Frei David Santos, atualmente, tem se destacado como uma das principais figuras do cenário nacional na promoção do debate sobre políticas de ações afirmativas para afrodescendentes nas Universidades Públicas. Ele é diretor executivo na Educafro, formado em filosofia e teologia pelo Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, com especialização em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo. Há mais de 20 anos, dedica-se a trabalhos populares, sobretudo na área da educação para carentes e afrodescendentes. Nesta edição da Revista ANEFAC, ele fala sobre o tema racismo nas empresas. Confira:
Revista ANEFAC: Qual o papel das empresas em desenvolver políticas contra o racismo?
Frei David Santos: Segundo dados do IBGE, o Brasil tem 56,2% de afro-brasileiros na população. Esta percentagem não é encontrada entre os funcionários das empresas e isso é justamente o que queremos ajudar a mudar. Avaliando os diversos níveis salariais, constatamos que na medida em que se vai subindo na hierarquia empresarial, como chefia, gerência e executivo, dificilmente encontra-se afro-brasileiro.
O índice de afro-brasileiros nas empresas está longe do da população nacional. Mas percebemos um movimento envolvendo todos os setores da sociedade para mudar. O papel delas é determinante para desenvolver uma cultura de equidade e assim, formatar uma política antirracista.
As práticas empresariais de promoção de igualdade racial e da valorização da diversidade vão além do combate à discriminação. Precisam ser uma postura de enfrentamento do racismo estrutural. A ONU já provou que aquelas que adotam a equidade de oportunidade em sua estrutura de recursos humanos têm ganhos, visto que as diferenças contribuem positivamente para o melhor desempenho empresarial.
Desta forma, adotar um corpo diversificado de funcionários traz como resultado um maior pluralismo de experiências dentro da empresa e uma maior capacidade para solução de problemas dentro de uma sociedade complexa e plural.
RA: Com o crescimento da pauta ESG, como as empresas devem tratar a temática racismo e diversidade?
FDS: As desigualdades existentes em nosso país são inúmeras, históricas e estruturais. De acordo com o relatório de 2019 do PNUD, o Brasil é o 7° país mais desigual do mundo. Se considerarmos a concentração de renda, está negativamente na 2° posição, atrás apenas do Catar.
Devido ao nosso legado escravagista, ainda não enfrentado pelos instrumentos de estado, estas desigualdades afetam mais a população negra e intensamente as mulheres negras. Em pesquisa do Instituto Locomotiva de 2020, os negros ocupam mais posições precárias e com menor renda.
Trabalhadores não negros ganham em média 76% a mais que os negros, além de compor a maioria dos desempregados no país. Sendo assim, é necessário que as empresas tomem atitudes mais ousadas no que toca a inclusão e a diversidade nos seus quadros de funcionários.
Um belo exemplo foi a atitude da Magalu, que abriu um processo seletivo de trainee exclusivo para pessoas negras. Esse processo é uma prova de que paradigmas devem ser quebrados e as empresas podem fazer a sua parte no processo de inclusão do povo afro-brasileiro nos ambientes corporativos.
RA: Quais ações efetivas as empresas devem fazer para trabalhar o racismo e a diversidade?
FDS: Nossa comunidade negra colocou toda sua energia para regularizar, através do Estatuto da Igualdade Racial, a ação das empresas particulares. Não precisa de muitas normas e sim, de algo concreto como está sendo nos cargos públicos. Uma pequena lei que determina cotas. Pronto. O resto vai! Só que o lobby das empresas no Congresso removeu do Estatuto direcionamentos práticos para as empresas.
A falta do estabelecimento de exigências normativas, autoriza a perpetuação do racismo e das desigualdades raciais nas empresas. O fato de existirem segmentos diferenciados de governança corporativa, com regras mais sofisticadas e exigentes, mas com pouca eficácia e sem fiscalização, não levam à consciência delas a obrigação de fazer. Não há um corpo normativo. Está muito na boa vontade.
É o caso da Magalu: teve boa vontade e está fazendo a diferença. Cabe à Câmara Federal e ao Senado regulamentar o que exige a Constituição. Todas as regulamentações que beneficiam os grupos econômicos foram colocadas em prática por leis regulamentares/complementares. Já os artigos que beneficiam os pobres, estão parados sem regulamentação, após 33 anos de promulgação da Constituição.
A atuação das empresas para a equidade racial revela um cenário crítico e insustentável, que impacta a vida de milhares de pessoas negras que atuam nestas organizações e limita o acesso de outros negros às oportunidades de trabalho nos diversos níveis hierárquicos organizacionais.
Ao longo das últimas décadas, a governança corporativa no mundo avançou em razão de diversos escândalos de grande repercussão e crises financeiras. Contudo, é gravíssima e escandalosa a postura omissa, apática e silente de soluções efetivas da principal entidade do mercado financeiro, a B3, frente à crise global sobre as desigualdades raciais e os protestos antirracistas em curso no mundo.
RA: Houve evolução nas práticas desenvolvidas pelas empresas com relação ao racismo institucional ou ainda estamos mais focados no marketing?
FDS: Há empresas que estão realmente evoluindo, outras podemos perceber sinais de um marketing beirando à irresponsabilidade. Um exemplo de que o nosso ritmo de evolução poderia ser bem melhor está no ritmo lento da B3 (Bolsa de Valores).
A B3 até tem se empenhado para motivar as empresas a enfrentar a ausência de mulheres nos altos postos, mas não tem trabalhado com responsabilidade a ausência de mulheres negras. O combate ao racismo estrutural e às desigualdades raciais está num ritmo lento, apesar das diversas reuniões que a Educafro Brasil tem provocado com ela.
Apesar de ser a principal entidade administradora do mercado de capitais e da sua responsabilidade por estabelecer as condições e parâmetros de governança e gestão para inúmeras empresas, ela não coloca em prática o dispositivo constitucional 192, no qual estabelece que o sistema financeiro nacional “é estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem”.
Considerando as posições que o Brasil está em alguns rankings econômicos e de desigualdade, a B3 parece estar tendo mais resultados em potencializar a concentração de renda do que promover o desenvolvimento econômico do país de forma equilibrada, considerando a negligência administrativas dos interesses da sociedade, principalmente de negros e mulheres.