Em evento internacional, ANEFAC propõe discussão sobre situação atual econômica e sanitária no Brasil, na Argentina, na Colômbia e no México
A ANEFAC realizou o seu 1º evento internacional intitulado: Cenário econômico nas Américas. Com palestra de Alfredo Gutierrez Girault, economista chefe do IAEF (Instituto Argentino De Ejecutivos de Finanzas), pela Argentina, Guillermo Jaramillo, sócio líder de consultoria e inovação da KPMG Colômbia e representante do INCP (Instituto Nacional de Contadores Públicos), pela Colômbia, VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios, pelo Brasil, e Ángel García-Lascurain Valero, presidente do IMEF (Instituto Mexicano de Ejecutivos de Finanzas), pelo México. A condução do encontro ficou por conta de Matias Bedacarratz, vice-presidente internacional da ANEFAC.
Questões sanitárias e econômicas
Na visão de Jaramillo, a América Latina é um dos principais focos da pandemia, com altos índices de contágio em países como Brasil e México, e isso fez com que, nesta região, fossem estabelecidas medidas para conter a propagação do vírus. “Tem se notado um grande esforço de cada país para preservar a vida, manter a segurança social, estabilizar o emprego e a produção. Definitivamente, as ações mais bem-sucedidas concentram-se em como cada um conseguiu, em poucos meses, implementar políticas de apoio aos cidadãos mais vulneráveis, a consolidação de entidades públicas de investimento em saúde e ações de apoio econômico anunciadas pelos governos. O que a região tem enfrentado tem sido devastador para muitos setores da economia, mas estamos otimistas, pois observamos, com nossos pares da KPMG em cada país, como estão sendo elaborados os planos de recuperação no estabelecimento de um roteiro para a retomada da atividade econômica, bem como o fortalecimento dos sistemas de saúde e a mobilidade cidadã que, sem dúvida, permitirá a cada país chegar a consensos internos entre os setores, partes econômicas e grupos de interesse para sair da crise. Isso sem dúvida será um sucesso para reduzir as taxas de pobreza e desigualdade na região”, avalia.
Já Girault acredita que, os quatro países, cada um em sua medida, estão sofrendo as consequências da pandemia, tanto na saúde quanto na economia. “No entanto, todos têm uma agenda comum: manter o setor produtivo e social de cada país, como vêm fazendo até agora, com políticas fiscais e monetárias flexíveis para mitigar os impactos da hibernação e do recesso nas empresas e famílias. Superada a crise sanitária, certamente de mãos dadas com a descoberta e ampla aplicação de uma vacina que permita o retorno à plena normalidade pelo menos em termos de movimentação de pessoas e bens, chegará a hora de enfrentar os custos fiscais, que na emergência estão sendo gerados, restabelecendo o equilíbrio básico das economias, sem descuidar das questões sociais. Esse é o caminho que não apenas as quatro economias mencionadas terão que percorrer, mas também a maioria dos países do planeta”, vislumbra.
Entretanto, é fundamental não fechar as economias. O comércio internacional, para o especialista, e as exportações continuam a ser fundamentais para uma expansão sustentável das economias latino-americanas. “Felizmente, os preços internacionais das matérias-primas, após a forte queda inicial, mostram sinais de recuperação e isso tem ocorrido com os fluxos de capitais para as economias emergentes, o que ajudará na recuperação”, diz.
Enquanto, Silveira avalia que, antes das questões econômicas é preciso ainda reavaliar as sanitárias no diz respeito a atenção as fronteiras. O Brasil, por exemplo, está muito atrás no sentido de realizar exames de Coronavírus a cada 100 mil habitantes. “Sem que haja uma coordenação de testar ao máximo, sem a reclusão de quem está infectada e o mapeamento de contatos destes, para ver quem são potenciais, não terminaremos essa pandemia”, salienta.
Há sintonia entre Brasil, Argentina, Colômbia e México?
