Retratar as informações referentes as empresas com transparência é a melhor opção

Cecília Moraes Santostaso Geron, diretora executiva de normas internacionais da ANEFAC
A crise econômica causada pela Covid-19 atingiu alguns setores de forma mais severa e isso irá refletir numa série de impactos ao cumprimento de normas, obrigações acessórias e processos nas empresas. Esse assunto foi abordado em evento on-line da ANEFAC no dia 7 de maio com coordenação de Cecília Moraes Santostaso Geron, diretora executiva de normas internacionais da ANEFAC. Dessa forma, uma das palestrantes, Renata Bandeira Gomes do Nascimento, diretora de controladoria e impostos da GOL Linhas Aéreas, acredita que pouquíssimos segmentos devem atravessar esse momento de forma ilesa, a maior complexidade na elaboração dos balanços em 2020 reside na captura tempestiva de todas as informações e fatos que possam afetar o mesmo e ainda traduzi-los em informação útil a todos os stakeholders usuários da informação.
Outro ponto observado por Carlos Cristiano Poltronieri, board member para a América Latina da Alliott Group – Aliança Global de Contadores e Advogados – que também palestrou no evento, a pandemia traz um aspecto que é pervasivo na elaboração das demonstrações financeiras, sendo assim podem existir impactos em todas as rubricas do balanço e consequentemente efeitos em resultado e a necessidade do correto disclosure. Um dos aspectos mais importantes e diferente das condições normais de operação será a correta informação em notas explicativas dos efeitos capturados e medidas que a administração traçou para fazer frente aos novos desafios trazidos. “Todos os aspectos de incerteza e impactos sofridos devem ser divulgados de forma consistente. Independente do setor, mesmo que os efeitos sejam imateriais, incluir um disclosure específico é recomendável. Ainda, para aquelas empresas que já mensuram qualquer efeito, a inclusão de uma nota explicativa específica sobre o assunto consolidando todos os efeitos trará mais qualidade nas demonstrações financeiras”, relata.

Carlos Poltronieri, board member para a América Latina da Alliott Group
O contador junto com outras áreas dentro das empresas será desafiado a estabelecer novas formas de capturar as informações de maneira que nada lhe escape, nesse aspecto, para Bandeira, é importante que seja elaborada uma matriz de risco do balanço, passando por todos os grupos, identificando-se riscos prováveis considerando as particularidades do negócio e os impactos sofridos e esperados e como deverá ser dada a resposta aos riscos identificados, essa foi a forma como conduziram o fechamento do 1º trimestre na GOL Linhas Aéreas e na Smiles Fidelidade. Essa matriz ela compartilhou por meio de um artigo junto ao Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC-SP), clique aqui para acessar.

Renata Bandeira, diretora de controladoria e impostos da GOL Linhas Aéreas
Segundo ela, tem ainda o aspecto que o cenário da crise é muito fluído com mudanças significativas em pouco espaço de tempo, isso deixa a tarefa de estabelecer estimativas e projetar/atualizar o plano de negócios muito desafiador e como consequência ser assertivo em estimativas de realização de contas a receber, créditos de impostos, estoques, análises de impairment. Bem como, monitorar atentamente as cláusulas restritivas de empréstimos e financiamentos também é imprescindível para evitar situações de default e cross default. “Os desafios estão em estabelecer formas de capturar as informações de maneira tempestiva para elaboração de demonstrações financeiras adequadas com informações úteis que permitam principalmente entender os impactos da crise de forma sobre os resultados da companhia. A crise terá fim, e esse momento é importante para que a confiança entre administração e stakeholders se fortaleça para o momento de retomada, mas isso somente será possível e alcançado com transparência”, alerta.
A mensuração de estimativas nos balanços
A correta mensuração de estimativas em um ambiente de incerteza tem um aumento de complexidade por parte dos preparadores e revisores e isso pode, na visão de Poltronieri, ser encontrado em aspectos de perdas estimadas previsto em instrumentos financeiros, conforme definidos nas disposições do CPC 48, bem como operações com derivativos e operações de hedge. “Não obstante, os aspectos relacionados a estoques e mensuração de provisões para devaluation, possíveis redefinições de vida útil para ativo imobilizado e os testes de recuperabilidade para ativo imobilizado e intangível, principalmente aqueles sem vida útil definida atendendo o CPC 01”, complementa.
Já com relação as revisões de estimativa devem ser feitas com base nas informações disponíveis até o momento da autorização da emissão das demonstrações financeiras. De acordo com ele, as séries históricas não serão suficientes para basear os aspectos prospectivos, assim o entendimento do ambiente macroeconômico em que a entidade preparadora está inserida fará total sentido para as possíveis revisões – em adição, importante o pleno entendimento do momento e desafios das suas partes relacionadas, em especial clientes e fornecedores, a fim de capturar os impactos que irão refletir nos negócios e consequentemente serão base para novas estimativas. Bandeira também avalia como extremamente desafiador devido as mudanças rápidas que estão sendo observadas durante a pandemia. “É necessário utilizar a melhor informação disponível e mudanças significativas em premissas adotadas tais como, taxa de câmbio, PIB e preço do petróleo precisam ser refletidas nas bases das estimativas, o que certamente está gerando muito retrabalho”, pontua.
Impactos da premissa da continuidade operacional na preparação das demonstrações financeiras
Como preparador de demonstrações financeiras, Bandeira, entende que nos deparamos novamente com um problema que já havia sido detectado em 2013 pelo IFRS Fundation, sobre as normas de divulgação e avaliação de going concern (continuidade operacional) a literatura contábil vigente oferece pouco direcionamento, o tema consta no IAS 1, parágrafos 25 e 26, e no Conceptual Framework parágrafo 4.1., por ser de alta complexidade e um tema sensível, entende que deveria haver um direcionamento mais claro sobre essa divulgação, o que de fato é incerteza e o momento em que a forma de mensuração de ativos e passivos devem ser alteradas.
“Além disso, a complexidade aumenta por que cada país tem sua legislação específica em termos de recuperação judicial, por exemplo, no mercado americano as empresas são bem sucedidas após a experiência do Chapter 11, enquanto no Brasil, há pouco sucesso nos processos de recuperação judicial. A continuidade operacional deve ser sempre avaliada e as opções que a companhia possui de acesso a linhas de financiamento, poder de negociação junto a fornecedores, na minha opinião, são mais importantes do que olhar apenas índices financeiros, por exemplo: capital circulante líquido negativo, patrimônio líquido negativo e prejuízos acumulados”, pondera a especialista da Gol.
A análise da continuidade operacional deve, na avaliação de Poltronieri, levar um aspecto abrangente e avaliar em um período de longo prazo. “Entretanto, é de fundamental importância que os preparadores em conjunto com a administração tenham evidências da situação de caixa líquido (net cash/debt), e as fontes de financiamento necessárias para suprir as reduções decorrentes do caixa operacional. A comprovação do caixa necessária para atravessar o curto prazo para se alcançar o longo prazo é de fundamental importância”, explica.
Para finalizar, ambos os especialistas apostam que acima de tudo a transparência sempre deve prevalecer, pois esse fator traz proteção aos administradores, acionistas de longo prazo e investidores. Para o exercício de 2020, o nível de divulgação deverá ser maior em função do atual ambiente de incerteza. Os impactos e as medidas adotadas pela administração, de forma clara e consistente deverão ser algo essencial.
O conteúdo do evento está disponível no Educa ANEFAC, você pode conferir no link abaixo: