Em entrevista exclusiva, Zeina Latif, consultora econômica, traz as perspectivas para a economia no Brasil em 2021. Avaliação é que crescimento será modesto e cenário político ainda é o grande divisor de águas
Adentrando o fim do 1º trimestre do ano, a economia ainda não dá grandes sinais de recuperação. A expectativa é que os números não sejam bons devido ao imbróglio do governo federal em resolver a questão da vacinação para a imunização da população por causa da Covid-19. Não tem como haver uma dissociação, a questão sanitária definirá os rumos econômicos e impactará as políticas públicas e as tomadas de decisão, mas segundo Zeina Latif, consultora econômica, isso não significa que será um ano ruim. Para ela, dois pontos são preocupantes no Brasil: a questão fiscal e as eleições de 2022. Confira abaixo entrevista exclusiva com a economista sobre os principais pontos de atenção.
Revista ANEFAC: Como será o cenário de crescimento econômico (PIB) no Brasil para 2021?
Zeina Latif: Não existe espaço para uma puxada de crescimento esse ano. As estimativas do PIB na casa de 3%, ou algo assim, na verdade embute um quadro bastante modesto de uma economia praticamente andando de lado. Boa parte dessas projeções são associadas ao carrego estatístico do ano passado, em função da base de comparação baixa e a recuperação ao longo do segundo semestre. Como a econômica está andando de lado, obviamente ainda sujeita a oscilações, já existe uma expectativa de números bastante fracos no início desse ano, inclusive por conta das mudanças do auxílio emergencial.
O fato é que há muitas incertezas na área da saúde. Nós não teremos a imunidade de rebanho. A vacinação não será tão rápida quanto necessária e isso vai continuar contaminando as decisões econômicas dos consumidores e das empresas na hora de investir e contratar. Só o fato de haver muita incerteza com relação a saúde dificulta uma retomada, além disso, ainda têm todas as questões do lado fiscal e a fatura a ser paga da pandemia, que traz implicações para o ambiente macroeconômico, para o comportamento do dólar e taxa de juros e, assim por fim, nas decisões dos empresários.
Então, é um ano que não dá para a gente dizer que será ruim ainda mais depois do que foi o ano passado, mas será de inquietação e de preocupação em relação a uma economia que vai avançar muito lentamente e ter uma performance muito medíocre.
RA: Como fica o cenário econômico internacional? Principalmente, EUA e China?
ZL: O cenário internacional por hora não traz preocupações. As discussões sobre os estímulos monetários ainda são prematuras e ao mesmo tempo a gente tem uma volta do comércio mundial. Não é um dinamismo muito forte, mas de qualquer forma é um retrato mais positivo. Em relação a China e os Estados Unidos da América, a guerra comercial vai continuar, pois não era uma questão de governo, ou seja do Donald Trump, mas sim de estado. É um tema do Congresso Americano. O que pode acontecer é as conversas serem mais produtivas entre os dois países, porque apesar de ainda haver um foco do presidente Joe Biden em políticas mais nacionalistas, ele tem uma tendência a retomar agendas multilaterais, o que é positivo para o comércio mundial. Uma das vantagens do multilateralismo é porque não é possível resgatar muito rapidamente, mas de qualquer forma vai arejando o ambiente internacional.
A China e os EUA seguem em recuperação e esse é um dinamismo importante, mesmo que ainda não seja a mesma puxada que a gente viu ao longo do segundo semestre de 2020, a tendência daqui para frente é ter maior acomodação. Mas, tudo isso para dizer que não acho que o cenário internacional seja vento contrário, pode ser menos neutro. Com o comércio mundial avançando sem maiores preocupações, a recuperação da economia americana e chinesa e, ao mesmo tempo sinalizando agendas multilaterais adiante, vai ser muito importante para termos um ciclo de crescimento mundial mais robusto em relação ao ciclo passado.
O contexto no geral é benigno, teremos obviamente que monitorar a situação dos bancos centrais. Quanto mais rapidamente eles conseguirem desmontar essa montanha de estímulos paulatinamente, melhor vai ser. Acho que vai ser bastante positivo esse quadro.
RA: Neste ano, quais são os temas que nortearão a economia?
