Restrito à grandes empresas, publicações de relatórios de sustentabilidade ainda necessitam estar mais em linha com as relações e ações reais
A transparência na publicação das ações das empresas relacionadas as questões ambientais, sociais e de governança tem cada dia mais relevância. No momento atual não basta apenas falar precisa mostrar e mensurar nos relatórios anuais as estratégias do negócio neste sentido. Uma tendência no mundo que está crescendo é a publicação de relatórios de sustentabilidade, pelos menos é isso que mostra a publicação Chegou a hora – Relatórios de Sustentabilidade realizada pela KPMG, que analisou relatórios publicados por 5.200 companhias sediadas em 52 países.
No Brasil 85% das 100 maiores companhias brasileiras, com receita entre US$ 1 bilhão e US$ 20 bilhões, de 25 setores da economia que participaram do estudo, elaboram relatórios de sustentabilidade. Além disso, 72% delas utilizam as normas da GRI (sigla em inglês, para Global Reporting Initiative, entidade internacional que define indicadores de performance meio ambiente, sociais e de governança ou ESG) e 33% declaram que se trata de um relatório integrado.
Em sua 11ª edição, o estudo avaliou relatórios publicados entre junho de 2019 e junho de 2020 com o objetivo de fornecer uma visão detalhada das tendências globais e trazer dados valiosos para lideranças das organizações sobre esse tema. Quase metade (46%) dos entrevistados disse que o relatório financeiro anual ou o relatório integrado da empresa reconhece que as mudanças climáticas são um risco para os negócios enquanto 37% afirmaram que não. Em 1993, quando o estudo começou a ser realizado, apenas 12% das empresas globais divulgavam esse relatório, hoje o índice está na casa dos 80% e no Brasil em 85%.
O estudo apontou que, com relação ao fato de os relatórios comunicarem claramente os impactos positivos e negativos em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, 32% fazem isso de forma efetiva, 35% afirmaram que não. Quando questionados se o relatório identifica ODS que seriam mais relevantes para o negócio, quase metade (47%) disse não se preocupar com esse fator e 38% que sim. Já sobre quantos ODSs os relatórios identificam como relevantes para os negócios, 61% não responderam, 18% levam em consideração de cinco a nove objetivos, 14% de 10 a 15, 4% acima de 15 e 3% menos de cinco.
ESG (Environmental, social and governance) é a construção de uma agenda sustentável de gestão dos negócios visando sua contribuição com o planeta e a sociedade no longo prazo. É aquilo que está por trás do lucro. Não há problema nenhum de as empresas terem lucro, elas existem para isso, a questão que muda agora é o que está por trás. Com a Covid-19, a transformação digital e as novas gerações, mais stakeholders estão olhando para a companhia, desta forma, a transparência e a prestação de contas são mais exigidas”, explica Sebastian Soares, líder de Governança da KPMG no Brasil e que palestrou no 3º Circuito da Transparência da ANEFAC, realizado em 26 de agosto, sobre o assunto.
No futuro, em algum momento, o relatório de sustentabilidade, relato integrado ou qualquer outro de prestação de contas aos stakeholders será obrigatório. Isso porque, para Soares, essa é a reta final de uma jornada integrada de ESG da construção dos negócios no longo prazo, onde as companhias prestam contas em relação a tudo o que estão fazendo. “Não vai mais bastar falar vai ser preciso demonstrar ao mercado. Em 2023, na Europa, as companhias listadas, por exemplo, vão ter que incorporar aos seus relatórios as questões de sustentabilidade. Aqui no Brasil existe um movimento bastante semelhante. Não poderemos ficar de fora. Sabemos que o caminho a ser percorrido é longo, pois ainda há inconsciências quando olhamos os relatórios de sustentabilidade publicados atualmente”, diz.
Não podemos ainda esquecer que falamos muito das empresas grandes que estão trabalhando na publicação dos relatórios de sustentabilidade, na visão de Carolina da Costa, partner de inovação e ESG investing na Mauá Capital e que palestrou no evento, o desafio é ainda maior àquelas que são médias e pequenas, principalmente quando necessitarem acessar o mercado de capitais. “Irão precisar apresentar as suas ações ESG. Como se comunicam revela como pensam. Existem lacunas de como pensam a governança e as estratégias. O que acaba ficando evidente nos relatórios é o uso de informações muito mais de forma propositiva para criar negócios, mas precisa refletir de forma objetiva nos balanços”, relata.