Para Jaramillo, os países latino-americanos enfrentam desafios semelhantes, condições macroeconômicas adversas, alto desemprego e um sistema de saúde com desafios diários que extrapolam o âmbito de ação dos governos, porém ele considera que as medidas, que têm sido tomadas em cada um dos países, sempre estiveram em busca de salvar vidas, no cuidado geral da população e na recuperação da economia. “Cada governo tem procurado ajudar os mais vulneráveis e reduzir a propagação do vírus. Então, se houver uma harmonia onde todos limitem o impacto da pandemia, incentivem a oferta e a demanda, levando à estabilidade macroeconômica e política, poderá haver resultados. Cada governo tem feito esforços significativos para aumentar o investimento no sistema de saúde, aumentar os gastos e salvar setores produtivos essenciais”, analisa.
Cada país enfrentou ou ainda enfrenta a crise da saúde, na opinião de Girault, respondendo a essa agenda comum de acordo com suas possibilidades econômicas (já que se encontravam em diferentes momentos de seu ciclo econômico), sua estrutura demográfica, a distribuição espacial de sua população, as particularidades de seu sistema de saúde etc. “Levando em conta essas diferenças, houve uma razoável harmonia nas ações realizadas, o que em parte refletiu a experiência do desenvolvimento da pandemia na Ásia e na Europa. No futuro, uma aliança comercial entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul aprofundará suas relações comerciais com a Ásia em geral e a China em particular. Uma questão importante é que em 2021 a China terá um PIB 20% maior do que em 2018, enquanto no mundo desenvolvido o PIB permanecerá no mesmo nível”, alerta.
Por outro lado, Silveira não vê muito um nível de colaboração e sintonia entre os países das Américas, ninguém se entende, a sintonia internacional é negativa, não existe um grupo de trabalho no combate sanitário, esse tipo de coordenação não houve. “A gente não fez um trabalho em equipe em termos do que foi feito na Europa. O Mercosul não é e nem foi efetivo. Só fechando a fronteira não funciona muito, pois as pessoas continuam passando e transitando. Tem um mercado de todos os bens que passam por estas terras. O que a gente precisava ter feito era uma testagem em massa da população, internado o infectado e as pessoas em contato isoladas. Tem que estar sempre alerta. O Brasil fez menos do que os demais países. A Colômbia foi mais atenta, já o México mais parecido com o Brasil e a Argentina um pouco melhor”, adverte.
Qual a previsão de PIB?
Cada país enfrenta algumas situações que merecem atenção, Jaramillo cita duas:
1 – taxas de desemprego que atrasam os planos de recuperação dos governos, a queda do investimento estrangeiro e do sistema produtivo, a alta volatilidade dos mercados e efeitos na cadeia de abastecimento. Estimamos uma recuperação a partir do segundo semestre de 2021 onde através de uma rota de recuperação cada um poderá focar num boom de investimento social, construção, turismo e apoio à pequenas e médias empresas.
2 – contrações econômicas que não estavam no planejamento de nenhum governo. Segundo dados da CEPAL, estima-se que a região terá uma contração de mais de 9%, sendo as economias mais afetadas a do Peru (-13%), Argentina (-10,5%), Brasil (-9,5%) e México (-9%), o que é um cenário preocupante e desafiador. Os setores mais afetados têm sido o turismo, comércio de bens primários, mineração e hidrocarbonetos e queda nas principais exportações nas economias latino-americanas.
Segundo Girault, as projeções indicam que o PIB nas Américas em 2020 ficará entre 6,5% e 13%, inferior ao de 2019 dependendo do caso. Só no final de 2021 se recuperarão os níveis de atividade de 2018. “A rigor, existe uma espécie de “para e vai ao sanitário”, em que os governos avançam um pouco e depois retrocedem de acordo com a evolução das infecções e das disponibilidades de saúde (leitos de cuidados intensivos, equipamentos médicos etc.). Esse processo retarda a normalização da cadeia de valor adicionado, pois o ritmo difere entre setores e regiões. Por outro lado, 2019 não foi um bom ano para a região, se lembrarmos que desde meados de 2018 se moderou o fluxo de entrada de capitais para economias emergentes, fenômeno que se aprofundou nos primeiros meses deste ano, mas que mostrou sinais de reversão desde maio. Isso reduziu a disponibilidade de financiamento e os ajustes forçados em muitos países. Assim, em média, a América Latina cresceu apenas 0,5% em 2019. Levando em consideração que para o ano corrente se projeta uma queda de 8,5%, a perda de geração de riqueza e emprego é evidente (o número de ocupados pode cair entre 4% e 5%). O consumo (que representa entre 65% e 75% do PIB nesses países) tende a se recuperar lentamente: a poupança por motivos de precaução cresce em tempos de catástrofe e leva algum tempo para voltar ao normal. Por isso, as exportações e, eventualmente, os investimentos vão liderar o processo de recuperação”, enaltece.
