Membros da comissão avaliadora do Troféu Transparência ANEFAC® apontam a quantidade de informações apresentadas pelas empresas como um problema crônico, mais de 20% dos números relatados é imaterial
O Troféu Transparência ANEFAC® – Prêmio ANEFAC-Fipecafi-Serasa Experian – é amplamente reconhecido no mercado empresarial brasileiro pela seriedade e rigor técnico com que são selecionadas as participantes e escolhidas as empresas ganhadoras que publicam suas demonstrações financeiras com maior transparência no que diz respeito à qualidade das informações prestadas. Toda análise técnica é realizada pela FIPECAFI. Para Ariovaldo dos Santos, membro da comissão avaliadora do Prêmio e professor titular da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) de forma geral, a grande maioria das empresas, que operam no Brasil, apenas cumprem as obrigações estabelecidas em leis ou por seus respectivos órgãos reguladores. “Infelizmente, não consigo enxergar isso de forma diferente. Uma prova disso é a pouca renovação que temos nas listas das premiadas de ano para ano”, aponta.
A premiação foi instituída há 22 anos, Eliseu Martins, professor emérito da FEA-USP e membro da comissão avaliadora do Prêmio, acredita que o processo vem evoluindo porque a experiência vai se acumulando. “Essa experiência vai, inclusive, permitindo ver que algumas empresas são muito consistentes e estão sempre preocupadas com a transparência. Mas, algumas, infelizmente, parecem que se esmeram num ano, mas a seguir sofrem uma certa involução. A experiência vai permitindo filtrar os pontos principais a serem analisados porque permitem, mais rapidamente, aquilatar o grau de transparência sendo conseguido”, descreve.
É fato que houve evolução com a criação do Troféu Transparência ANEFAC® nas demonstrações financeiras, mas Santos diz que prefere citar uma que foi para pior, mesmo sabendo que muitos discordam dele. “Quando começamos a avaliação para a entrega do Prêmio já não era mais obrigatório o reconhecimento da inflação nas demonstrações contábeis, mas ainda assim muitas empresas continuaram divulgando seus resultados considerando esses efeitos. E melhor, acompanhadas dos respectivos pareceres das empresas de auditoria. Hoje, mesmo com inflação acumulada de mais de 300% (desde janeiro de 1996) nossas demonstrações são apresentadas, olimpicamente, como se nada disso fosse verdade. E pior, também acompanhadas dos respectivos relatórios de auditoria”, analisa.
Análise também defendida por Eliseu Martins, infelizmente, não tem havido muita evolução. “A própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários) tem procurado incentivar uma atenção forte, exclusivamente, às informações que realmente levam um investidor ou credor a tomar uma posição, mas, infelizmente, ainda há muita coisa irrelevante relatada pelas empresas. Há ainda um número excessivo de números irrelevantes nas demonstrações contábeis”, cita.
Para receber o Troféu Transparência ANEFAC® é necessário a aplicação adequada e correta das regras contábeis, assim como a transparência na divulgação das informações. Segundo Santos, em muitos casos a simplificação das notas explicativas, principalmente, após a OCPC07, tem sido buscada, mas, infelizmente não se pode dizer que isso seja geral e que todos estejam conseguindo.
Martins explica que se procura que a empresa esteja mostrando sua posição patrimonial/financeira e as mutações dessa posição de forma transparente. “Para isso, é necessário que esteja cumprindo com todas as determinações a respeito contidas nas normas contábeis. E, o não desvio das normas é absolutamente obrigatório. Por isso, ressalva do auditor, por exemplo, com respeito a esses assuntos, é fator impeditivo de entrar no processo de avaliação nosso”, observa.
Informações prestadas são, em partes, irrelevantes
Um ponto de atenção. “Na média, mais de 20% dos números relatados é imaterial, é irrelevante. Deveriam estar em “outros”, e não mostrados individualmente. Só confundem. Na demonstração do fluxo de caixa temos casos diversos em que mais de 50% dos números é totalmente irrelevante. Estamos com uma pesquisa em andamento abrangendo vários anos e não há evolução significativa. Neste último ano, a situação praticamente estagnou. E nem sempre a atenção necessária ao que é muito relevante é dada. Infelizmente, temos exemplos disso também. Isso significa que as premiadas não estão perfeitas, aliás, longe da meta ainda. Apenas estão melhores do que as demais”, orienta Eliseu Martins.
Para Ariovaldo dos Santos, tivemos inúmeras mudanças para melhor, nas demonstrações financeiras, mas também, infelizmente, aquelas que foram para pior. “São conhecidas de todos as mudanças que passamos a ter após a decisão, não importa se de forma obrigatória ou não, da adoção das regras internacionais de contabilidade”. Ele ainda aponta que nesse momento deve-se elogiar o papel decisivo do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), pois nada teria sido conseguido apenas com a obrigatoriedade legal, por isso o reconhecimento que faz ao CPC.
Trazendo um pouco de polêmica à tona, o professor, acredita que o mais é importante destacar, ao menos um ponto que, em sua modesta opinião, acabamos perdendo. “Por exemplo, antes da chamada internacionalização, de forma espontânea, muitas empresas já publicavam a Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC), juntamente com a Demonstração de Origens e Aplicações de Recursos (DOAR), que até então era obrigatória. Após a internacionalização perdemos a DOAR e passamos a dispor apenas da DFC. Por que perdemos? Perdemos porque essas demonstrações são complementares e não excludentes”, relata Santos.
Em termos ainda sobre evolução nas últimas décadas, para Eliseu Martins, a segregação das demonstrações financeiras em relação às normas fiscais foi o grande ponto que permitiu a evolução da contabilidade desde 2008. Para ele, é preciso, de pé, aplaudir a Receita Federal que tem mantido sua palavra de respeitar a contabilidade como instrumento para fins de gestão e de informações a usuários externos.
Segundo Martins, até então éramos impedidos de adotar melhores práticas contábeis porque isso implicava, muito comumente, em maior tributação. Ao citar um exemplo, explica que ninguém adotava a avaliação a valor justo de determinados ativos porque isso tinha esse reflexo. “Mesmo quando essa prática contábil era não só permitida legalmente, mas incentivada pelos teóricos do ramo. Hoje, isso se resolveu de forma totalmente satisfatória. Repito: aplausos à Receita Federal”, diz.
Outro ponto significativo, nessa evolução, para Martins foi a adoção (que ainda não está no ponto que deveria estar) da filosofia da essência econômica sobre a forma quando de conflitos entre ambas. Segundo ele, isso permite que se reduzam as simulações que são mais facilmente conseguidas quando se segue estritamente o que está colocado no papel. E adverte: Mas é preciso também deixar claro que essa filosofia precisa de um enorme avanço ainda, inclusive por parte dos auditores.
Em termos de futuro da análise técnica do Troféu Transparência ANEFAC®, considerando o interesse que desperta entre as empresas a premiação e levando em conta ainda o acúmulo de experiência, Eliseu Martins acredita que há ainda um belo futuro para a premiação. “É, também importante falar um pouco mais sobre experiência: vários dos membros da comissão são os mesmos desde o início do Troféu, mas os alunos da FEA/USP que participam fortemente da análise vão rodando muito ano a ano. Como são alunos do pós-graduação, normalmente não participam mais do que de dois anos consecutivos. Mas os coordenadores desses alunos permanecem por bem mais tempo. Assim, conseguimos mesclar manutenção da experiência com renovação de pessoas e de julgamentos. Isso é ótimo”, finaliza.