ZL: Infelizmente ainda vamos ter o tema da saúde, não tem como dissociar, pois vamos ter restrições. Não voltaremos de imediato à normalidade e isso vai impactar setores e gerar incertezas. Não significa que é um ano ruim em função disso, mas impactará às políticas públicas e às tomadas de decisão, mas de qualquer forma, para além da questão da saúde, acredito que o fiscal continuará uma fonte de preocupação.
A agenda do governo federal está muito indefinida. O fato de ter tido mudança no Congresso não muda muita coisa, praticamente nada, talvez até piore, pois estamos falando de uma liderança na Câmara que não tem a mesma clareza de reformas como tinha o deputado Rodrigo Maia (DEM). Não temos definição do governo e não vejo agendas relevantes avançando, em função disso, essas questões fiscais vão continuar gerando essas incertezas no mercado.
E, obviamente ao longo do ano, o tema da política deve crescer. Dessa forma, os mercados e os investidores estarão cada vez mais atentos a aprovação do presidente e ao surgimento de candidaturas alternativas à atual gestão. Com o tempo, vamos nos preocupar menos com a saúde e em compensação vai aumentar a preocupação e o foco passará às questões políticas devido as próximas eleições, e isso fará com que não haja grandes avanços na agenda legislativa.
RA: Com relação aos desenvolvimentos setoriais como energia, agronegócio, serviços e varejo, o que deve acontecer?
ZL: Agronegócio: é menos sensível ao ciclo econômico e com proteções naturais. Em situações mais adversas a gente vê o dólar subindo, mas não que isso vá aumentar o volume embarcado, mas ajuda a preservar ou aumentar a rentabilidade do setor. É um setor que pela sua dinâmica tende a ter boa performance. Não vejo maiores preocupações no cenário internacional, claro que temas ligados ao meio ambiente só crescerão. Vemos preocupações na China em relação a isso. Esse será o grande desafio para o agronegócio.
Serviços: tende a ser muito heterogêneo, ainda que menos do que aconteceu em 2020, mas muito dependente da questão da saúde. O sinal é positivo, apenas não sabemos o quanto, provavelmente heterogêneo, mas é claro que os serviços ligados à tecnologia devem seguir numa dinâmica bastante forte, e outros, que ainda dependem de mobilidade e das pessoas, ainda não vejo como ter notícias muito boas. Tanto pela recuperação lenta da economia como pela questão da saúde.
O varejo não é diferente, ficou muito claro que empresas que estavam estruturadas para fazer vendas on-line tiveram uma performance melhor. Não acho que há razões para a gente ter mudanças nesse sentido, talvez um mix conforme a questão da saúde vá reduzindo. Além de o mix de produtos mudar um pouco também, porque o que vimos ao logo de 2020 foram os produtos associados ao bem-estar no lar e isso tende a ser aos poucos alterados. O consumo foi puxado por políticas muito artificiais como os auxílios emergenciais, que foi uma injeção muito forte de recursos. Esses setores que despontaram em 2020 claro que tendem a ter uma performance mais modesta daqui para a frente. Em termos de dinâmica, tende a ser ainda heterogêneo mesmo que menos do que foi. Com setores que ficaram para trás, ganhando um pouco mais de força e nos setores que foram muito dinâmicos talvez a tendência seja acomodar. Vai continuar tendo uma diferença muito grande, não só por setores, mas por estratégias de empresas. Certamente as maiores e mais digitalizadas terão uma performance mais favorável.
RA: Quais as principais pautas políticas para 2021?
ZL: Ao longo do segundo semestre, a questão política vai ganhar maior atenção de investidores. A grande questão é saber quais candidatos devem ser alternativa ao Jair Bolsonaro. Está cada vez mais claro, para os agentes econômicos, que o presidente brasileiro não é reformista e não tem clareza de agenda econômica. Portanto, seria muito importante termos um candidato de centro competitivo e com perfil reformista e liberal. Esse será um ponto de atenção porque é muito importante para os preços de ativos. Mesmo com o governo cometendo seus equívocos e a situação fiscal tão frágil, se o mercado enxergar as chances de uma candidatura de centro competitiva, ajudará muito a acalmar as tensões e evitar maior volatilidade. É claro que esse quadro não é para já, é para 2022, mas a tendência dos investidores é antecipar e começar a monitorar as movimentações ainda que marginalmente.
