Especialistas opinam dos pontos de vista jurídico, econômico, administrativo e de conciliações. Evento foi promovido pela ANEFAC e pelo RONALDO MARTINS & Advogados
Por Denise Kelen
Com a Reforma Trabalhista e as mudanças anunciadas pelo atual governo, quais as oportunidades, os desafios, as perspectivas e os impactos para as empresas e toda a sociedade? Como ficam as relações trabalhistas nos sindicatos, na Justiça Trabalhista, nas organizações e quais as possibilidades de redução de custo judicial e encargos no Brasil? Essas foram as perguntas que pautaram um importante evento realizado pela ANEFAC, em parceria com RONALDO MARTINS & Advogados, no dia 20 de março, em São Paulo, capital. De acordo com o presidente nacional da ANEFAC, Milton Toledo, a entidade tem como premissa contribuir para o aprimoramento dos seus associados e executivos, por isso, a necessidade de abordar um tema que mexe diretamente com o dia a dia desses profissionais.
O evento contou com a presença de quatro renomados palestrantes, de áreas distintas – jurídica, econômica, administrativa e de mediação e arbitragem, com o intuito de trazer diferentes visões sobre o mesmo assunto. “Em pontos específicos da Reforma, é importante traduzir para uma linguagem que todos compreendam, as medidas que já foram colocadas em prática, bem como tudo que está sendo anunciado como ações mais polêmicas futuras. São conceitos macros para todas as áreas, desde gestores de Recursos Humanos até pessoas envolvidas com os setores estratégicos da empresa”, explicou Ronaldo Martins, CEO do RONALDO MARTINS & Advogados, sob o ponto de vista jurídico.
“O volume de ações trabalhistas caiu nacionalmente em 50%, desde a implantação das mudanças”, disse ele ao enfatizar que a Reforma já impactou, não apenas nas questões técnicas, mas também econômicas, o que significa redução de custos para as organizações. Segundo ele, o número de ações caiu de R$ 2 milhões para R$ 1.200 milhão desde 2017, especialmente, devido às dúvidas de advogados e trabalhadores, nesse processo de transição, em relação as novas regras e se deveriam ou não entrar com determinadas ações. No entanto, a tendência é que esse número continue caindo, devido, agora, ao aumento no volume de acordos extrajudiciais que estão ocorrendo, tanto individuais, quanto coletivos. Os acordos são uma alternativa de resolução de conflitos. “Imaginem o custo para uma empresa ao ter que administrar tantas ações trabalhistas?”, questionou Martins.
O advogado trouxe à tona diversos itens já consolidados, como a eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho, ou seja, nenhum juiz pode mais legislar sobre uma determinada matéria trabalhista, ter critérios paternalistas ou conceder benefícios e remunerações com base em entendimentos pessoais. Seu papel é a aplicação da lei, mudança já ratificada pelo Supremo Tribunal Federal. A mudança também significa que somente a composição do tribunal pode declarar que algum item da Reforma Trabalhista é inconstitucional.
Entre os outros pontos citados por Martins, consolidados na Reforma, esteve o reconhecimento de Grupo Econômico; a terceirização e as contratações de pessoas jurídicas e autônomas, o que gera para as empresas, segundo ele, um leque de opções. Na parte previdenciária, em termos de tributação ou concessão de benefícios, ele cita as seguintes consolidações: ajuda de custo, auxílio alimentação, diárias para viagens, prêmios, meritocracia e abonos, todos regulamentados. “São muitas as vantagens dessas concessões de benefícios, pois elas diminuem os custos trabalhistas, já que são legais, e a tributação que incidia sobre esses itens. Elas servem, ainda, como fato de retenção de profissionais, pois é um diferencial para compor a renda do trabalhador”, definiu.
Referente à contribuição sindical patronal e assistencial, Martins explicou que, do ponto de vista jurídico, ela não é devida, sendo facultativa e somente para os associados que se manifestarem, expressamente, a sua vontade. Ele reforça que o tema, apesar de regulamentado, ainda está sendo questionado e que, portanto, ainda pode gerar dúvidas entre as equipes de RH. “Os sindicatos perderam poder político e econômico e estão buscando fusões e até a criação de uma unicidade sindical para voltar a ter força nas decisões das convenções coletivas”, apontou.
