Gestores devem estar prontos para resolver problemas que ainda não existem
Frente ao fenômeno 4.0, que invadiu o mundo, os administradores devem estar atentos ao que está acontecendo e como as empresas e os profissionais estão inseridos nesse novo contexto. Na opinião de Ricardo Santos, diretor executivo de empreendedorismo e startup da ANEFAC, tudo está perto de se tornar 4.0. Segundo ele, muitas empresas ainda buscam se adaptar a evolução tecnológica sem saber muito em que momento estão ou precisam estar para se adequar ao mercado.
Em complemento, também da ANEFAC, David Kallás, head de administração, acredita que se está pegando o conceito 4.0 para falar sobre o seu impacto no ambiente de trabalho e no comportamento das pessoas. “É preciso agilidade, rapidez, entre outros, para atuar nesse mercado. Algo muito interessante que o 4.0 trouxe foi a possibilidade de fazer experimentos e testes de hipóteses, antes uma empresa ia fazer uma propaganda, por exemplo, ela comprava um espaço no Jornal Nacional, no Fantástico, ou seja, se mostrava para angariar clientes. Hoje, com as mídias digitais, essa mesma empresa faz dez anúncios ao mesmo tempo e fica vendo qual está indo melhor. Se consegue medir melhor os resultados. Outra coisa, são os modelos de negócios baseados em plataformas, que consiste em criar uma plataforma, trazer uma massa grande de consumidores e de prestadores de serviços e cobrar por transação, modelo Uber, basicamente. A Uber tem prejuízo, mas se pegar as cinco maiores empresas do mundo hoje, quatro ou cinco, dependendo da valorização, são nesse modelo”, avalia.
Esse fenômeno 4.0 é recente de 2014 e 2015, de acordo com Cláudio Luís C. Larieira, professor do TDS (Departamento de Tecnologia e Ciência de Dados) da FGV EAESP, começou com a robotização na Europa, mas vem, justamente, quando falamos em administração 4.0, repensar o papel do administrador. “Isso quer dizer em como seria trabalhar nesse cenário digital, os elos da cadeia de valor em que se perde intermediário. Muitas empresas tradicionais, de determinados segmentos, estão sendo provadas pelas grandes, que estão preocupadas com a transformação digital. É preciso usar os recursos para fazer de um jeito diferente”, diz.
Já o conceito da administração 4.0, para Carlos Caldeira, sócio da KC&D e professor do Insper, está relacionado em como vamos gerenciar as organizações as vezes da chamada de Quarta Revolução Industrial. “Embora seja muitas vezes uma classificação arbitrária, podemos entender como o passo seguinte a “computadorização” da Indústria 3.0, quando os computadores foram introduzidos para melhorar os sistemas de produção existentes. “Na 4.0, em teoria, levamos conexão para um novo patamar, como equipamentos conectados, fábricas inteligentes, alto poder computacional e inteligência artificial. É importante entender que é uma fase de transição, e provavelmente o início. A grande maioria das fábricas não foi projetada com este viés. O foco da Indústria 4.0 é a Alemanha, e ainda estamos em uma fase de experimentação e aprendizado. Mas a maioria das grandes empresas tem esta preocupação estratégica em mente. Recentemente fiz uma pesquisa sobre estratégia e grandes empresas e a preocupação com as transformações no modo produtivo, nos modelos de negócios e nos organizacionais, aparece no topo”, aponta.
O mundo dos negócios foi muito impactado com a chegada da Quarta Revolução ou Indústria 4.0. As empresas tradicionais estão tentando se adequar aos atuais modelos de negócios mais ágeis e diferentes, na visão de Santos, não há uma perspectiva única para essa explicação. “Sinto que ainda estamos num momento de convivência do “novo com o obsoleto”. Algumas indústrias estão mais avançadas do que outras. O varejo está muito acelerado e com propostas de valor bastante interessantes, como Mercado Livre, Magazine Luíza e outros. Especificamente, sobre o ML, conseguimos comprar com pouquíssimos cliques, com rapidez na entrega e excelência no atendimento, mesmo que por Chatbot. No segmento financeiro, os bancos digitais vêm se consolidando, tanto no B2C como B2B. Conforme pesquisa do Sebrae, eles já caíram nas graças dos pequenos empreendedores, pela simplicidade e custos menores. Agora a Construção Civil ainda está numa velocidade menor, mas há bons exemplos como a Vitacon, que trouxe um conceito de moradia e living compartilhado. Outro fator muito relevante, e que a cada dia se consolida neste mercado rápido, são as ações de Open Innovation, onde grandes corporações se juntam a startups para modificar negócios e experiências de um mercado: Banco do Brasil, Bradesco e Itaú estão muito fortes nestes temas”, pondera.