Sobre a questão de impeachment sou cética, não com os elementos que temos na mesa. Apesar da fraqueza da economia e da saúde, não é como se viu em 2015 e início de 2016, que era de fato um quadro econômico que gerava inquietação na sociedade, para além, é claro da corrupção. Não acho que isso se materialize. Apesar dos equívocos do governo, ele ainda demonstra certo pragmatismo, e porque determinados erros de política econômica demoram a se materializar. E, aqui, os erros são associados a oportunidades perdidas na verdade. Na questão da saúde foram erros concretos, que reduzem a popularidade. Não acredito que esse tema de impeachment vá prosperar, ainda mais com as atuais presidências na Câmara. Não será um ponto de atenção para os mercados, não central pelo menos.
RA: O índice de desempregados é bastante grande. Haverá alguma mudança nesse cenário?
ZL: Em função de um quadro de uma economia medíocre e das incertezas, que faz com que os empresários limitem contratações, investimentos e aumento de planta, a questão do trabalho continua bastante frágil. Em termos de taxas de desemprego, a tendência é que se mantenha elevada. Ao mesmo que não tem geração de vagas ou que ela seja lenta, e o segundo semestre não foi ruim nesse aspecto, mas deve haver uma acomodação. Não podemos esquecer que não há muitas pessoas procurando emprego por causa do isolamento, mas passado o auxílio emergencial e o isolamento, a tendência é ter uma retomada da busca por emprego. Mas é certo que os indicadores, por esse lado, vão continuar bastante frágeis.
Uma preocupação, onde a gente vê um crescimento de vagas é nos setores que dependem de uma qualificação de mão de obra. Os empregos de menor qualificação, que são porta de entrada para muitos jovens, são mais difíceis. E, isso têm complicações, há geração de vagas, mas ao mesmo tempo não há mão de obra a altura dessas vagas. Então, se tem um contingente da população que vai ficar desempregada por causa da macroeconomia, e o ambiente macroeconômico é mais difícil, porque o crescimento é modesto, mas também há aquelas que ficam por falta de qualificação. Essa sim é uma agenda emergencial para se debruçar, porque mesmo que se tenha a volta forte da economia lá para a frente, vamos ter esse problema claro de qualificação da nossa mão de obra. Especialmente, nesses tempos de transformações tecnológicas, esse é um ponto que deveria ter maior foco de políticas públicas, inclusive pensando nas consequências disso para o ambiente social.
RA: Com o fim do auxílio emergencial, que uma hora irá acabar, e os gastos do governo com ele, o que podemos vislumbrar?
ZL: Possivelmente em um cenário fora do teto, não vimos propostas do governo, reformas que permitissem esse remanejamento, eliminando algumas despesas. Claro que é mais modesto, mas uma política bastante expressiva de transferência de recursos, de qualquer forma não é um bom desenho. Uma coisa é a gente saber que precisa, mas o problema do governo foi não ter se debruçado em encontrar formas de encaixá-lo no orçamento e, tão pouco, houve interesse do presidente de enfrentar essa agenda. Significa que o governo precisa fazer escolhas. Ele está puxando a corda o máximo possível, mas isso significa que começará a ter volatilidade nos mercados. E, essa é a senha para o governo reavaliar, porque se isso gera maiores pressões e o Banco Central tem que subir os juros mais rapidamente e todas as implicações no dólar, então o governo tende a reavaliar. Fica essa incógnita. A questão fiscal é um grande tema, mas não sabemos se é possível o governo testar esses limites.
RA: Inflação e política monetária?
