Esperado há algum tempo, projeto é fundamental para destravar o mercado de energia e dar maior segurança às empresas
Num futuro breve, no âmbito do mercado de energia elétrica brasileiro, tudo aponta para um cenário favorável, o que nos faz crer que o melhor está por vir. Muitas são as medidas e mudanças que devem ocorrer para uma abertura ainda maior do setor. Na visão de Luiz Augusto Barroso, presidente da PSR, por não ser um ano eleitoral, este possivelmente será o último para o governo aprovar reformas importantes no legislativo. “2021 já começou com a aprovação da Medida Provisória 998/2020, que remaneja recursos para reduzir as tarifas de energia de consumidores, encerra os subsídios das renováveis e fortalece o comercializador varejista. Há, ainda, projetos importantes na pauta como a privatização da Eletrobras e o projeto de modernização do setor elétrico, que ainda aguarda tramitação no Senado, e é uma das pautas prioritárias”, diz.
Com relação à Eletrobras, Andrew Frank Storfer, presidente da América Energia e conselheiro da ANEFAC, destaca que independentemente da denominação de diluição, capitalização ou privatização, a alteração da participação do governo é um tema importante para que ela possa ter recursos suficientes para fazer face aos investimentos necessários. “Embora o discurso oficial sempre tenha sido na direção de privatizações, na prática, nos dois primeiros anos, o governo titubeou no sentido de ações concretas para grandes privatizações. Apenas agora em fevereiro com a MP 1.031/2021 deu um passo concreto nesta direção”, avalia.
Esperada há algum tempo, a evolução da modernização do setor elétrico se dará por meio de um dos dois projetos de lei que se encontram em discussão no Congresso Nacional: o PLS 232 no Senado, que recentemente seguiu para a Câmara (o mais avançado), e o PL 1917 na própria Câmara. De acordo com Storfer, ambos tratam do assunto tendo como base a famosa consulta pública 33. “Esta modernização é fundamental por permitir uma melhor alocação de custos e riscos, uma maior flexibilidade na adequação entre planejamento futuro e a operação efetiva, e uma confiabilidade adequada apartada da energia em si, que poderá então ser tratada mais como uma commodity. É esperado que em 2021 se tenha a aprovação provavelmente do PLS 232 com eventuais ajustes, o que permitirá no futuro um setor mais eficiente e com custos e riscos mais bem ponderados e alocados, com ganhos para o consumidor, lembrando que já houve uma parte das medidas de modernização pela MP 998, que foi aprovada pelo Congresso e segue para sansão presidencial”, explica.
O mercado espera, ainda, segundo Barrosso, resolver definitivamente a judicialização do risco hidrológico, que permitirá o destravamento da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e aguarda a abertura pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), no primeiro semestre, de uma consulta pública sobre a segurança financeira das operações de comercialização no mercado. “2021 já inicia com o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) em base horária, um vetor de eficiência que melhora o sinal econômico, permite a quantificação mais precisa das necessidades do sistema e assim a criação de novos produtos e serviços. Essa mudança demandará novas práticas de gestão e mitigação de riscos ao mercado”, vislumbra. Ao complementar, Carlos Ratto, diretor presidente do Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), aponta também o preço horário como uma das medidas a se destacar esse ano. Em vez do modelo anterior, baseado em cálculos semanais, o PLD está sendo horário. Esse avanço, para ele, é de extrema relevância por proporcionar mais precisão do sistema de formação de preços do país.
Do ponto de vista de oportunidade, Ratto destaca que, é fundamental avançarmos na direção do crescimento do mercado livre e na modernização do setor, além da abertura do mercado de gás. Em dezembro, o Senado aprovou a nova regulação do setor, que busca criar normas para atrair novos players e deve passar por novas discussões na Câmara, o que ainda não tem prazo para ocorrer. “Sejam quais forem as medidas, acreditamos muito na força e na resiliência do mercado de energia, já demonstradas em diversas situações quando o próprio mercado encontrou soluções para suas crises. Por isso, esperamos que, com incentivos regulatórios corretos, o mercado tem total capacidade para se estruturar e definir, ele próprio, sua forma de organização, cabendo ao regulador permitir um ambiente seguro e eficiente para o seu desenvolvimento”, ressalta.
