual ou superior a 15 anos. Este tipo de comportamento de valor apresenta um momento de transição a ser estudado.
As sete empresas que apresentaram esse momento a ser estudado foram: Embraer, BRF, Guararapes, Gerdau, Weg, Tupy e Alpargatas. As duas primeiras, por exemplo, valorizaram respectivamente 2279% e 3536% acima do IBOVESPA após seu ponto de transição, que para ambas aconteceu em 1992. Um portfólio fictício, montado com partes iguais das ações dessas sete empresas teria apresentado um retorno excedente de 981% no período entre 1997 e 2012. No mesmo período o IBOVESPA valorizou 121%, conforme ilustra o gráfico 1.
Gráfico 1: Valorização de um portfólio com as sete empresas, comparada à do IBOVESPA
Fonte: produzido pelo autor
Foram entrevistados executivos ou ex-executivos de cinco dessas sete empresas, designadas por empresa A, B, C, D ou E para preservar a individualidade dos dados, utilizando uma entrevista semiestruturada e um questionário com perguntas predominantemente fechadas. As respostas foram obtidas no período entre outubro e dezembro de 2013. Três dos cinco entrevistados eram presidentes das empresas no momento da transição e um deles era diretor e ocupava na época da pesquisa o cargo de vice-presidente. São pessoas que conhecem com profundidade e abrangência a história de cada empresa e participaram diretamente no processo decisório e na construção da estratégia de sucesso.
No Quadro 1 estão elencados resumidamente, na ordem de ocorrência, os sete fatores identificados nos EUA em sua forma adaptada para a pesquisa aqui no Brasil.
A partir das respostas dadas pelos entrevistados, passou-se à análise da aderência de cada afirmativa aos fatores identificados para explicar a inflexão positiva e o crescimento de valor sustentado por longo período em empresas americanas. A aderência indica a medida que esses fatores estão presentes também em empresas brasileiras que tiveram desempenho de valor semelhante. Para simplificar a análise dos dados coletados foi criado um índice de aderência. A adoção desse índice de aderência permitiu a obtenção de um fator médio de aderência por empresa aos fatores de Collins.
Nas empresas brasileiras que fizeram sua transição para desempenho excelente no longo prazo, houve grande aderência aos fatores identificados nas empresas americanas. A tabela 2 resume a aderência de cada fator.
Fatores identificados nos EUA adaptados e confirmados para o Brasil
1) Liderança: Os executivos que lideraram a transição, longe de serem figuras com personalidades fortes e presentes em manchetes, eram reservados. Apresentavam uma grande humildade pessoal associada a uma firme vontade profissional.
2) Equipe: O momento de transição foi precedido de uma mudança de quadro na alta gestão, quando pessoas com competências, habilidades e atitudes corretas foram colocadas nas posições corretas. Somente depois dessa reformulação, com as pessoas certas atuando nas posições corretas é que o líder define a atuação estratégica da empresa, em conjunto com toda a equipe. As decisões importantes passam a ser resultado de muitos debates acalorados, mas uma vez tomadas há uma união de todos em torno de sua execução.
3) Atitude diante dos problemas: houve um reconhecimento aberto e franco por parte de seus dirigentes de que a empresa enfrentava dificuldades e de que havia necessidade de mudanças na forma como as coisas eram conduzidas. Os problemas existentes foram discutidos de forma franca entre toda a equipe. A partir dessa mudança de atitude, Collins (2001) constatou que as empresas adotaram uma cultura pela verdade dos fatos, onde as pessoas tinham grandes oportunidades para serem ouvidas até que a verdade fosse totalmente compreendida. Os líderes das empresas excelentes cultivam o hábito de perguntar a opinião das pessoas e formar decisões consensuais, investigam a fundo as causas de problemas e evitam buscar culpados. Os principais executivos pregam otimismo em um futuro de excelentes resultados, que só será atingido se os problemas forem enfrentados de forma destemida.
4) Foco estratégico: Um conceito simples e cristalino que direciona toda a estratégia da empresa. Uma atividade onde a empresa possa se sobressair em relação a todas as concorrentes. Essa única atividade foco passa então a nortear toda a formulação da estratégia de atuação e de investimentos da empresa.
5) Disciplina: A empresa cultiva uma cultura de valorização de pessoas autodisciplinadas. As pessoas são engajadas em um sistema com um processo coerente, mas com liberdade para tomar decisões com responsabilidade. Pessoas disciplinadas não precisam de hierarquia, pensamento disciplinado dispensa a burocracia e ação disciplinada não requer controles excessivos. Cultura disciplinada nada tem a ver com tirania da disciplina, que ocorre em empresas sob o comando de um líder com personalidade muito forte, que faz questão de impor disciplina de forma ostensiva. A empresa disciplinada procura agir dentro de um foco muito bem estabelecido, e chega ao ponto de recusar oportunidades não aderentes a esse foco.
6) Relação com a Tecnologia: A empresa evita modismos tecnológicos e seleciona com muito critério o tipo de tecnologia de ponta que vai aplicar. É pioneira na aplicação de tecnologia relacionada ao foco estratégico do negócio. A pesquisa de Collins constatou que 80% dos executivos das vencedoras não mencionam tecnologia como fator de sucesso. A empresa elabora balões de ensaio para novas abordagens estratégicas e só investe pesadamente em tecnologia quando o teste demonstra potencial e sinergia com o negócio, pois entende a tecnologia como aceleradora e não como geradora do impulso inicial.
