No artigo anterior, “Como os liderados percebem seus Líderes?” (se não leu, recomendo que o faça [clique aqui], pois este artigo é a continuidade), eu trouxe achados sobre estilos da liderança e um pouco das visões com a divisão geracional (baby boomers, geração x, y e z) que habitam atualmente o mundo do trabalho. Para este artigo, o foco será a questão de gênero, mais especificamente homens e mulheres, já que o tema “gênero” abre o debate para uma enorme gama de possibilidades, o que não é o caso aqui.
A consultoria McKinsey no seu relatório Why Diversity Matters, aponta que a diversidade é uma alavanca de performance financeira superior, entendendo a diversidade no ambiente de trabalho como, por exemplo, uma maior proporção de mulheres, além de uma composição étnica e cultural mais variada na liderança das empresas. Talvez isto seja óbvio hoje, mas nem tanto quando a ONU (Organização das Nações Unidas) lançou o programa HeforShe (Eles por elas, em português) em setembro de 2014, visando aumentar o número de mulheres em posições de liderança mundo a fora.
O levantamento Women in the workplace de 2018, do Fórum Econômico Mundial, apontou que as mulheres continuam sub-representadas em todos os níveis, e o progresso em relação à diversidade de gênero no ambiente de trabalho está praticamente paralisado, muito embora as mulheres venham conquistando mais diplomas de bacharel do que os homens.
Para se ter uma ideia, o ranking das 500 empresas da Forbes mostra que menos de 15% destas companhias são dirigidas por mulheres. No S&P500, que em tese estão mais comprometidas com a igualdade de gênero do que empresas menores, a proporção de mulheres diminui com o aumento do poder da posição, apenas 6% são CEOs mulheres nestas organizações.
Mesmo que a inclusão ofereça ganhos econômicos, avaliado num aumento do PIB (Produto Interno Bruto) mundial de US $ 12 trilhões, o que é praticado hoje, ainda está distante do que seria o ideal de representatividade.
Muito se fala sobre ter mais mulheres nas posições de liderança, mas ainda não há consenso sobre quais os motivos de elas não chegarem aos níveis mais altos da hierarquia organizacional, assim como em relação ao estilo de liderar.
Uma das justificativas oferecidas é a pouca presença feminina em cargos considerados mais estratégicos. A National Association for Female Executives, parte do instituto de pesquisa Working Mother, através de suas pesquisas, aponta que as mulheres têm menos acesso a oportunidades e informações sobre carreira nas empresas, na comparação com os colegas homens. Outra razão, levantada pelo professor Chamorro-Premuzic, poderia ser a falta de barreiras para o crescimento profissional dos homens.
Essas reflexões levaram ao questionamento sobre a possível diferença entre os estilos de liderança de homens e mulheres. Talvez isto pudesse explicar a razão de apenas 23% das posições de liderança no mundo das finanças e contabilidade serem ocupadas por mulheres.
Como vimos no artigo anterior, nenhuma teoria ou ciência conseguiu até agora esgotar o assunto “liderança”. Tampouco, nenhuma ciência tem exclusividade sobre o tema, isto porque as fronteiras não são muito claras entre elas, liderança é objeto de estudo de historiadores, biógrafos, psicólogos, sociólogos, profissionais de ciência política e outros.
Porém, independentemente da teoria ou ciência, todos praticamente ignoraram, até os anos 70, as questões de gênero na liderança. Para se ter uma ideia, masculinidade chegou a ser atribuída como um traço de liderança.
Esta é uma reflexão importante proporcionada pela pesquisa, pois a desproporcionalidade presente no grupo analisado, predominantemente ocupado por homens, leva há uma percepção também predominantemente masculinizada sobre os estilos de liderança.
No início dos estudos sobre liderança, no final do século XIX e início do século XX, a pergunta era: As mulheres podem liderar? Depois, com o crescente número de mulheres em posições de liderança, a pergunta passou a ser: Homens e mulheres lideram de forma diferente? Ou: Os homens são líderes mais eficazes do que as mulheres?
Uma vez esclarecido, pela ciência, que não existem diferenças biológicas que justifiquem competências diferentes para liderança entre os gêneros. E, já que as sociedades associam masculinidade e feminilidade com uma série de atributos que, em sua maioria, não têm base biológica: “a biologia permite, a cultura proíbe”, estamos finalmente perguntando: Por que as mulheres estão sub representadas nas posições de liderança?
