Para o ministro da transparência, Wagner Rosário, não há como negar o avanço da transparência no Brasil, ainda que o caminho a ser trilhado esteja bem longe do fim. Ao considerar maior o nível de transparência nas empresas públicas, ele sugere que algumas das práticas adotadas pelos órgãos públicos possam servir de referência para as empresas privadas. Destaca ainda que a cgu (controladoria-geral da união) tem buscado sensibilizar as empresas para que adotem uma postura para além do que prevê a legislação, num gesto de transparência voluntária do que é interesse da sociedade. “Atualmente o foco das empresas continua sendo apenas o investidor, mas precisa ser também o cidadão”, afirma. Conheça mais sobre a visão do ministro na entrevista a seguir:
Revista ANEFAC: Qual sua avaliação sobre a transparência das empresas brasileiras hoje?
Wagner Rosário: Em evolução. Há um grande caminho ainda a ser percorrido tanto em relação ao número de empresas, que começam a divulgar seus dados institucionais, quanto em relação aos tipos de dados que podem ser divulgados em benefício do cidadão. Acredito que o nível de transparência das empresas no Brasil precisa ser incrementado. Temos que evoluir na implementação de política de transparência na área privada que ultrapasse a simples publicação das demonstrações contábeis, buscando oferecer aos interessados informações que possibilitem demonstrar de forma ampla, e em linguagem acessível, o adequado cumprimento das obrigações legais por parte das empresas.
R.A.: O que mudou nas últimas décadas?
W.R.: Não há como negar que houve um significativo avanço na pauta de transparência, tanto na esfera pública quanto na iniciativa privada. No que se refere à iniciativa privada, esse avanço é fruto de um crescente interesse da sociedade em conhecer o cumprimento do papel institucional e social que toda e qualquer empresa tem, seja por meio do recolhimento de tributos, da sua relação com os órgãos e entidades governamentais ou pela própria atividade exercida pela empresa.
Outra mudança significativa ocorrida no que se refere à transparência nas empresas privadas decorreu do processo de privatização pelo qual passou a Administração Pública brasileira nas últimas décadas. Com a concessão para que empresas privadas passassem a prestar serviços públicos, natural que o interesse pela transparência das informações relacionadas às concessões sofresse significativo aumento, necessitando, assim, que novas práticas e instrumentos de transparência passassem a ser adotadas pelas empresas privadas.
Podemos apontar ainda um florescimento de entidades sem fins lucrativos que se ocupam de temas como a ética, a própria transparência em si, que alertam o cidadão comum, que normalmente não tem tempo para se informar da relevância desses temas pelo ritmo de vida que levam, e de ser vigilantes quanto à relação do poder público com o setor privado. Esse florescimento se deu paralelo aos avanços tecnológicos na forma como se divulga a mídia e se faz comunicação. O poder público passou a entender essa importância e busca acompanhá-lo.
R.A.: Qual foi o principal fator que influenciou a disseminação da importância da transparência entre as empresas brasileiras?
W.R.: Ao longo dos últimos anos tivemos melhorias significativas, como a Lei de Acesso à Informação (LAI); a Lei Anticorrupção, que demanda das empresas uma postura de engajamento ético mais explícito, o que passa pela disseminação das estruturas de compliance nas empresas e pela transparência; a Lei das Estatais; e o esforço de alinhamento do Brasil a padrões e convenções internacionais de transparência. No entanto, é muito difícil identificar o principal fator que contribuiu para a disseminação da importância da transparência entre as empresas brasileiras. Certamente o incremento da transparência no setor público, gerando na sociedade a percepção de que o setor privado também necessita de uma política de transparência, e o momento atual do nosso país – de intolerância com a corrupção, são fatores primordiais nesta disseminação.
R.A.: O senhor acredita que o nível de transparência é o mesmo nas empresas públicas e privadas?
W.R.: Certamente o nível de transparência nas empresas públicas é bem maior do que nas empresas privadas. Temos que ter sempre em mente que, por se tratar de empresa pública, as exigências de transparência, tanto legais quanto por parte da sociedade, fazem com que a implementação de práticas e instrumentos de transparência sejam mais significativos.
R.A.: Quais são os fatores que entravam a transparência?
W.R.: A cultura de que as empresas não precisam ser transparentes; a falta de envolvimento da alta gestão para a adoção de medidas que disseminem a importância da transparência; o medo de que a transparência possa afetar a competitividade da empresa; receios de fraudes, manipulação de dados, má interpretação dos dados e a própria falta de uma cultura de transparência em si.
R.A.: Qual é a importância de iniciativas como o Troféu Transparência na valorização e evolução da transparência ao longo do tempo?