7) Processo de Melhoria Contínua: A transição de boa para excelente não se dá como resultado de um programa ou uma ação isolada, mas sim de pequenas melhorias contínuas e de realizações tangíveis que se encaixam no foco estratégico, o que forma um círculo virtuoso e gera uma inércia positiva, que cada vez mais impulsiona a empresa na direção correta. A empresa só faz grandes aquisições originadas da evolução natural do seu modelo de negócio e com a finalidade de consolidar a sua posição em torno do foco estratégico.
Observa-se que seis dos sete fatores estudados tiveram aderência entre 80% e 90%, que quatro tiveram aderência entre 86% e 90% (processo de melhoria, atitude frente aos problemas, foco estratégico e disciplina), e somente um fator – a tecnologia – ficou com aderência um pouco abaixo (78%), mas ainda bastante elevada. A média geral de aderência foi de 84%.
Tabela 2 – Média dos índices de adesão por empresa e resumo da adesão por fator
Fator | Empresas | Média por Fator | Aderência Média | ||||
A | B | C | D | E | |||
Processo de Melhoria | 3,8 | 5,0 | 5,0 | 3,8 | 5,0 | 4,5 | 90% |
Atitude frente aos problemas | 3,8 | 4,9 | 4,7 | 3,7 | 4,5 | 4,3 | 86% |
Foco estratégico | 4,5 | 4,5 | 4,5 | 4,0 | 4,0 | 4,3 | 86% |
Disciplina | 4,0 | 4,2 | 4,6 | 3,8 | 5,0 | 4,3 | 86% |
Liderança | 4,0 | 4,6 | 4,5 | 3,8 | 3,5 | 4,1 | 82% |
Equipe | 4,5 | 4,5 | 3,3 | 2,8 | 4,7 | 4,0 | 80% |
Tecnologia | 3,0 | 4,0 | 5 | 2,8 | 4,8 | 3,9 | 78% |
Média por Empresa | 3,9 | 4,5 | 4,6 | 3,5 | 4,5 | 4,2 | 84% |
Aderência Média | 78% | 90% | 92% | 70% | 90% | — | 84% |
Fonte: Pereira, I.L.; Crispim, 2015
Na análise individual por empresa, observamos que as empresas “C”, “B” e “E” apresentaram maior aderência aos fatores estudados, entre 90% e 92%, enquanto a empresa “A” ficou com 78%, e a “D” com 70%. Em relação à aderência média de cada fator, deve-se destacar que mesmo o fator com menor aderência – o uso da tecnologia – ainda caracteriza-se por aderência de 78%, que pode ser considerada bastante elevada.
Conclusões
Esta pesquisa contribuiu para identificar que os fatores que explicam a excelência da gestão e do desempenho em empresas americanas também estão fortemente presentes nas empresas brasileiras com semelhante valorização sustentada por longos períodos. Adicionalmente reforçou a proposta de utilização do valor de mercado como indicador de desempenho sintético, válido para a melhor compreensão dos fatores de competitividade estratégica presentes nas empresas brasileiras no longo prazo.
Foi identificado que sim, os fatores previstos por Collins estavam presentes no momento do turnaround, ou com chamado na época, do momento da transição, pois é quando a empresa faz uma transição da situação de “apresenta bons resultados” para “apresenta resultados espetaculares”. Conclui-se que os fatores que explicam a excelência de empresas americanas e brasileira e elevado desempenho no longo prazo – que foram explorados ao longo do artigo – podem servir como referência para empresas que busquem semelhante trajetória de valorização.
Desde a publicação dos resultados desta pesquisa em 2014, tenho estudado a aderência de empresas que buscam sua própria transição para empresa de excelentes resultados. Tenho observado a grande dificuldade enfrentada pela maioria delas com a execução do passo 2, ou seja: formulação da estratégia com participação da equipe, apesar de as pesquisas de Ulrich e Albuquerque já terem mostrado na virada do século a importância da participação de toda a equipe na formulação da estratégia.
Identifiquei que as dificuldades culturais com a execução desse segundo passo acabam por causar reflexo em todos os seguintes, o que levou a focar as minhas pesquisas na questão da gestão estratégica de pessoas. Estou atualmente desenvolvendo uma metodologia específica para estudar e tratar essa questão durante o planejamento. Os resultados iniciais apontam para dois efeitos animadores: primeiro, o já esperado engajamento com o direcionamento das ações de implantação do plano estratégico traçado, previsto nas pesquisas mencionadas. O segundo efeito é o que mais surpreende: a detecção no momento do planejamento, de ações necessárias e de grande importância, que até então não eram cogitadas pela cúpula da empresa, e que, uma vez incluídas, resolvem questões importantes e intensificam ainda mais o primeiro efeito. Mas este já é assunto para um próximo artigo, quando esses efeitos já tiverem sido analisados em um número significativo de empresas.
*Ilson Luiz Pereira, Doutorando em Administração FEA-USP, Mestre em Administração USCS, Especialista em gestão EAESP-FGV, Diretor da Profip Assessoria, Professor universitário FATEC e tutor facilitador na Univesp, através de convênio com a FUSP.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, L. G. – A Gestão Estratégica de Pessoas. In: As Pessoas na Organização. (Coord.) FLEURY, M. T. Editora Gente, São Paulo, 2002.
COLLINS, Jim. Good to great: Why some companies make the leap… and others don’t. New York: HarperCollins, 2001.
PEREIRA, Ilson Luiz; CRISPIM, Sergio Feliciano. Fatores explicativos da alta competitividade no longo prazo: presença dos fatores identificados nas empresas norte-americanas em empresas da BM&FBovespa. Gestão & Produção, v. 22, n. 1, p. 82-95, 2015.
ULRICH, D. (Org.) – Recursos Humanos Estratégicos. Editora Futura, São Paulo, 2000.