Na avaliação de Camila Schoti, gerente geral de comercialização da Eneva, tanto o setor de gás quanto o de energia elétrica estão passando por transformações importantes relacionadas ao aumento da liberdade de escolha dos consumidores. “No setor de gás, discute-se a Nova Lei do Gás (PL 4476/2020), que busca aumentar a competição no setor, com medidas que facilitam a comercialização de gás por produtores e comercializadores diversos diretamente com o cliente final. No setor de energia elétrica, discute-se a ampliação do mercado livre e tudo que é importante vir junto com ela, como a garantia de expansão de fontes seguras de energia, questões relacionadas à governança da formação de preços, segurança de mercado e garantia de segurança jurídica para o empreendedor do mercado de comercialização varejista. As tendências nos dois mercados oferecem oportunidades de crescimento, pois darão novas opções de monetização do gás natural ou para comercializar energia elétrica”, destaca.
Além disso, em termos de desafios, na percepção de Storfer, existe a importância que deve ser dada à renegociação do Anexo C do contrato de Itaipu. Atualmente, o Brasil tem direito a 50% da energia gerada e exclusividade de compra pelo custo do saldo não utilizado pelo Paraguai dos outros 50%. “A partir de 2023 isso muda. O Paraguai pode fazer o que quiser com a sobra dos outros 50%. Itaipu gera como um todo quase 15% do consumo nacional. Este tema ainda vai estar em aberto em 2021 e com menos de dois anos de entrada em vigor de um possível novo regime, volumes etc. representa um risco potencial relevante”, adverte. Apontando ainda, outra questão relevante que é, a solução do GSF esperada para ser efetivada em 2021, que retira da pauta uma assombração do passado, e representa uma redução da judicialização ocorrida: este termo, que designa a relação entre a geração efetiva de usinas hidráulicas e sua garantia física, foi centro de polêmica e acabou resultando em judicialização, o que implicou impedimento parcial de liquidações no mercado de energia e reflexos para geradores e consumidores.
Por fim, Barroso, cita que os leilões do setor elétrico oferecerão oportunidades de investimento em geração e transmissão. “O “tamanho” dos leilões de geração dependerá muito da recuperação econômica e do ritmo de crescimento do mercado livre e da geração distribuída, que em 2020 “puxaram” os investimentos em renováveis e assim seguirão. E no meio de toda esta agenda, 2021 inicia com as hidroelétricas com reservatórios baixos e recebendo chuvas abaixo da média histórica. Certamente isto provocará debates acalorados sobre a segurança de suprimento de eletricidade e acirrará os conflitos pelos usos múltiplos da água. A situação física de fato inspira monitoramento e cuidados e 2021 será mais um ano onde os preços e tarifas de energia estarão vulneráveis à realização das chuvas”, pondera.
Mercado já opera pregão de derivativos de energia
Em janeiro, houve a abertura do primeiro pregão de derivativos de energia do Brasil. Para Ratto, esse é apenas o começo de um trabalho desenvolvido em conjunto com mercado e cujo objetivo é colocar o Brasil no mesmo patamar de outros mercados desenvolvidos que já oferecem esse instrumento como forma de hedge ou de posicionamento nos preços do ativo energia. Para os que hoje já participam do mercado de energia, nas operações que visam simplesmente proteção ou posicionamento no preço do ativo, o derivativo segundo ele, traz inúmeros benefícios, como:
- O risco de crédito é a diferença entre o PLD e o preço negociado, se ela for a seu favor. Diferentemente de uma operação no mercado físico, cujo risco do vendedor é receber a 100% do preço negociado e do comprador de ter o registro da operação realizado após o pagamento;
- Por ser um instrumento financeiro e liquidado pela diferença, a tributação incide apenas sobre a diferença. Se ela for a seu favor, tem imposto sobre o resultado. Se for a favor da sua contraparte, é uma despesa que possui determinadas regras para dedução a depender da natureza da operação;
- Por ser um instrumento financeiro, não existe emissão de Nota Fiscal e, consequentemente, todo o trâmite operacional, reduzindo, assim, os riscos e os custos de observância;
- O processo de liquidação é simples e digital. A BBCE calcula e informa os valores de liquidação para as partes que, por sua vez, providenciam a liquidação entre si. Um processo muito mais simples do que a liquidação de uma operação realizada no mercado físico e, consequentemente, com menor risco e custo operacional;
- O custo total é inferior ao de uma operação realizada no mercado físico, sem considerar os ganhos de eficiência operacional mencionados acima.
