Um ponto fundamental é a possibilidade de redução da alíquota do IRPJ de 15% para 8%, mantendo o atual adicional de 10% em sua apuração, e reduzindo a alíquota da CSLL de 9% para 8%
A proposta de Reforma Tributária do Imposto de Renda (PL 2.337/2021) é o foco de um grande debate na atualidade e se tornou uma importante preocupação entre as empresas nacionais e estrangeiras, que possuem investimentos no Brasil[1]. Com a aprovação pela Câmara dos deputados, o tema ganha ainda mais relevância pelo potencial impacto no retorno de investimentos já em 2022.
Antes da aprovação do projeto, em 1º de setembro, houve várias tentativas frustradas de votação no mês de agosto. Ao longo do percurso, o texto inicial sofreu diversas mudanças. Esse caminho sinuoso fez parecer que ele estava fadado ao fracasso, porém, em um movimento surpreendente, a casa votou e aprovou a versão proposta pelo relator, deputado Celso Sabino, e apreciou no dia seguinte mais de 40 propostas de emendas elaboradas por deputados face ao projeto.
Um ponto fundamental é a possibilidade de redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de 15% para 8%, mantendo o atual adicional de 10% em sua apuração, e reduzindo a alíquota da CSLL de 9% para 8%, traduzindo em uma redução de 34% para 26%. A proposta busca um alinhamento de alíquota nominal do imposto corporativo com a média dos demais países e, em especial, daqueles membros da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 23,83%[2], grupo de aspiração (e novela) de acessão do Brasil, considerando a consistente queda percentual vislumbrada pelo grupo desde 2000.
Nesse particular, a alíquota nominal reduzida poderá influenciar positivamente na diminuição da perda de investimentos estrangeiros nos últimos anos e, ainda, aumentar a competitividade das (poucas) multinacionais brasileiras no exterior. É evidente que a equação para o desejável aumento de investimento e competitividade no mercado multilateral contemporâneo não depende apenas da carga da tributação corporativa doméstica, mas a falta de competitividade fiscal pode ter um importante papel neste resultado negativo. Não é inusitado ligar um ponto ao outro: as multinacionais importam cada vez mais partes e peças com valor agregado produzido no exterior e adicionando pouco valor no país, deixando a reduzida carga fiscal ao país de destino do bem ou serviço.
Se prevalecer, a reforma sinaliza uma mudança, ainda que potencial, das atuais estruturações de planos de controle societários de grupos multinacionais, que tentam “driblar” os disfuncionais efeitos fiscais atuais e, por consequência, a restruturação de planejamentos tributários globais.
Não se perde de vista que o prejuízo à competitividade das multinacionais brasileiras também é consequência do regime de tributação dos lucros no exterior auferidos lá, assim como a reduzida quantidade de tratados contra bitributação subscritos pelo Brasil e a sui generis regra de tributação de Controlled Foreign Company (CFC) rules “à brasileira” (Lei 12.973/14), com a tributação de rendimentos ativos de controladas no exterior. Longe de ser um GILTI tax[3], este último alinhado ao combate contemporâneo aos planejamentos tributários “agressivos” por normas antielisivas, nossas regras CFC perquirem exclusivamente a majoração da arrecadação de renda produzida no exterior e em total desalinhamento com “the best pratice” global, o que poderiam ser alvo de revisão nesse momento de reforma.
Outro ponto de intenso debate é o sepultamento dos juros sobre capital próprio – JCP. Enquanto alguns países se inspiram no modelo brasileiro de possibilidade para a alavancagem de recursos empresariais com capital próprio, especialmente ao se permitir a utilização com juros menores em comparação ao capital de terceiros (ex. bancos), a proposta retira este importante avanço legislativo, vigente desde 1995, pela (questionável) conclusão que o JCP não correspondeu à expectativa original de capitalização de empresas e se tornou apenas um benefício fiscal em favor da minoração da carga fiscal global (empresa e sócios). Parece que a resposta para a capitalização das empresas será a redução da distribuição de lucros em razão da tributação dos dividendos distribuíveis aos sócios e acionistas.
O projeto defende a necessidade de tributação dos dividendos por meio de uma alíquota de 15% de imposto de renda retido na fonte, inclusive quando pagos a acionistas não residentes. A combinação de alíquotas (IRPJ/CSLL/IRRF), considerando o adicional de 10% de IRPJ, subiria dos atuais 33,76% para 36,9%. Na hipótese de a empresa assumir o ônus econômico do IR retido na fonte para sua controladora no exterior, a base de cálculo será reajustada para uma alíquota de aproximadamente 17,6%.
