Lord Excrachá é um ex-executivo que abandonou o mundo corporativo. Depois de tanto tempo vivendo a rotina nem sempre eficiente das organizações, moldou-se ao ambiente com um quê de sarcástico, mal-humorado, e, inegavelmente, um tanto cômico. Escrachar… Isso é com ele mesmo!
Passei toda a minha vida ouvindo da minha mãe que coisa boa era coisa natural. Sucos feitos a partir da fruta são melhores que sucos de pozinho, dizia ela.
Cresci com a ideia de que coisa artificial, não! Comida artificial, sorriso artificial, gente artificial e por aí vai. Hoje em dia tem até praia artificial com ondas artificiais, assim como parque de esqui com neve artificial e campo de futebol com grama artificial.
Até AI tudo estava indo bem, o mundo parecia distinguir as duas coisas, mas agora, voltando do último Congresso ANEFAC, aprendi que o que me ensinaram na escola, de que a espécie humana se diferenciava dos animais porque era capaz de raciocinar, danou-se. Parece que a inteligência também aderiu a moda artificial e, pelo que vi, está ameaçando o emprego de muita gente, inclusive dos meus amigos contadores. O Silvio Meira[1] deixou muita gente sem dormir desde sua palestra. O mar – não de Pernambuco, mas da angústia – se lançou sobre todos eles.
Sobre quem eu vou escrever minhas crônicas se a profissão acabar? Vivenciei este pensamento por várias noites, mas num súbito momento lembrei-me de Frankenstein, o romance de Mary Shelley que inclusive este ano completa 200 anos de sua primeira publicação.
O romance retrata o medo do homem sobre o avanço da máquina [a vapor] roubando o seu trabalho nas fábricas. Frankenstein era o ápice da inventividade humana – dar vida a um ser criado pelo homem. O que depois se transformou em arrependimento ao ver que se perdeu o controle de própria criação, já que ela não saiu exatamente com se pensava.
Duzentos anos depois estamos aqui sentindo o mesmo medo. Porém, se hoje tememos o avanço da Inteligência Artificial é porque James Watt (1736-1819) inventou a máquina a vapor. Se hoje escrevo aqui é porque em meados de 1400 Gutemberg criou a prensa e automatizou o processo de produção de livros. Ambos desempregaram alguns profissionais, mas possibilitaram a criação de centenas de outros trabalhos indiretamente.
Da primeira máquina fotográfica [daguerreótipo] até assistir um vídeo em realidade aumentada via celular, nem percebemos que surgiu o cinema, a TV, e que acender uma lâmpada com um botão é tão simples que nem nos damos conta da existência da eletricidade, a não ser quando falta ou quando cai o Wi-Fi. Mas, espera AI: quem, ao discutir sobre a máquina a vapor e os empregos que ceifava, previa o cinema ou imaginaria que as pessoas ficariam em casa assistindo um equipamento que transmitiria imagens (TV)? Essas verdadeiras indústrias de hoje só foram possíveis com a eletricidade e derivam de tudo que foi possível fazer após a máquina a vapor.
Então, venha cá meu amigo contador! Será mesmo que essa Inteligência Artificial vai roubar o seu lugar? Ou será que não é você que estava roubando o lugar dela há algum tempo?
O ser humano é capaz de encontrar soluções para progredir. Tem sido assim há milhares de anos, e já passamos por três revoluções industriais. Se estamos na quarta, não será essa a nos frear. Não sairemos dela como entramos! Sairemos melhores, com novos olhares, novas soluções e, certamente, novas tarefas. Mas me pergunto: Por que temos sempre medo do novo?
Em capacidade de processamento de dados não temos como competir com as máquinas. O maior enxadrista do mundo já sabe disso. Com relação à força física, idem. Qualquer fortão de academia nunca venceu um trator, nossos olhos não tem visão com infravermelho, nos cansamos, precisamos de férias e por aí vai.
A máquina sempre será melhor nessa competição onde tudo é matemático, algorítmico e com muitos dados que, para elas, é fácil processar. Mas e com poucos dados? Como se toma esta decisão? Com feeling, percepção, intuição, emoção, empatia, criatividade e liderança. E aí não tem jeito: somos e seremos sempre melhores.
Temos medo, e o medo nos faz escapar da morte, nos dá juízo. É verdade que algumas vezes atrapalha, principalmente quando é algo imaginário. Só nós temos essa capacidade. Estamos agora diante do medo da falta de trabalho. É hora, mais do que nunca, de desenvolvermos nossa inteligência emocional (conjunto de competências emocionais e sociais) para lidar com a artificial. A emoção é o grande motor propulsor do comportamento humano e investigá-la será cada vez mais necessário. Enquanto isso ficamos com o medo do desconhecido, como criança assustada debaixo do cobertor, ouvindo passos que são apenas barulhos causados pelo vento.
Como disse o psicólogo Amos Tversky: “Enquanto meus amigos se ocupam em estudar a Inteligência Artificial, eu me contento em tentar entender a estupidez natural (do homem).”
Se você tem um causo inusitado, engraçado ou curioso envolvendo o mundo corporativo para contar, envie para esta coluna pelo e-mail comunicacao@anefac.com.br, que nosso lorde está pronto para escrachar. Mas pode ficar tranquilo, como todo lorde que se preze, Lord Excrachá é discreto. (Importante: As identidades dos colaboradores desta coluna não serão divulgadas.) Lord Excrachá é criação de Emerson W. Dias, diretor de Liderança e Gestão de Pessoas da ANEFAC e fundador do portal e da série de livros O Inédito Viável.