A chegada dos derivativos de energia também abre as portas para a participação do setor financeiro na negociação de preços desse importante ativo da economia. Como exemplo, os bancos podem oferecer hedge para seus clientes corporativos e os fundos podem se posicionar na oscilação de preços desse ativo – que não tem correlação com outros ativos do mercado financeiro e, portanto, funciona como um excelente instrumento de diversificação e otimização das carteiras. “O setor de energia já tem atraído a atenção do mercado financeiro, que, inclusive, está também criando suas próprias comercializadoras de energia. Com o lançamento da plataforma de Derivativos da BBCE, esse movimento aumentou, o que é importante para a liquidez e desenvolvimento do setor”, acredita Carlos Ratto.
Tecnologia vem para deixar setor ainda mais acessível
A situação do Brasil é privilegiada, pois já parte de uma matriz energética de baixo carbono e dispõe de opções de expansão que são simultaneamente de baixa emissão e economicamente competitivas, o que alinha dois fatores importantes. “Ela é, adicionalmente, bem adaptada para a descarbonização de outros setores, como transporte e podemos ser competitivos para a produção de hidrogênio “verde”, tema de grande interesse para a Europa e Ásia. A nossa abundância de recursos deixa claro que os desafios energéticos do país não são físicos, nem requerem subsídios que poderiam sacrificar outras necessidades da economia. Desta forma, nossa prioridade absoluta deve ser no campo das reformas estruturais, visando criar e/ou modernizar marcos regulatórios necessários que viabilizem a criação de uma economia de baixo carbono eficiente e com instrumentos de liderança e transferência dos benefícios desta sustentabilidade para o setor produtivo e sociedade em geral”, pontua Luiz Augusto Barroso.
O Brasil tem uma matriz de geração altamente sustentável. A participação de energias renováveis na geração é de quase 85%. Isto se dá pela grande participação da geração hidráulica (cerca de 65%), eólica (quase 10%), biomassa (cerca de 8%) e solar (quase 2%). Para Andrew Frank Storfer, a preocupação acaba sendo mais a falta que faz não ter reservatórios suficientes para acomodar a crescente participação de fontes intermitentes, como eólica e solar. “Estas fontes, na ausência temporária de vento e sol, acabam implicando na necessidade de se suprir estes momentos com fontes térmicas não sustentáveis, “sujando” a geração. Este é um ponto de atenção para a adequada estruturação da matriz de geração”, avalia.
“Todo país que possui fontes hidráulicas para geração, usou estas fontes primeiro. Com o Brasil não foi diferente”, explica Storfer. Que completa: mas apesar de ainda ter disponibilidades hidráulicas, o que ainda dá para fazer, considerando as restrições ambientais cada vez maiores, não é tão representativo face às necessidades de aumento da geração. Para se ter uma ideia, nos próximos 10 anos, segundo ele, é estimada a necessidade de se aumentar em até 5 GW por ano de capacidade instalada de geração. Claro que isto depende do desempenho econômico, e a pandemia do Covid-19 trouxe muita incerteza a este cenário. Mas se ele ocorrer, se tem a necessidade de instalar uma nova Itaipu (em termos de potência instalada) quase a cada três anos. Obrigatoriamente outras fontes vão ter sua participação crescente na matriz. O importante é analisar as características de cada fonte, seus atributos e necessidades que sua participação na matriz requer, de modo a ter um balanceamento adequado no sistema. Fontes térmicas terão sempre sua participação. E, o gás pode também representar um elemento importante na geração”, esclarece.
A tecnologia será parte fundamental desta transformação energética, com destaque para o armazenamento e pelos dispositivos que conectarão cada vez mais os consumidores ao mercado. Por exemplo, Barroso cita, a ANEEL que conduz atualmente a Tomada de Subsídio (TS) 011/2020 que tem como objetivo obter informações dos agentes para a elaboração de propostas de adequações regulatórias necessárias à inserção de sistemas de armazenamento, analisando como eles podem ser inseridos nos mercados de forma a monetizar os seus serviços prestados. Ou seja, 2021, para ele, pode ser o ano do armazenamento, consolidando através da regulação o caminho para a liderança do Brasil nesse e em outros temas tecnológicos. Na mesma linha, Ratto, entende que, o Brasil – pela característica hidrológica e pela matriz energética ser, principalmente, hidrelétrica – já é um país com elevado nível de geração de energia limpa. “A sofisticação do mercado livre e somada à agenda ESG tendem, contudo, a fazer com que o setor busque investir em diferentes fontes para criar um portfólio diversificado. Assim, as energias alternativas, como a eólica e a solar, passam a ter um grande potencial. Cabe destacar que temos território amplo e clima que contribui ao investimento nessas fontes”, ressalta.