Uma barreira invisível parece impedir que as mulheres cresçam. Esta barreira foi apelidada de “glass ceiling”, em português, “teto de vidro”, termo introduzido por dois jornalistas do Wall Street Journal, em 1986. Posteriormente, Sheryl Sandberg do Facebook, em seu livro: “Lean in”, lançado em 2013, criou a metáfora “jungle gym”, “academia da selva” numa tradução livre.
O problema é que, na maioria das vezes, são os traços apresentados que definem as escolhas para a liderança. Por exemplo, confiança excessiva, dentre outros, formam um conjunto poderoso que, devido aos vieses cognitivos dos selecionadores, acabam prevalecendo nas escolhas.
A confiança excessiva não é necessariamente uma competência, pode ser até considerada um tipo de distúrbio. Muitas vezes, ela é responsável pela demissão de gerentes, diretores e CEOs que antes eram tidos como visionários. Mas, enfim, líderes com confiança excessiva levam vantagem no recrutamento, e como as mulheres possuem maiores níveis de empatia e menor assimetria entre a inteligência cognitiva e a emocional, tendem a ser mais prudentes ou simplesmente vendo a realidade, acabam sendo prejudicadas na escolha, já que lhes falta essa confiança exacerbada.
Curioso é que para os homens, parecer confiante é traduzido como influência, mas para as mulheres não. Para elas, além de confiantes precisam ser vistas como competentes e carismáticas, as três características precisam estar juntas para produzir o mesmo efeito.
O carisma, que apesar de não ser um traço de personalidade e só existir na percepção dos liderados sobre o líder, também tem relevância na escolha e, neste aspecto, as mulheres levam mais uma desvantagem. Como raramente ocupam cargos de liderança sênior, há menor propensão a considerá-las carismáticas e, como não são vistas como carismáticas, supõe-se que elas não são boas líderes. Levando-se a uma situação que lembra a história de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
No estudo, que avaliou os estilos tarefa, relacionamento e situacional, foi evidenciado que as líderes mulheres são bem avaliadas nos estilos tarefa e situacional, tanto por lideradas mulheres quanto por liderados homens. Isto pode representar um problema, já que o gerenciamento de impressões é uma habilidade importante para progredir no trabalho, ou seja, relacionamento é essencial para o alcance de posições de liderança, ainda mais sênior. Já o foco na tarefa não tem o mesmo efeito.
A ciência de forma geral não suporta as crenças sobre a maioria das diferenças entre homens e mulheres. Ambos, de uma maneira geral, são muito semelhantes em suas inclinações, atitudes e habilidades. Isto significa que a opinião popular sobre muitas ditas diferenças não tem fundamento científico, até porque as diferenças não estão enraizadas em traços de gênero fixos. As diferenças estão relacionadas a contextos e, o local de trabalho é um deles.
Os contextos e práticas, incluindo os empresariais, posicionam homens e mulheres de maneiras diferentes, criando experiências sistematicamente diferentes entre eles e elas. E, quando seres humanos enfrentam circunstâncias diferentes, eles tendem a responder de maneira diferente, não por causa do sexo, mas por causa das situações.
Como bem disse Margaret Atwood, em 2007: “ainda pensamos em um homem poderoso como líder nato e uma mulher poderosa como uma anomalia”
Quando exibem traços de um estereótipo masculino, as mulheres são dispensadas por não serem uma mulher típica; quando exibem traços de um estereótipo feminino, são dispensadas por não serem um líder típico.
Por fim, considerada apenas a dicotomia entre homens e mulheres, buscou-se neste artigo trazer mais análises sobre a pesquisa nacional feita com liderados de finanças e contabilidade, um grupo que abrange muitos profissionais no Brasil. Este artigo, somado ao texto do artigo anterior, servem como base para as áreas de gestão de pessoas de empresas que podem se beneficiar com o entendimento e aprofundamento das questões aqui trazidas, não apenas olhando para as lideranças atuais, mas também pensando em ajudar no desenvolvimento e formação das futuras.
*Artigo escrito por Emerson W. Dias que é vice-presidente de Capital Humano da ANEFAC e autor de O inédito viável