Compartilhando alguns exemplos, Caldeira também cita o Mercado Livre. “O interessante do ML é que embora tenha nascido inovadora nos anos 2000, já é uma empresa muito grande. A própria sede da empresa foi pensada com os novos modelos organizacionais em mente. Outro exemplo, é a Amaro, uma empresa de moda que soube usar as novas tecnologias para montar um modelo direct-to-consumer extremamente eficiente, as roupas são melhoradas a partir dos dados de vendas e das opiniões dos clientes, e o fato da Amaro ser responsável por todas as etapas de produção faz com que seja muito ágil nos ajustes”, salienta.
Existem empresas que estão correndo para esse novo mercado também, Larieira cita: Natura e Livraria Cultura, mas têm empresas que não estão fazendo isso, e talvez não o façam – dependo do produto – exemplo: aquelas que vendem bujão de gás, que é diferente da seguradora, onde o papel saiu e entrou o digital. “Nesse momento de mudança, é preciso levar em consideração alguns pontos, se o serviço é essencial, qual o produto a empresa vende, se tem menos ou mais impacto digital e também se impacta na cadeia, a indústria farmacêutica não deixa de vender o produto, mas muda a cadeia e o processo, a transformação vem pelo processo. Outras vem com a necessidade da redução de custos, que já impacta um monte. E por fim, a questão das relações com as pessoas, imagina um mercado de 10 milhões onde já tem alguém fazendo e fazendo bem eu preciso fazer algo muito competitivo, e as interações dentro do segmento, como o compartilhamento de infraestrutura, por exemplo”, explica.
As empresas tradicionais irão sobreviver?
Nesse contexto, parecem existir duas grandes alavancas de sucesso para esta nova onda: produtividade e adaptabilidade. Por um lado, grandes fábricas inteligentes serão muito mais produtivas e baratas. Quem não se adaptar, vai perder competitividade, tudo mais constante, explica o professor do Insper. E complementa: Por outro lado, os modelos organizacionais tentam ficar muito mais adaptáveis, aprendendo com os erros e acertos e reorganizando as empresas. “Aquelas que demorarem mais a se adaptar aos gostos dos clientes também parecem fadadas a perder competitividade. Vale lembrar que estamos vivendo a época de “ouro” dos serviços. As empresas mais valiosas do mundo são empresas de serviço que conseguem alavancar a tecnologia de maneira escalável e customizada para cada cliente. Muitas estão, neste contexto, considerando uma mudança de modelo de negócios que incorpore uma fatia maior de serviços”.
Mas para Kallás, é necessário entender se essas empresas, se o negócio pode ser mudado por conta da tecnologia, se estiverem operando com margens altas, o risco é muito grande de serem atacadas. “Hoje, a gente vê alguns setores muito afetados como o financeiro pelas fintech. Com, historicamente, serviços ruins, margens altíssimas, um movimento do Banco Central de favorável desregulamentação, aí as fintech estão entrando de braçada. Agora na mineração, que é quebrar montanha e passar peneira, não tem muito o que fazer. Uns vão ser mais impactados por conta das características do processo. O que a 4.0 tem trazido é automação, agilidade e mobilidade. Os gestores bons são aqueles que vão conseguir manipular e interpretar grandes volumes de dados, isso é uma novidade, antigamente, se tomava decisão com base em opinião, agora se trabalha com dado e fato”, pondera.