O fim do sistema S (entidades empresariais voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica – serviços considerados de interesse público) também foi abordado, já que, para o CEO do RONALDO MARTINS & Advogados, “é impressionante o volume de recursos que advém desse sistema. São bilhões envolvidos e quem paga isso? As empresas, mediante a sua folha de pagamento. Se esse repasse for extinto, conforme vem sendo sinalizado pelo atual governo, serão reduzidos, substancialmente, os custos previdenciários da força de trabalho”.
Ele ainda mostrou um quadro com a hierarquia na gestão da área trabalhista, demonstrando que abaixo da Constituição não há mais as leis, e sim, as convenções coletivas e individuais e as empresas devem seguir esse escalonamento.
Mediação e arbitragem
Uma nova ferramenta que está sendo utilizada pelas empresas para a gestão de pessoas e das negociações é a Medição e a Arbitragem, que visa contribuir para a mitigação de processos e litígios, e consequentemente, de custos com processos trabalhistas. O tema foi abordado no evento pelo presidente do IMCATE (Instituto de Mediação, Conciliação e Arbitragem Trabalhista e Empresarial), Murilo Furtado de Mendonça Junior, que fez a seguinte pergunta: “Você quer participar da solução do seu problema ou quer delegar para um juiz que não conhece a sua história, a sua dor?”
O questionamento teve como objetivo demonstrar a importância de um processo de mediação que, segundo ele, tem ainda muitas outras vantagens. “Em processo litigiosos as partes são adversárias, as questões são feitas pelos advogados e os custos são elevados para litigantes e para o estado. Na mediação, as partes buscam por interesses mútuos e manifestam-se pelas suas próprias palavras, com custos reduzidos ou evitados. Além disso, as decisões impostas nos processos litigiosos têm pouca probabilidade de subsistência, quando as decisões consensuais têm maiores chances de pendurar”, observou.
“Quantos processos vocês acham que temos no Brasil, de uma maneira geral?” foi outro questionamento feito para fortalecer a ideia de que precisam ser encontrados métodos alternativos para solução de conflitos. Atualmente, correm cerca de 105 milhões de processos em todo o país, sendo 30 milhões somente no estado de São Paulo. “É uma represa que só entra água e não sai, vai estourar”, ressaltou o especialista.
Indo ao encontro da citação de Ronaldo Martins, Furtado demonstrou dados sobre o aumento dos acordos extrajudiciais e afirmou que esse método de conciliação é um caminho sem volta. Em Santa Catarina, por exemplo, foram apurados 71 acordos antes da Reforma Trabalhista e 2.600 pós-mudanças, uma variação de 3.500%. Em âmbito nacional, ainda segundo o presidente do IMCATE, o número saltou de 1.700 para 33 mil acordos.
Mas qual o custo da mediação nas organizações? Furtado alerta que, de acordo com algumas literaturas sobre o tema, os conflitos de empregados não gerenciados representam, talvez, o maior custo e o menor reconhecido. Além disso, segundo ele, uma grande porcentagem dos problemas de desempenho resulta das relações entre os funcionários e não de uma deficiência na habilidade ou de motivação individual.
Sete situações foram listadas referentes a necessidade das mediações: 1) tempo perdido e improdutividade gerada por conflitos; 2) qualidade das decisões que são afetadas por conflitos; 3) perda de funcionários qualificados devido à conflitos crônicos não resolvidos; 4) reestruturação para reduzir a quantidade de interação; 5) sabotagem, roubos e danos que ocorrem quando os empregados estão zangados com o ambiente de trabalho; 6) baixa motivação laboral devido ao estresse por trabalhar com pessoas difíceis; 7) faltas, indisposição e desprezo, o que faz com que o empregado não vá para o trabalho. De acordo com Furtado, com todos esses levantamentos é possível estimar quanto custará um recurso na Justiça do Trabalho e concluir que é muito mais oneroso do que realizar uma mediação interna.