A Colômbia pelos olhos de Guillermo Jaramillo
A Colômbia se projeta com um cenário igualmente desafiador, embora as políticas macroeconômicas de anos anteriores, bem como a estabilidade financeira do país, tenham permitido que o impacto fosse estimado próximo a uma contração de 6% do PIB, longe das projeções da região do 9%. O governo colombiano tem promovido normas voltadas para a proteção do cidadão e do emprego, como renda solidária, subsídio à folha de pagamento, entre outros, portanto, consideramos que a Colômbia tem um alto potencial de crescimento e que os setores produtivos vão reativar de uma maneira melhor.
Para nós, é fundamental que o governo incentive a construção, o investimento privado e os gastos públicos para fortalecer o emprego e, consequentemente, a procura interna, sabemos que as exportações são uma importante fonte de rendimento, mas com a elevada volatilidade dos mercados e a diminuição da demanda global, devemos estimular a oferta e a demanda interna com processos de inovação e tecnologia. É hora de gerar uma mudança nas organizações que sobreviveram a esta forte contração.
O cenário econômico colombiano em relação à região não é tão crítico em termos de impacto no PIB, porém estamos testemunhando altas taxas de desemprego, perdas de empresas, principalmente de PMEs, o que é desafiador para a nossa recuperação. A rota definida pelo governo é clara onde setores fundamentais como construção, mineração, hidrocarbonetos, exportações e investimento estrangeiro serão incentivados, além disso, temos um banco central que trouxe a taxa de intervenção para níveis mínimos históricos, o que vai encorajar crédito e consumo.
Uma vez que as condições de mercado se estabilizem com o câmbio e o preço do petróleo voltando a patamares competitivos para nosso aparato produtivo, nosso cenário será ainda mais positivo dado que temos um plano estratégico de recuperação e reconfiguração, que a KPMG fez, encorajamos e compartilhamos com o governo nacional.
O cenário político tem entendido que a prioridade é cuidar de vidas e preservar a economia, portanto considero que os diferentes partidos políticos podem estar focados em um plano de recuperação unificado e consensual para reduzir os impactos deixados pela pandemia e que pode ser priorizado em inovação e competitividade para reduzir o desemprego, a desigualdade e colocar a Colômbia em um caminho de crescimento permanente e sustentável.
A Argentina na percepção de Alfredo Gutierrez Girault
A crise da saúde modificou os hábitos de consumo dos agentes econômicos. Mas também afetou as técnicas de produção. Haverá mais teletrabalho em escala global, mais educação a distância, mais telemedicina etc. Pode-se imaginar mudanças relativas de preços no mercado imobiliário adversas às propriedades nos centros urbanos e a favor das propriedades na periferia (é claro, desde que os níveis de segurança não mudem).
Sistemas, comunicações, software são atividades favorecidas. Deve-se levar em conta que os sistemas produtivos já vinham passando por mudanças no “mundo do trabalho” e outras derivadas de mudanças demográficas. Tudo isso combinado com o ajuste necessário para absorver os efeitos da pandemia. Mas como as exportações são a rota de saída da Argentina e a China se encontra em processo de expansão, a produção de alimentos e minerais (cobre por caixa) terá um lugar preferencial em termos de crescimento.
Em 10 de dezembro, um novo governo tomou posse na Argentina: até a data de redação dessas linhas, governava 100 dias sem quarentena e 140 dias com alguma forma de hibernação. A emergência sanitária consumiu grande parte de sua energia, além de implicar um salto de três a quatro pontos do PIB no seu déficit fiscal no marco do recesso já mencionado. O que pôde funcionar, tanto no setor público quanto no privado, da melhor maneira possível: situações extraordinárias exigem o uso de recursos extraordinários, preservando o estado de direito e o bom senso para evitar males maiores.