Na visão do diretor executivo da ANEFAC, as empresas tradicionais, no mínimo, ficarão de “joelhos” ou morrerão como aconteceu com a Kodak. Não se questiona mais se a mudança deverá acontecer, mas sim quando. “Os líderes, com suas organizações mais resistentes, tendem a ter grandes dificuldades em seus negócios, caso não abracem esta visão mais ágil e centralizada no cliente. Hoje, este novo consumidor está muito exigente, esclarecido e impaciente. Em questão de segundos, ele muda sua decisão de compra, pelo aplicativo. Além disso, há outro fator, os consumidores estão mais abertos e influenciados por serviços com experiências encantadoras como Amazon, Netflix, Spotify e a indústria chinesa. A China já é uma grande influência para o mundo, cada vez mais tem elevado os seus níveis de qualidade, deixando o estigma de grande “copiadora” do mundo, para trás. A loja da Xiaomi, num shopping em São Paulo, é um exemplo bastante claro”, salienta.
Para ele, o segredo da nova forma de administrar é desapegar geral. “Conhecimentos e vitórias passadas devem ficar lá. As organizações devem abraçar as incertezas. A convivência com riscos e erros será o grande combustível para o diferencial competitivo, no mercado que se atua. Independentemente do tipo de negócio, deveremos ser especialistas nos nossos clientes, antes de qualquer assunto. Colocar em prática as lições de Steve Jobs, estar a um ou dois passos à frente de seus anseios. Para os líderes, estimular a responsabilização e o engajamento de seus colaboradores para que se apaixonem pelos problemas, com visão aberta e desapegada de ideias pré-concebidas. As jornadas de descoberta serão diárias, é um caminho sem volta”, vislumbra.
“Temos que passar pelas forças de Porter, mercado, fornecedores, clientes, entrantes, produtos, enfim pensar se não fiz, se estou atrasado, se sobreviverei ou não, se dependerei do poder de barganha, se terei problemas com os clientes, se outros competidores estão se reinventando, se não tenho saída e por aí vai. Como as empresas tradicionais as vezes não possuem dinheiro, pessoas, conhecimento e não saem da caixa, os grandes players vão ditar a mudança. De certa forma, as pequenas vão ter que buscar uma forma juntas de entrar no mercado”, relata o professor da FGV EAESP.
Enquanto Carlos Caldeira acredita, que em primeiro lugar, provavelmente, veremos a queda no uso de modelos funcionais tradicionais, centralizados e montados ao redor de especialização em competências. “Os modelos organizacionais tendem a ser mais horizontais, voltados para uma lógica de projetos. Esta é uma mudança que pode beneficiar as empresas pequenas, que na verdade tinham uma desvantagem de tamanho quando tentavam utilizar modelos funcionais, que era o prato cheio das grandes empresas. As empresas pequenas também têm a vantagem do surgimento dos softwares como serviço (SAAS), que permite que tenham acesso à tecnologia, sejam escaláveis e que montadas, já desde seu início, ao redor de uma concepção tecnológica”, pontua.
Impacto significativo na performance e produtividade
O choque é tremendo nas organizações. E aqui há um paradoxo, de acordo com Ricardo Santos. “Por um lado, de fato, as organizações e profissionais precisam se reinventar ao extremo, em assuntos como produtos, serviços, tecnologia, metodologias, visão de negócios e mercado, dentre outros, por outro lado, habilidades clássicas de soft skills são, cada vez mais, necessárias. Saber se comunicar bem com pares, clientes, líderes ou investidores são altamente apreciáveis. Ouvir, negociar, ser resiliente e vender bem as ideias continuam clássicas e imprescindíveis em nosso cotidiano. Portanto, agilidade, precisão e consistência deverão andar de “mãos dadas”, para o aumento de produtividade, atendimento da expectativa dos clientes, e, consequentemente, transmitir uma mensagem positiva ao mercado”, elenca.
Se olharmos as startups que vêm sendo montadas nos últimos tempos, explica Caldeira, como característica comum elas tem o uso de plataformas tipo SAAS, modelos organizacionais menos centralizados e voltados a organização por equipes e a tecnologia como elemento central em todo o modelo de negócio. As empresas maiores estão tentando se adaptar, mas o modelo legado faz com que esta adoção seja um pouco mais difícil e custosa.