A reforma trabalhista e os custos
Quem falou sobre a Reforma Trabalhista do ponto de vista econômico foi o CEO da Trevisan Escola de Negócios, VanDyck Silveira. Ele explicou que as alterações tiveram início em 2017 e que eram totalmente necessárias, visto que as normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) foram desenhadas para uma época em que o mundo era focado na economia de produção, ou seja, pessoas produziam ‘coisas’ e não ‘conhecimento’. “Globalização, transformação de mercado, tudo isso está sendo previsto na atual Reforma. As leis anteriores eram de um mundo onde o digital ainda não imperava e as facilidades desse mundo tecnológico ainda não estavam disponíveis. Precisávamos acordar”, enalteceu.
Confira alguns pontos que, na opinião de Silveira, são positivos e que foram automaticamente notados com a viabilização das mudanças:
Recolhimento do compulsório do imposto sindical que caiu de $4 bilhões ao ano para 500 milhões.
Média de 15 mil desligamentos por mês desde a promulgação da reforma, o que traz maior agilidade para o mercado trabalhista, num país onde existem 27 milhões de pessoas, sendo 23 milhões desempregados e os outros em subempregos. De acordo com o economista, isso gera oportunidades para as pessoas.
Saldo de 500 mil contratos intermitentes, já que, segundo ele, nem todos querem trabalhar da forma tradicional e isso ajuda as pessoas que tinham problemas para se empregar. “As mulheres, as mães, por exemplo, precisavam escolher continuar empregadas ou cuidar dos filhos. Então, essa é uma cláusula muito positiva em termos de empregabilidade”.
•Aumento em 4 mil % de acordos extrajudiciais. “Isso é o mercado funcionando” disse Silveira ao destacar que esse tipo de acordo é o “desatar” da economia trabalhista brasileira.
•Aumento e eficiência da Justiça de Trabalho, que toma, agora, decisões mais cuidadosas.
•Redução do número de pedidos de ação.
•Redução de greves.
•Aumento da pauta negocial.
Silveira reforçou que, de um modo geral, a Reforma Trabalhista trata da flexibilização dos direitos trabalhistas, e não, da abolição desses direitos e que serão muitos os ganhos, especialmente, devido à fluidez e a agilidade em termos de recolocação no mercado. “As pessoas conseguirão se recolocar mais rapidamente, uma vez que aquele posto ou aquela relação do empregador x empregado não se faz mais viável. Além disso, temos os novos tipos de contratação, via PJ (Pessoa Jurídica), o que é perfeitamente factível. Assim, não oneramos à nós mesmos e nem ao empregador e isso gera eficiência econômica”, avaliou.
Outro ponto comemorado pelo CEO da Trevisan Escola de Negócios é o fortalecimento das negociações pelo princípio da racionalidade de ambos os lados e a capacidade dos profissionais de argumentarem, já que, para ele, “aquilo que eu e meu empregador decidirmos talvez seja mais importante do que o que vem da cabeça de um juiz”. Para Silveira, um número preocupante, em relação ao percentual do PIB (Produto Interno Bruto) que o Sistema Judiciário “come” de cada país, foi apresentado ao público. Na Espanha, 0,12% do PIB representa o gasto total com o Sistema Judiciário. No Brasil, somente a porcentagem do que é gasto com a Justiça do Trabalho é maior do que os custos do Sistema Judiciário de todos os países do mundo, juntos. “Está aí um grande argumento para que não exista mais um Sistema Judiciário especial, um ‘corredor’ especial que emperra os números que ativam o mercado. Nenhum país na história teve um custo tão grande com esse sistema quanto o Brasi e isso vai acabar”, ponderou.
As empresas estão se alinhando
O administrador de empresas, Lyo Marques, CEO da Baker Tilly Brasil, trouxe a visão do investidor, considerando a sua grande experiência no atendimento a empresas multinacionais e investidores estrangeiros e revelou a opinião deles em relação aos sistemas no Brasil. “Há 36 anos atendo empresas que chegam no país e seus representantes não conseguem entender, por exemplo, porque um salário de um valor X, será duplicado na folha de pagamento. Eles pensam: ‘mas em nenhum lugar do mundo tem esse custo’. Isso é muito triste e preocupante”, constatou.
