Em entrevista exclusiva à Revista ANEFAC, Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União, fala sobre o poder da transparência nos negócios e na sociedade
“Nenhuma empresa, que possua um horizonte de planejamento visando resultados sustentáveis em médio ou longo prazo, poderá ter resultados satisfatórios sem investir em transparência, porque transparência traz confiança, e confiança é um ativo intangível cada vez mais valorizado pela sociedade e pelos parceiros de negócio. Esta é uma tendência mundial e a crise apenas demonstra a sua importância”, está é a avaliação de Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União.
Com isso, o Troféu Transparência, Prêmio ANEFAC – FIPECAFI, que chega a 24ª edição em 2020, se torna ainda mais necessário para destacar aquelas empresas que são transparentes em suas demonstrações financeiras. Na entrevista exclusiva a seguir, o ministro aborda o poder da transparência em transformar empresas e mercados e, ainda, quais os impactos da pandemia na transparência das empresas e do governo.
Como a transparência contribui para a geração de valor ao negócio?
A transparência é um pilar da boa governança. Ela está intimamente ligada à confiança de todos os atores que rondam uma organização: clientes, fornecedores, acionistas e reguladores. Tanto no âmbito das empresas quanto no ramo do negócio, a transparência gera mais confiança dos stakeholders e de todas as partes interessadas, fazendo com que esta empresa ou ramo se torne mais atraente a investimentos, o que, consequentemente, contribui para a geração de valor.
De que forma o fortalecimento da transparência, dentro das companhias, reflete no mercado brasileiro?
A transparência reflete de diversas formas no mercado, desde a promoção de uma melhor confiança na saúde financeira das empresas até no comportamento dos clientes. Por exemplo: a publicação de informações contábeis orienta a tomada de decisão de acionistas, ao passo em que as informações nutricionais sobre os produtos alimentícios ajudam os consumidores a tomarem decisões que os afetam. A transparência se manifesta de diversas maneiras e tem esse potencial de impactar sensivelmente os mercados.
Qual a sua avaliação da evolução da transparência nas empresas brasileiras, desde o estabelecimento das leis anticorrupção até hoje?
As leis anticorrupção trouxeram a possibilidade de responsabilização das empresas por atos de corrupção e fraude. Nos últimos anos, a aplicação efetiva dessas legislações, inclusive com o estabelecimento de multas severas, tem demonstrado os riscos, sobretudo reputacional e financeiro, da não adoção de uma conduta empresarial íntegra e transparente. Além disso, a divulgação dos escândalos de corrupção e as consequências que eles trouxeram para as empresas, seus gestores e para economia do país fizeram com que a sociedade e o próprio mercado passassem a cobrar maior transparência das empresas.
Por outro lado, as próprias empresas, considerando os riscos a que estão submetidas no cenário atual, têm percebido a importância estratégica de conferir transparência às suas atividades e aos números de seus negócios para a conquista de novos mercados e para manutenção de clientes e fornecedores. Nesse sentido, observo que as empresas têm procurado mostrar mais as medidas de integridade que têm buscado adotar – e isso, é algo que incentivamos muito -. Vejo também a melhoria da comunicação empresarial com seu público interno, o que é essencial para evitar o tipo de problema que a legislação anticorrupção se propõe a combater. No entanto, apesar desta evolução, acredito que ainda há espaço para se avançar, com medidas mais fortes de integridade que incluem, mas não se limitam, à transparência.
Nós também fazemos nossa parte, dando ampla transparência aos pagamentos feitos pelo Governo Federal a cada empresa fornecedora, trazendo dados de licitações e contratações e oferecendo cada vez mais informações que ajudam no acompanhamento dessas relações. Teremos, em breve, um desafio conjunto de ampliar a transparência nessas relações entre o público e o privado, com uma política mais forte para dar visibilidade às ações de lobby.
Com a pandemia, levando em conta que as empresas estavam, e estão, preocupadas com o caixa como ficou a transparência? Retrocedemos ou avançamos?
Em um momento de crise, é legítimo que as empresas estejam preocupadas com sua sobrevivência financeira. No entanto, isso não pode ser desculpa para não observância de normas ou para prática de irregularidades. Na pandemia, tivemos exemplos de empresas que se aproveitaram dessa situação crítica para obter benefícios de maneira indevida. No entanto, por outro lado, também vimos muitos exemplos de empresas que se preocuparam em contribuir para superação desse cenário de crise, mantendo os postos de trabalho e realizando doações para auxiliar no combate à pandemia, tendo sido transparentes nas ações que adotaram e vem adotando até o momento.
Felizmente, no Brasil, contamos com um arcabouço legal forte para o tema, de maneira que acredito que a maioria das medidas de transparência, pelo lado das empresas, se manteve. Do lado do governo, intensificamos, trazendo informações sobre as compras públicas emergenciais de maneira mais célere e destacada.