Do ponto de vista de governança, ela entende, que ainda há um longo caminho sobre a integração das áreas, pois as vezes os departamentos de ESG estão pouco conectados com os negócios e com os demais, o que dificulta essa visão integrada de como a sustentabilidade afeta o negócio. Além disso, tem uma questão importantíssima sobre os conselhos de administração, embora estejam mais conscientes, falta muito para entenderem os riscos materiais, em engajar os stakeholders, desafiar e apoiar a gestão e, acima de tudo, ter uma agenda de criação de valor. “Quando vemos o resultado de comunicar os passivos, percebemos que falta muito para criar ativos no sentido de ESG e no negócio que as empresas estão reportando. As metas deveriam estar mais conectadas. Isso tem um reflexo importante no captar recursos para redução de carbono, por exemplo. O mercado de capitais quer três coisas: estratégia de sustentabilidade, KPIs e governança do processo dos projetos de mitigar os riscos climáticos”, pontua.
O que não se mede não se controla. “As empresas estão relatando por relatar. Se não está no balanço não é válido. A métrica do ESG está ligada a mensurabilidade e a materialidade da questão da sustentabilidade, se isso não está claro, as métricas serão falhas. Essa materialidade se consegue através de dados factíveis e ações reais. Dos principais riscos, está o de greenwashing, por exemplo, quando anuncia ações de sustentabilidade, como redução de emissões de CO2 ou do consumo energético, sem que de fato seja mostrado o impacto dessas atitudes. A tendência é realmente ter a materialidade nos relatórios evidente”, alerta Marco Antonio Fujihara, diretor de novos negócios na TechSocial e que palestrou no 3º Circuito da Transparência da ANEFAC.
Nos últimos 30 anos, na percepção de Livio Giosa, diretor de sustentabilidade da ANEFAC, presidente do CENAM e que também participou do evento, pouca coisa mudou com relação às questões de sustentabilidade. “As métricas são estipuladas, mas o que precisa é de uma transformação efetiva. Todos os mecanismos utilizados até agora ainda deram pouco resultado na prática. Se não tivermos mecanismos na ponta, e aqui os relatórios podem contribuir, quando adotar as questões ESG, não será possível identificar a sua efetividade. As grandes perguntas que devem ficar: será que estamos promovendo a transformação social? As ações provocam impactos efetivos? Será que o legado do relatório e o comprometimento levou a uma transformação ambiental? Qual é o legado?”, alerta.
A preparação de relatórios sobre a performance ESG é muito boa para toda a sociedade e não somente para investidores. Segundo, Marta Pelucio, presidente nacional da ANEFAC, sócia na Praesum Contabilidade e que conduziu o evento, essas são informações únicas que devem apresentar evidências da performance sobre as questões ambientais, sociais e de governança auditadas. “Existe uma aceleração no mercado desta prática. Temos que separar as ações distintas daquelas que realmente fazem a diferença”, avalia. Sob a ótica das empresas, outro palestrante, Geraldo Soares, conselheiro do IBRI e ABRASCA e superintendente de RI no Itaú, acredita que, se discute há algumas décadas as questões ESG, mas a demanda efetiva nunca foi tão grande como agora dos stakeholders. “Umas das principais tendências é que a temática chegou nos órgãos reguladores. Esse cenário é diferente e muda complemente o rumo que as coisas irão tomar daqui para a frente”, finaliza.
O evento 3° Circuito da Transparência, que você assiste na íntegra abaixo, faz parte de uma agenda de debates com muito conteúdo em prol das empresas e fomento das melhores práticas da ANEFAC em comemoração aos 25 anos do reconhecido Troféu Transparência – Prêmio ANEFAC.FIPECAFI. A entidade organizou uma série de ações que visam colaborar com a bandeira da transparência para o mercado, trazendo temáticas importantes que estão sendo discutidas por toda a sociedade e mercado com a transparência. Confira os conteúdos dos demais eventos.
1 ° Circuito da Transparência: Privacidade de dados: as empresas realmente estão mais seguras?
2 ° Circuito da Transparência: Lei Anticorrupção ajuda a criar um ambiente de negócios transparente e ético
4 ° Circuito da Transparência: Compliance na Gestão de Terceiros