Caso o projeto seja aprovado na forma que está, a isenção de Imposto de Renda Pessoa Física (IRRF) sobre os dividendos permaneceria apenas aos optantes pelo Simples Nacional (LC 123/03, Art. 14)[4] e pelo regime de tributação do Lucro Presumido com receita bruta até R$ 4,8 milhões (PF com residência doméstica)[5]. O projeto evita a tributação em cascata entre sociedades, como é o caso de controle no qual o controlador ou entidade de controle comum que detenha, no mínimo 10% do capital votante da sociedade, paga os dividendos[6].
Algumas regras de capitalização dos dividendos e devolução de capital (respeitando cinco anos antes ou depois de determinados marcos temporais) foram propostas para se evitar a distribuição do dividendo sem a correspondente retenção da fonte. No mesmo espírito de norma antiabuso, há destaque para as regras contra distribuição disfarçada de lucros, que ganhariam reforço com inovações relacionadas às transações com partes ligadas que tentem fugir da regularidade de mercado entre partes independentes.
Um importante instrumento de planejamento tributário é a devolução de capital a valor contábil. A reforma propõe que as reduções de capital com entrega de bens e direitos aos acionistas deverão ser avaliadas a valor de mercado, com tributação sobre o excedente, salvo quando se utilizar em situações específicas de restruturação intragrupo.
Muitas dúvidas surgem sobre o estoque de lucros acumulados de períodos anteriores a 2022 e sua respectiva tributação. No entanto, os próximos debates seguirão no Senado para apreciação e, embora faltem quase dois meses até o final de 2021, ainda há a esperança do governo federal de que a reforma aconteça este ano, assim como a sua intenção de implementação para 2022.
Por outro lado, embora exista uma função social de distributividade na carga fiscal nos tributos diretos, com efeitos limitados em favor de transferência de riquezas para baixa renda, o ponto fundamental defendido pelo governo é aumentar a carga para o pagamento de benefício assistência (Renda Brasil). O apelo governamental também é visto na destinação da carga da reforma do IR para o pagamento do benefício assistencial.
A dúvida é saber se a potencial carga fiscal adicional e as limitações aos conhecidos elementos de retribuição ao investidor diminuirão o ritmo de retomada econômica em caso de aprovação do projeto de reforma do IR na forma como está elaborada a proposta.
Artigo escrito por Rodrigo Lazaro, diretor de Reforma Tributária da ANEFAC.
[1] Em 28/09/2021, a ANEFAC promoveu o webinar “Reforma do Imposto de Renda: Entenda os impactos”, contando com a presença do Dr. Roberto Fragoso, Head de Tributos, Dr. Antônio Augusto Dias Jr, Procurador da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, Dr. Alex Caratti, Diretor de M&A e Tax Global da BRF e comigo. O debate foi direcionado às principais mudanças nas regras fiscais atuais e analisou criticamente seus efeitos nos negócios
[2] PLÖGER, Alfried. Competitividade das empresas brasileiras deve ser foco da Reforma Tributária. Fórum Abrasca REFORMA TRIBUTÁRIA. Disponível em: http://www.revistari.com.br/240/1583. Acesso: 08.out.2021.
[3] GILTI destina-se a desencorajar a movimentação de ativos intangíveis e lucros relacionados a países com alíquota de imposto abaixo da taxa corporativa dos EUA de 21%. O GILTI geralmente varia de 10,5% a 13,125%, bem abaixo da taxa regular de imposto corporativo dos EUA.
[4] Art. 14. Consideram-se isentos do imposto de renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, salvo os que corresponderem a pró-labore, aluguéis ou serviços prestados.
[5] “§ 5º Os lucros recebidos por pessoas físicas residentes no País de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido que tenha auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta inferior ao limite previsto no inciso II do caput do art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e que não se enquadre nas hipóteses previstas no § 4º daquele artigo, ficam isentos do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
[6] § 4º Não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte de que trata o caput os lucros ou dividendos apurados com base na escrituração mercantil distribuídos:
I – a pessoa jurídica domiciliada no Brasil que seja sociedade:
- a) controladora ou que esteja sob controle societário comum, nos termos do art. 116 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;
- b) titular de dez por cento ou mais do capital votante da pessoa jurídica que distribui os lucros ou dividendos e desde que esse investimento seja avaliado na forma do art. 248 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;
I – em decorrência de valores mobiliários correspondentes às aplicações dos recursos de que trata o art. 5º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004; e
II – a pessoa jurídica domiciliada no Brasil por pessoa jurídica cujo único propósito seja incorporação imobiliária e que possua pelo menos noventa por cento de suas receitas submetidas ao regime de tributação de que trata o art. 4º da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004”.