No tocante a tecnologia, Storfer, acredita que temos que lembrar que ela anda junto com regulação. “Por isso, a aplicação da evolução tecnológica depende da evolução simultânea da regulação que permite e viabiliza a sua aplicação. É bem verdade que a regulação às vezes vem a reboque, mas em geral devem andar juntos. Isto vale para modelos matemáticos para despacho, para fontes incentivadas ou não, para consumidores gerando sua energia e por aí vai. No que diz respeito à geração, tanto na centralizada como na distribuída, geradores e consumidores estão bem atentos às novidades e tem evoluído bem, em consonância com tendências mundiais. No aspecto consumidores, além da regulação, o desafio é a parte que se relaciona com as distribuidoras, em especial aos medidores inteligentes, há muito o que se fazer, representa investimentos ponderáveis. Nesta parte estamos atrasados”, avalia.
Crescimento do mercado impulsiona investimentos das empresas
A América Energia, da qual Storfer é presidente, mantém uma política de investimentos em geração, tendo alterado apenas a composição das fontes. Tradicionalmente, possui geração hidráulica e continua a investir nela. São 13 usinas hidráulicas em operação, duas em final de construção e, ainda, mais nove no pipeline de desenvolvimento, com um mix de usinas para o mercado regulado e livre. Há três anos iniciou investimentos em solares e atualmente possui cinco usinas em operação e outras três em início de implantação, além de um parque eólico em desenvolvimento.
“Com relação a gestão de energia para consumidores, também temos uma grande participação no mercado e continuamente nos preparamos para os novos desafios. Especialmente considerando as novas características do mercado e as possibilidades de modernização. O consumidor é a razão de ser do mercado e temos um foco muito grande nele. Com a modernização, vem também os derivativos. Desde o primeiro dia participamos com operações feitas no BBCE e entendemos como muito promissor este mercado, tanto para nossas operações como sendo gestores de operações com terceiros”, traz Storfer.
Enquanto a Eneva, é uma empresa que contribui com geração a gás natural em regiões interioranas do país, aonde antes só chegava óleo diesel e óleo combustível, e isso tem contribuído muito para redução de emissão de gases de efeito estufa na matriz elétrica brasileira. Se considera a maior operadora privada de gás natural do país, com área total sob concessão superior a 50 mil Km2 nas bacias do Parnaíba (MA) e do Amazonas (AM). Seu modelo de negócios integra a exploração e produção de gás natural em terra a geração de energia elétrica. Seu parque térmico tem 2,8GW de capacidade contratada, sendo 78% operacional.
“Estabelecemos metas e adotamos medidas para controlar as emissões provenientes de nossas operações. Definimos limites internos mais restritos do que as emissões reguladas, e por meio do inventário de emissões do GHG Protocol alcançamos uma redução na intensidade de emissão por energia gerada em nossa operação – de 0,66 tCO2e/MWh para 0,60 tCO2e/MWh no período de um ano. Recentemente, publicamos nosso primeiro Relatório de Sustentabilidade, no qual descrevemos nosso compromisso pela busca por soluções mais sustentáveis e que não prejudiquem a estabilidade do sistema elétrico brasileiro. Em 2019, criamos a Eneva Ventures, um veículo de identificação e seleção de startups que estejam alinhadas com os nossos pilares de inovação e com a transformação digital na qual estamos inseridos. Queremos acompanhar o ambiente brasileiro de startups do setor de energia, que vem crescendo e se solidificando rapidamente”, destaca Paula Alves, controller da Eneva.
A possibilidade de um mercado varejista de energia inaugura um novo capítulo no setor elétrico brasileiro e cria um novo mercado para a comercialização. Trata-se de um passo importante para o setor elétrico. “Com isso, poderemos comercializar energia de nosso portfólio ou de terceiros para atender também a este mercado. Já a criação de ambiente para negociação de derivativos de energia pode aumentar a liquidez do mercado por meio da desvinculação do mercado físico de energia – como ocorre hoje, para um ambiente financeiro, com regras próprias. Esse ambiente poderá atrair agentes que não necessariamente atuam apenas no setor elétrico. Na dimensão do gás natural, estamos focados em viabilizar a comercialização para consumidores livres, com foco em regiões onde os gasodutos ainda não chegam, para isso vamos usar nossa operação de GNL em pequena escala”, finaliza Camila Schoti.