É difícil falar que houve retrocesso ou avanço, mas é possível dizer que empresas comprometidas com a integridade conseguiram manter e, em alguns casos, fortalecer suas medidas de transparência, mesmo no cenário de crise.
Com base no cenário de crise internacional e na mudança de comportamento do consumidor e do cidadão como um todo, empresas mais transparentes poderão ter um desempenho melhor, do que as que não são, nos negócios no futuro?
Claramente, grandes acionistas querem empresas com transparência. É um princípio básico de boa governança porque mexe diretamente com a confiança. Ninguém quer fazer investimentos pesados em quem desconfia, seja na saúde financeira ou em relação a diversas práticas.
Os clientes, por sua vez, querem empresas cada vez mais abertas, que se comunicam bem com eles. E não é apenas a transparência financeira. Cada vez mais pesam fatores como o comportamento da empresa, não apenas nos negócios, mas também nas relações com a comunidade, o meio ambiente e outros elementos que pesam na decisão do consumidor. A relação da empresa com os dados pessoais dos clientes, por exemplo, é um fator decisório importante nos dias de hoje e muitas empresas serão preteridas se não tiverem regras transparentes sobre isso.
Em termos de futuro, como avalia o crescimento da transparência nas empresas? O que representará?
Imagino que o crescimento será constante porque a exigência será cada vez maior. Representará, ao mesmo tempo, uma vantagem competitiva e uma condição necessária para sua existência. As pessoas têm cada vez mais instrumentos para se informar, mas, em última instância, é a empresa que decide o quanto mostra. E quem mostra mais, tem mais exposição.
No longo prazo, isso contribui não só para a confiança, mas também para a excelência das empresas, que terão que buscar fazer melhor devido a essa prestação de contas. O aeroporto de Londres (Heathrow), por exemplo, melhorou sua performance depois de tornar seus indicadores públicos.
Quais as principais ações da CGU para 2020 e 2021?
Temos várias novas propostas para a transparência: no Conselho de Transparência estamos discutindo a institucionalização do Sistema de Transparência do Governo Federal e avançando em novas regras para as agendas de autoridades públicas que são fundamentais para termos um modelo saudável de interação entre os setores público e privado no Brasil.
Além disso, trabalhando para abrir novas informações, como notas fiscais relativas às compras públicas e os dados de aposentados e pensionistas do setor público.
Para construir um futuro melhor, estamos ampliando fortemente nosso programa de educação cidadã, em que trabalhamos com o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Mauricio de Sousa para levar os temas de ética e cidadania para crianças em todo o Brasil.
Já em relação à integridade empresarial, em 2020, a CGU publicou cartilhas com boas práticas para as empresas sobre como proceder no contexto da pandemia. Ali, constam orientações para que as empresas não apenas saibam evitar situações potencialmente geradora de riscos de responsabilização, mas também sobre como aproveitar o contexto da crise como oportunidade para mostrar ao mercado a importância da transparência e da integridade.
Além disso, vale destacar que, em breve, será lançada a edição 2020-2021 do Pró-Ética, uma iniciativa de fomento à integridade empresarial, promovida pela CGU e parceiros do setor público e privado, que busca incentivar as empresas brasileiras e as multinacionais que atuam no Brasil a implementar, de forma voluntária, medidas para prevenir, detectar e remediar atos de corrupção e fraude, bem como para promover uma cultura organizacional de integridade e transparência.
No cenário do Governo, quais foram as principais ações em transparência realizadas?
Em função da pandemia da Covid-19, tivemos grandes desafios. A transparência dos gastos com os Auxílios Emergenciais foi de grande impacto e grande demanda. Assim como a transparência de informações das contratações emergenciais, liderada pelo Ministério da Saúde. O Ministério também tem fornecido uma gama de dados epidemiológicos com uma velocidade singular. A CGU destacou ainda, no Portal da Transparência, os gastos do governo com o enfrentamento da Covid-19.
Antes disso, também adotamos algumas medidas fundamentais para avançarmos em questões importantes: fizemos consulta para melhorar os trabalhos com a abertura de dados governamentais, aprovamos decreto necessário para a abertura das notas fiscais eletrônicas – em relação ao qual agora estamos trabalhando na parte técnica -, publicamos dados sobre o Benefício de Prestação Continuada e institucionalizamos a Lei de Acesso à Informação (LAI) no Sistema S.
Também abrimos a plataforma de acesso à informação do Governo Federal para uso gratuito dos estados e municípios brasileiros e lançamos o Programa Time Brasil, que apoia esses entes na implementação de medidas de transparência e integridade pública.