ZL: Para começar, preciso colocar a minha visão ao longo de 2020, que era de que a inflação não estava morta. Poderia haver uma aceleração, porque aquela na casa de 2% era absolutamente artificial e, ao mesmo, se escondendo e não revelando o potencial de elevação quando se olhava a inflação de bens finais no atacado. Ficava bastante claro, que uma vez que as empresas no varejo tivessem que recompor estoques, os preços iriam ser muito mais elevados e, ao mesmo tempo, tinha uma inflação de serviços muito baixa, mas absolutamente artificial. Os próprios indicadores de inflação, como o IPCA, não estavam adequados ao que tem sido a nossa cesta de consumo e isolamento. Não era um bom guia. Em função disso, e de perspectivas de saúde e economia de uma retomada longa, a minha avaliação é que o Banco Central deveria ter ido mais devagar no corte da taxa de juros. Indo aos poucos, avaliando, até porque não estávamos com taxas tão elevadas assim. A minha defesa, ao longo do ano passado, era que o BC deveria ir mais devagar, guardar munição, observar a inflação e o comportamento da economia, pois quando o câmbio começou a ficar volátil, já achei que estava associado a juros muito baixos, ainda que o fiscal seja a questão principal.
Apesar dessa minha preocupação, não acho que vai ter um quadro de aceleração inflacionária, é claro que vai ter um momento no 1º semestre que as variações ano contra ano vão ser elevadas, na casa de 6%, em função da base de comparação baixa, mas não vejo uma aceleração que levaria o BC a puxar juros de forma mais significativa. O BC tem sinalizado um ciclo de normalização da política monetária, vale aguardar um pouco, pois tem um desmonte de estímulos que trará efeitos. Com isso, se inicia a normalização, mas de qualquer forma, não se vislumbra um cenário de elevação mais significativo. É uma volta paulatina, mas que claro na parte já precificada mexe com os mercados, mas não vai ter maiores consequências na atividade econômica. Até porque parte já foi precificada e está embutida nas curvas de juros. Esse é um tema que os mercados vão monitorar, mas não é o grande tema para 2021. O grande tema para 2021 é a combinação da questão da saúde e fiscal e, no banco de trás, a política.
RA: Câmbio: dólar abaixo de R$ 5?
ZL: Quando olho os modelos e, vejo colegas com mesma visão, considerando o cenário internacional, se aqui as coisas tivessem mais normalizadas, o câmbio estaria mais na casa de R$ 4.5. Apesar disso, tem um certo consenso que o câmbio está fora de lugar, eu tomaria mais cuidado. Vejo com ceticismo. Com a atual sinalização da política econômica, não acredito em grandes guinadas no sentido de termos a retomada de agendas. A janela de retomada das oportunidades neste ano é pequena, no segundo semestre a classe política vai olhar outros temas. O próprio presidente não vai querer enfrentar temas polêmicos que mexam com, por exemplo, funcionalismo, no atual contexto. As reformas fiscais mexem com grupos organizados. Quando a gente pensa em renúncias tributárias, isso mexe em vários setores da economia, dessa forma, acho difícil avançar. A questão da reforma tributária, entra nesse grupo, não vejo o Bolsonaro disposto a fazer esse enfrentamento, porque tem um custo político elevado e um benefício mais modesto, ou seja, o efeito prático é pouco.
Não consigo, nesse sentido, ver essa gordura, entre a taxa de câmbio e o que seria esperado diante do quadro internacional, não vai ser queimada tão cedo. Só seria queimada num contexto já de um quadro político mais favorável de uma candidatura de centro se materializando. Portanto, não seria para esse ano. Vamos continuar com a moeda bastante volátil, pois mesmo o BC subindo juros é um movimento lento. E, o mais importante para as incertezas fiscais não vejo grandes alívios. Pelo contrário, têm os riscos de furar o teto que estamos vendo com os auxílios emergenciais. Vai contaminar o ano.
RA: O que vai acontecer com as reformas definitivamente?
ZL: Um ponto com relação a reformas, não vejo a aprovação de autonomia do Banco Central como uma sinalização para rapidamente outras reformas serem aprovadas. Acho que foi um sinal que a Câmara quis dar de um tema que não era urgente. Até porque já temos um BC com bastante autonomia de fato. Esse não é um ponto prioritário para o país. O congresso quis passar uma mensagem, não se deve tomar essa aprovação de autonomia como sendo sinalização para outras reformas que estão por vir, claro que têm reformas de outros setores, como marcos regulatórios, como citei do gás, mas isso depende menos de articulação do executivo. São temas de interesse do setor privado e que não tem a necessidade de enfrentamento de grandes grupos, diferente de grandes reformas.