No plano econômico, e fora da atenção aos afetados pela epidemia e pelo recesso, a atenção do governo se concentrou na negociação com os detentores de títulos da dívida pública em moeda estrangeira com a legislação estrangeira, o que levou a um resultado favorável. Esta é uma condição necessária, embora não suficiente, para a normalização da economia. Há um longo caminho pela frente em termos de organização produtiva e econômica, mas pelo menos esse passo foi dado. Agora será a vez de negociar um novo acordo com o FMI. O restabelecimento dos equilíbrios macroeconómicos, requerem um programa de grande envergadura, com coerência, consistência e “timing“, tanto no plano estrutural como conjuntural, com o empenho dos setores público e privado para o alcance dos objetivos propostos. Resolver o problema da dívida fornece um ponto de partida mais sólido do que a situação pré-existente.
O Brasil na visão de VanDyck Silveira
No sentido de dar suporte ao emprego, medidas do governo foram tomadas, mas é um modelo temporário. O principal é que o Brasil já superou o teto de gastos para conter a Covid-19. Estamos num cenário bastante preocupante, com déficit do orçamento dentro do ano fiscal, que estava programado para 3%, ou seja, já gastar a mais do que o orçamento, agora está em 16% mais ou menos, o que obriga a emitir título, aumenta o endividamento, isso não acontece no México, Colômbia e Argentina, nenhum desses, ou qualquer país no mundo, vai ter um rombo fiscal tão grande como no Brasil.
Há um descontrole fiscal, tanto do governo quanto nas questões fiscais, e mais uma vez estamos sujeitos a contabilidade criativa. Nesse momento, a preservação do caixa é muito importante assim como minimizar o desemprego. Com o término dos valores recebidos pelo governo e os salários reduzidos, essas pessoas vão ser forçadas a voltar ao mercado de trabalho, a força de trabalho do Brasil caiu 28%. Muitas famílias, que estão recebendo os benefícios, sobreviveram e não buscaram emprego, agora com o término terão que voltar ao mercado de trabalho. Talvez estejamos perto dos 23% de desemprego da população ativa, considerando todos os números, é quase ¼ da população. Estamos numa recessão muito grande.
Este limbo que estamos, não é por causa apenas da pandemia, é por causa das instituições que não deixam o país crescer. Precisamos de uma reforma do estado, administrativa, política e tributária (e não essa que está em votação que é band-aid). Se não engrenarmos com as privatizações, limitar os privilégios dos concursados, fazermos as reformas, reduzir os custos do governo, possuir um equilíbrio fiscal, entre outras ações corremos o risco de inflar o país e voltar a termos os índices de inflação do passado.
Podemos fazer um retorno ao passado, aos anos 80 a tendência. Existe maior risco de o Brasil ficar inadimplente. Está na hora deste governo mostrar a que veio, falou-se muito, mas não saiu nada de grande. As promessas não estão sendo mantidas. Cadê o ambiente para investimento? O Brasil passa por uma crise de confiança, o investidor não confia, já estamos perdendo essa última década. Já tentamos de tudo, só nunca fomos liberais. Falta competência, concorrência, competitividade, tirando o agronegócio claro, nunca testamos esse mercado, precisamos testar, melhorar a produtividade, fazer a indústria ser mais atenta e concorrente e por aí vai. Enquanto não formos capazes de concorrer, não atrairemos empresas que realmente irão ajudar a economia. Faz 25 anos que tentamos. Não precisamos ter um crescimento do PIB estrondoso, precisamos ter um crescimento de 3% por 15 anos, pensar no longo prazo.
Levando em conta que tivemos um PIB em 2014 de 3,5% em 215 de 3% e que cresce 1% ao ano até 2019, hoje temos o PIB percapita de 2010, ou seja, cresceu 0.3 entre 2010 e 2019, uma década perdida. Nas últimas quatro décadas vem crescendo menos que os demais países do mundo. É perplexo. Então, o nosso problema foi exacerbado por causa da Covid-19, mas o Brasil já tinha problemas que deveríamos ter entrado em recessão em março.
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