Em reforço aos 50 anos de história, Associação pleiteia igualdade de obrigações de transparência e prestação de contas entre setor público e privado
Por Jennifer Almeida
“Todos nós vivemos como cidadãos na empresa Brasil. Agora precisamos colocar ordem nessa empresa em linha com a verdadeira República – com origem do latim res publica – ‘coisa pública’”, declara Edmir Lopes de Carvalho, presidente da ANEFAC no início da “Carta da ANEFAC – Nossa Empresa Pública Brasil”. O documento, divulgado recentemente pela entidade, marca seu compromisso com a transparência em todas as frentes e conclama a sociedade a um movimento de consciência para a importância da igualdade de obrigações de prestação de contas das entidades do setor público tanto quanto do setor privado. A carta tem ainda como objetivo destacar o papel das entidades e organizações do mercado nesta empreitada.
“Estamos com controles internos insuficientes, pouca transparência e contabilidade antiga (prestação de contas)”, ressalta Edmir, que explica que de cada R$ 100 produzidos pelas empresas no Brasil, o setor público consome, no geral, R$ 43, comprovando que o governo adota as melhoras práticas para captação de recursos, porém, enfraquece na prestação de contas de seus gastos.
Nos seus 50 anos de história, a ANEFAC vem se empenhando em levantar a bandeira da transparência seja no setor público ou privado, promovendo debates e incentivando, cada vez mais, seus associados a levarem esse discurso para dentro de suas empresas. “A Serasa Experian considera esta iniciativa de extrema importância para o desenvolvimento do país, já que as discussões, networking e conhecimento promovidos pela entidade contribuem para melhorar cada vez mais o relacionamento das empresas com os diversos públicos”, comenta José Luiz Rossi, presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina.
Rossi acredita que a promoção da transparência é essencial para a construção de um Brasil mais justo e com menos corrupção. “Entidades como a ANEFAC têm o importante papel de disseminar informação para conscientizar a sociedade, empresas e governo”, afirma. Um bom exemplo da contribuição da ANEFAC citado por ele é o Troféu Transparência, que há mais de 20 anos reconhece as empresas que apresentam as demonstrações financeiras mais transparentes do Brasil. Para ele, posicionamentos como este colocam o tema em pauta e trazem a reflexão para a sociedade.
“Tenho a honra de, desses 50 anos, ser associado da ANEFAC há 35. Acredito que a entidade entende a importância da informação e do conhecimento como armas para incentivar a governança e a transparência. Os meios de comunicação mantidos pela entidade, as premiações que reconhecem boas práticas de empresas e profissionais, a série de eventos técnicos, entre outras iniciativas, fazem da Associação uma referência”, destaca Raul Corrêa da Silva, presidente da BDO no Brasil.
Transparência pública x transparência privada
Charles Holland, conselheiro da ANEFAC, informa que o setor público – seja nas esferas federal, estadual e municipal, inclusive nas executivas, legislativas e judiciárias – não sabe quanto tem de ativos realizáveis e imobilizado, passivos previdenciários de funcionalismo, aposentados e aposentadorias em bases atuariais. Segundo sua visão, os dirigentes do setor público administram hoje as entidades públicas no escuro.
“Está mais do que provado por experiência de alguns países que o desenvolvimento sustentável da nação necessita do equilíbrio entre as frentes que compõem o poder público, as empresas privadas e as organizações não governamentais, sempre com foco no social, ambiental e econômico”, aponta Amador Alonso Rodriguez, presidente do Conselho de Administração da ANEFAC.
Em sua opinião, houve muita evolução em várias dessas frentes nos últimos anos, com grandes conquistas e, neste momento, o que mais precisa de atenção é a prestação de contas do poder público, principalmente dos órgãos com a finalidade de gestão de parte da sociedade, como estados, municípios e a União Federal. “Temos uma oportunidade ímpar de impulsionar essa frente e garantir o direcionamento da riqueza do país advinda de tributos em prol da redução da desigualdade social e do desenvolvimento do Brasil de forma mais acelerada”, complementa.