Marques explica, portanto, que o Brasil tem as maiores cargas tributárias, mesmo estando, hoje, entre as maiores economias do mundo e pergunta ao público: “Onde isso está traduzido em riqueza e empregabilidade?” Para o especialista, um dos grandes problemas é o peso desses encargos, do custo da máquina para servir uma legislação que é ultrapassada, criada na década de 40. E que apesar de o país ter a maior carga tributária do mundo, ele tem um dos piores serviços públicos. “O Estado brasileiro nos devolve muito pouco. Somos obrigados a pagar por segurança, por escolas, por exemplo. Escolas estas que não estão calibradas para as necessidades mundiais. O Brasil está muito atrás no nível de formação da grande massa”, observa.
No entanto, o executivo afirma que percebe no atual governo um movimento liberal que pode soltar o Brasil das amarras, dos entraves que, na maioria das vezes, estão relacionados às questões laborais, ou seja, de trabalho. Ele conta que já acompanhou uma empresa multinacional no segmento alimentício que saiu e voltou para o Brasil diversas vezes, até que argumentou não estar conseguindo mais controlar o número de processos trabalhistas, mesmo cumprindo todas as regras. Para o administrador este é um desperdício de oportunidade.
Referente ao investimento em educação, Marques cita como exemplo a Coréia do Sul, um país, segundo ele, de camponeses na década de 60, que hoje é uma das maiores potências do mundo e que têm pessoas capacitadas para gerar produtos e negócios de nível global, que estão presentes em nosso dia a dia, como carros e celulares. “E nós, infelizmente, não temos essa massa intelectual para dar esse salto de desenvolvimento. Não temos e nem teremos nos próximos 30 ou 40 anos”, enaltece. Na visão de dele se o Brasil se articular, fizer e se aprofundar na Reforma Trabalhista, implementando itens que ainda não viraram realidade, essa perspectiva vai mudar:
Carteira Verde e Amarela
Para o CEO da Baker Tilly Brasil, a proposta da Carteira Verde Amarela representa a possibilidade de o Brasil melhorar a sua empregabilidade, de ter um modelo de trabalho semelhante aos modelos existentes nos Estados Unidos, em alguns países da Europa e até nos vizinhos Chile e Argentina, que, de acordo com seu conhecimento, têm custos menores sobre as folhas de pagamento e níveis de escolaridade muito maior. “Para mim, essa carteira é a grande esperança de criar alternativas para quem está entrando no mercado”, evidenciou.
Sistema S
Marques compartilhou sobre o dia em que precisou decompor para um investidor os seus gastos com INSS e teve dificuldade de explicar ao cliente o porquê daqueles custos. “O que eu recebo em contrapartida?”, perguntou o executivo. Para Marques, o Sistema S é importante, mas o valor repassado é muito alto. “Em 2018, segundo a Receita Federal foram repassados ao Sistema, R$ 17,08 bilhões. Com as possíveis mudanças da Reforma, cerca de 9 bilhões retornarão aos caixas das empresas, dinheiro que pode ser investido, pode gerar mais emprego e renda”, defendeu.
Desoneração da Folha
Para o palestrante, desonerar a folha de pagamento é empregabilidade. Ele afirma que isso, para o estrangeiro, significa vir, empregar, pagar salários melhores, contratar mais pessoas. “Se o custo da folha é elevado, ele tem que espremer, tem que fazer contas. Penso que essa medida é muito importante para o Brasil ao longo dos próximos anos”, acredita.
Terceirização
O administrador argumenta que esse é um método que deixará as relações de trabalho mais fluídas, fora da CLT, especialmente para trabalhadores de mais alto nível e para viabilizar novos empregos. “Faz sentido empresários contratarem executivos e pensarem que o custo será o dobro do salário? Isso é impeditivo. A terceirização de atividades fins já está pacificada e, na minha opinião, é uma porta para garantirmos melhor empregabilidade”, avaliou.
Na visão de Marques, o Brasil não pode ter 96 milhões de pessoas dependentes do INSS, sendo que 27 milhões não contribuem porque estão desempregados ou porque estão fazendo ‘bicos’. “Precisamos fazer o Brasil andar novamente. Com a implantação de todos esses itens que ainda não se materializaram, nós vamos viver um país melhor”, finalizou.