A 4.0 e os profissionais
Segundo David Kallás, é necessário novas habilidades para um gestor, como análise de dados, capacidade analítica e de resolver problemas. Surgem problemas, cada vez mais, que a gente não sabia, com isso vem a flexibilidade de pegar um problema desestruturado, achar a causa e solucionar. Com a mesma visão, Cláudio Luís C. Larieira aponta, que pensando como gestor deve orquestrar uma mudança, não se faz nada sozinho, depende de um todo, de várias competências, da capacidade de resolução de problemas, as mudanças são rápidas e existem mais problemas surgindo do que soluções. Precisa entender de tecnologia – para saber que soluções resolvem o problema dela -. Apesar de a gente estar num mundo mais digital, as competências individuais estão altas – capacidade de ouvir e habilidades sociais, não basta você saber de matemática”, observa.
“A minha história pode ser a mesma de outros muitos leitores. Sempre fui um estudioso e um “devorador” de livros, assim consegui passar por vários tipos de fornecedores tanto no online como no mundo físico. Peguei ainda a época que Americanas e Submarino eram empresas separadas no comércio online. Também consumia das livrarias físicas como Saraiva e Cultura. Depois usei e gostava muito do Estante Virtual (um sebo digital). E hoje, utilizo e sou fã da Amazon, que transmite uma comunicação assertiva, tecnologia simples ao usuário e experiência fantástica, quando o processo vai bem ou mal. Nela, você compra ou reclama com no máximo dois cliques, tudo isso em menos de 30 segundos. Portanto, vejo-a como um excelente exemplo de simplicidade e genialidade digital”. Ou seja, tudo está diferente, para ele, os administradores, como os demais profissionais, devem ter o discernimento do conhecimento descartável e estudar sempre para o desenvolvimento de novas competências. “Sermos habilidosos em juntar o clássico com o contemporâneo, para sermos melhores profissionais e direcionar adequadamente todos os portes de empresa e negócios, desde uma startup a uma grande multinacional”, conta.
O professor do Insper aponta, que as habilidades cognitivas mais complexas serão as mais importantes, dado que muitas das mais simples serão automatizadas. O World Economic Forum tem uma lista que atualiza frequentemente. Entre as habilidades do futuro estão, para Caldeira: resolução de problemas complexos, pensamento crítico, coordenação com outros e tomada de decisão.
Será um desafio aos nossos profissionais, mas que deverá ser encarado de frente, explica o diretor executivo da ANEFAC. Essa mudança já é evidente. Cobradores de ônibus, atendentes de callcenter, bilheteiros, contadores, advogados e demais atividades repetitivas estão sendo substituídas por recursos tecnológicos. Mas isso, para ele, não quer dizer somente desemprego, mas sim, uma necessidade de aperfeiçoamento obrigatória, dada a evolução tecnológica no mundo. Infelizmente a olho nu estamos num país que não incentiva a educação: livros caríssimos, estudo de alta qualidade elitizado, ensino público sucateado, metodologia obsoleta, desvalorização dos professores e outros problemas estruturais. “Contudo, aqui está mais uma oportunidade de inovação. Como nação, precisamos buscar alternativas: reutilizar livros escolares, resgatar o uso das bibliotecas (para o público não digital), usar as tecnologias para conteúdo educativo, apresentar a leitura as crianças o quanto antes, dentre outras. Ou seja, não podemos delegar esta culpa somente aos governantes. A Coréia do Sul é um exemplo que devemos nos inspirar”, opina.
Ao longo dos anos, Caldeira já viu muitas profissões deixarem de existir. O melhor exemplo, para ele, é a do ferramenteiro, profissional que era responsável por ajustar as ferramentas (moldes) das máquinas quando se mudava o modelo fabricado. “Uma profissão técnica e que deixou de existir. Via de regra, quanto menos complexa for a ocupação, mais suscetível ela será a automatização e a mudança de modelo de negócios. Agora mesmo estamos testemunhando o desaparecimento da função de pegar os pedidos nas redes de fast food”, finaliza.
Por fim, é unânime entre os especialistas que ainda ouviremos muito falar de Indústria 4.0 até pelo menos quando a 5.0 chegar.