Holland ressalta que as diferenças da contabilidade no setor público e no setor privado são gritantes. No setor privado, é possível observar evolução, especialmente com as Leis 6.404/1977 e 11.638/2007. “Somos líderes em qualidade e transparência em termos mundiais no setor privado e lanterninhas no setor público, ou seja, ficamos parados neste quesito. Obedecemos uma lei jurássica de prestação de contas, de 1964, época em que a informática estava nascendo”, destaca.
Amador Alonso Rodriguez lembra que o Estado brasileiro apresenta tamanho e gastos incompatíveis com a realidade do país. “A melhor forma de avaliação das maiores distorções e definição das prioridades é a divulgação de prestação de contas com primor técnico, similar à existente em países desenvolvidos”, sugere. A carta da ANEFAC destaca: “o ponto crucial é que as contas públicas são baseadas em regime de caixa (recebimentos e pagamentos)”; e “os modelos contábeis mais modernos adotam um controle mais efetivo das contas públicas com maior transparência aos cidadãos e maior confiabilidade da sociedade em geral”.
Para Raul Corrêa, a prestação de contas de gastos públicos deveria ser inserida em balanços que possam ser entendidos e analisados por qualquer contador, com resumos para a população em geral, e que estejam alinhados com os padrões internacionais adotados pelas empresas privadas. “Um modelo interessante pode ser o das empresas de capital aberto, que reúnem os principais dados numa apresentação sintética, antes de entrar nos detalhes”, sugere.
Segundo Rodriguez, há uma frente aberta ganhando corpo a cada dia com o apoio de importantes entidades associativas do país, a qual defende a criação de legislação específica para que órgãos públicos elaborem demonstrações contábeis com padrões internacionais, e que passem a apresentar para a sociedade (os verdadeiros “acionistas” desses órgãos) o real resultado de suas respectivas gestões.
O papel das entidades e organizações do mercado é fundamental para levantar esta bandeira e promover o debate acerca do tema, bem como pleitear mudanças factíveis. Charles Holland reforça a ideia de que no Brasil as mudanças são aceleradas e aceitas se tiverem a força de lei, por isso, a sociedade brasileira precisa exigir dos representantes uma lei que torne obrigatória a adoção das normas internacionais de contabilidade – IPSAS (International Public Sector Accounting Standards) – nas entidades do setor público brasileiro. “A ANEFAC é a pioneira no pleito público de adoção das IPSAS para prestação de contas de todas as entidades do setor público”, informa.
Mobilização para a transparência
O presidente da BDO do Brasil não acredita que o problema seja controles internos insuficientes ou uma contabilidade antiga no caso do setor público brasileiro. “O mundo mudou, e tanto o poder público quanto a iniciativa privada precisaram se adaptar a esta nova realidade”, opina. No caso da iniciativa privada, Corrêa afirma que a busca pela transparência e por padrões globais de contabilidade foi motivada pela necessidade de se aproximar dos mercados internacionais e alcançar novas oportunidades de negócios.
“Mas quando falamos do poder público, apesar de existirem controles internos e contabilidade, a necessidade de melhorar a transparência é lenta por falta de poder de mobilização da própria população”, acredita. “Outro fator é a organização política, que também impede correções do sistema em funcionamento e faz do Poder Executivo uma presa do apoio parlamentar e, com isso, a relação entre gestão política e administração pública é prejudicada”, complementa.
Em sua visão, só a pressão mais efetiva da sociedade pode mudar a maneira como o governo informa os cidadãos, mas como nem todos têm formação para participar dessa pressão, entidades representativas de profissionais do setor assumem um papel fundamental.
Rossi, da Serasa Experian, destaca a “Carta da ANEFAC – Nossa Empresa Pública Brasil”, como um exemplo de contribuição no sentido de mobilizar a sociedade, empresas e governos para um futuro mais justo. “Mais uma vez, a iniciativa é capaz de mobilizar a sociedade e contribuir para um futuro mais transparente e mais justo”, acrescenta.
O presidente da ANEFAC faz um convite a todos os cidadãos para que se juntem à iniciativa, exigindo dos representantes públicos uma solução para este problema. “Estamos em ano de eleições e precisamos saber o quão comprometidos estarão nossos futuros congressistas com essa bandeira de transparência na gestão pública”, conclui Carvalho.