W.R.: Trata-se de importante ferramenta para o fomento da transparência entre as empresas brasileiras. Com esse tipo de iniciativa é possível disseminar as boas práticas adotadas em algumas companhias e desmistificar o argumento de que a transparência pode prejudicar a capacidade de competitividade da empresa.
R.A.: Qual é o enfoque atual dos esforços da CGU?
W.R.: O principal enfoque atual da CGU é fazer com que tanto a sociedade quanto os gestores públicos entendam que a transparência não é só um direito da sociedade, mas também tem que ser encarada como uma política pública. No campo público, além de ampliar a divulgação dos dados de interesse da sociedade, fazer com que essas informações sejam compreendidas pelo público em geral por meio de uma linguagem cidadã e que a obtenção desses dados seja facilitada por plataformas tecnológicas modernas que privilegiem uma interface de fácil manuseio e visualização das informações que se buscam, como é exemplo o novo Portal da Transparência. Para esfera privada, temos buscado sensibilizar as empresas para que adotem uma postura transparente para além do que prevê a legislação, num gesto de transparência voluntária do que é interesse da sociedade. Atualmente o foco das empresas continua sendo apenas o investidor, mas precisa ser também o cidadão.
R.A.: O que é preciso para mudar a cultura de uma empresa que não tem o hábito de adotar práticas de transparência? Como pode ser feito?
W.R.: Inicialmente é preciso demonstrar para a alta administração da empresa quais os benefícios que a transparência vai trazer para o seu negócio. É preciso também mobilizar e engajar todo o corpo de colaboradores da empresa para que passem a adotar e sugerir medidas que incrementem a transparência na sua empresa.
A alta gerência deve se convencer de que a adoção de uma postura mais transparente cria uma conexão com a sociedade e ganho de imagem e de credibilidade à empresa, que passa a ser associada a valores caros à cidadania. Assim como as empresas buscam criar um elo com seus clientes por meio da fidelização de seus produtos, devem conquistar a confiança da sociedade por meio da transparência. Empresas mais transparentes são constantemente colocadas à prova gerando a obrigação de busca de melhorias constantes.
R.A.: Quais são os benchmarks da transparência que deveriam ser seguidos pelas empresas brasileiras?
W.R.: Algumas das práticas de transparência adotadas pelos órgãos públicos podem servir de benchmarking para as empresas privadas. Claro que devem ser respeitadas as peculiaridades inerentes a cada setor, mas podemos apontar algumas como, além de conceder transparência ao seu objeto social, suas principais atividades, sua composição acionária, seus principais executivos, suas principais políticas de integridade, canais de denúncia e meios de contato para que não só o seu colaborador ou empregado, mas também a sociedade se comunique com a empresa. Deve haver uma preocupação por parte da iniciativa privada em ser transparente com os recursos públicos oriundos de contratos com administração pública, fornecendo informações resumidas sobre seu valor, objeto e vigência. A empresa deve buscar divulgar ainda os seus projetos de patrocínios e doações, detalhando a execução desses projetos fornecendo informações sobre as localidades e o número de pessoas beneficiadas com esses projetos, para que a própria sociedade possa atestar essas ações exercendo um tipo de vigilância e, sobretudo, ser transparente quanto aos benefícios fiscais obtidos a partir dessas ações. Existem várias leis pelas quais as empresas obtêm benefícios para redução de Imposto de Renda, como a Lei do Fundo para a Infância e Adolescência, Lei Rouanet, Lei do Idoso, Lei do Incentivo ao Esporte, do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica e também a Lei de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência. São recursos cujas contas devem ser prestadas à sociedade.
R.A.: Qual será a herança deixada pela Operação Lava Jato?
W.R.: A Lava Jato tem sido um importante instrumento de transparência no sentido mais literal da palavra. Ela jogou luz sobre o funcionamento equivocado do Estado brasileiro durante algum tempo. Aqueles que não acreditavam na existência de um relacionamento pernicioso entre público e privado passaram a ter uma visão escancarada do que ocorria nos bastidores do poder.
Mais do que condenar pessoas, a Lava jato veio para contribuir com a mudança de cultura na administração pública brasileira e na iniciativa privada. Após a deflagração da operação, diversas empresas estão passando por sérias dificuldades financeiras, com problemas de crédito e de confiança do mercado. Estão aprendendo que o crime não compensa. Da mesma maneira, a Administração Pública brasileira teve a certeza de que precisava criar mecanismos efetivos de combate à corrupção. Hoje temos um decreto presidencial que determina a implementação de planos de integridade com fins de evitar a ocorrência de fatos dessa natureza.
O caminho da mudança é longo e difícil, mas o conhecimento dos fatos e a percepção das consequências da corrupção abrem espaço para a esperança de que é possível mudar. Hoje, temos acionada a mola propulsora das mudanças tão necessárias para o nosso país. Na minha opinião, esta é a grande herança da Operação Lava Jato.