Não é nenhuma novidade que vivemos em uma época de mudanças intensas e frequentes. Tampouco é novo dizer que as empresas devem se adaptar às mudanças para aproveitar oportunidades e se precaver de ameaças. Mas a questão é: será que os gestores realmente estão atentos? Nem todos. E as vezes, basta olhar na esquina.
O setor de bancas de jornais em São Paulo é um bom exemplo. Num passado não muito distante, a figura do jornaleiro, que vendia figurinhas para os famosos álbuns de colecionadores, ainda está na memória de muitos meninos de outrora. Os anos 1980 e 1990 marcaram o auge do comércio impresso de jornais e revistas. Um período glorioso para os comerciantes e empresas de comunicação. Os números eram superlativos neste período. No auge do comércio nas bancas, o jornal Folha de São Paulo atingiu uma tiragem recorde de mais de 1 milhão de exemplares. A revista Playboy também marcou época com as capas de Adriane Galisteu, Tiazinha e Feiticeira[1].
A década seguinte trouxe as más notícias: a mudança do hábito de leitura dos paulistanos, que passaram a adotar as plataformas digitais, e o surgimento de novos pontos de venda, em supermercados, livrarias e lojas de conveniência. Esses fatores ajudaram a construir uma triste estatística para o setor: uma banca fechada por dia útil na cidade de São Paulo em 2012[2]. De acordo com o Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo (SindjorSP), em 2007 a capital paulista tinha mais de cinco mil bancas. Esse número caiu para 3.500 em 2015[3].
Como reagir? Primeiramente, estando atento às mudanças e tendências. A técnica mais conhecida e usada é a análise PESTEL[4]. Inspirada no trabalho seminal de 1967 de F. J. Aguilar[5], funciona como um checklist onde tendências devem ser identificadas em seis dimensões: políticas, ambientais, sociais, tecnológicas, econômicas e legais. Outra técnica amplamente conhecida é o planejamento de cenários, muito utilizada e disseminada pela Shell[6]. Consiste em convidar o grupo de planejamento a especular livremente sobre diversas visões (internamente consistentes entre si) sobre o futuro do seu negócio (ou setor).
Uma vez identificadas as ameaças e oportunidades, é a hora de pensar em ações de contra-ataque (ou ataque). Para as empresas que utilizam a PESTEL ou os cenários, essas técnicas são uma maneira de organizar o pensamento sobre o ambiente que a firma opera de modo a formular uma agenda de alternativas estratégicas. E, de fato, colocar em prática.
Voltando às bancas, mais mudanças. Os jornaleiros, junto com as entidades de classe, buscaram alternativas para viabilizar sua atividade, face às ameaças relacionadas às mudanças de tecnologia e hábitos. Conseguiram pleitear a aprovação do projeto de lei 423/13, as bancas foram permitidas a incorporar mais produtos e serviços. Com isso, a lei municipal (10.072/1986), que regula a atividade, foi acrescida pelo PL 432, que permitiu a venda de uma série de produtos com o objetivo de trazer de volta os clientes perdidos[7]. As bancas poderiam oferecer bebidas não alcoólicas (até 600 ml), alimentos industrializados como sorvetes, salgadinhos e doces (até 200g), artigos eletrônicos e papelaria de pequeno porte e prestação de serviços como transmissão de fax, e-mail e outros[8]. Entretanto, 75% do espaço interno útil da banca deve continuar destinado à exibição de produtos da linha editorial, que deve permanecer como a atividade principal da banca.
Apesar do esforço do SindjorSP, a reação dos jornaleiros não foi uniforme. A figura mostra duas bancas situadas na Av. Paulista. Uma delas aparenta ter se aproveitado das mudanças de forma mais eficaz que a outra. Ao contrário da banca A, praticamente toda a fachada da banca B está ocupada com itens não editoriais. É de se esperar que tenha mais fluxo de clientes e mais receitas por aproveitar melhor suas oportunidades e se prevenir das ameaças.
Não há como evitar as mudanças de ambiente. Elas afetam todos. Mas há a opção de se defender. O primeiro passo é estar atento às mudanças e ter o radar sempre ligado. As vezes, a resposta para o seu problema está na sua esquina.
*Artigo escrito por David Kallás que é head de administração da ANEFAC e sócio da KC&D
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[1] Silva, J. A. M, 2014. Projeto de Lei dá Sobrevida às Bancas de Jornal em SP; UOL Notícias. Disponível AQUI. Acessado em 15/05/2016.
[2] Ursini, N, 2012. SP perde uma banca ao dia; editoras lamentam; Meio & Mensagem. Disponível AQUI. Acessado em 15/05/2016.
[3] Dias, J. A, 2015. José Américo confirma apoio ao Sindjorsp; SINDJORSP. Disponível AQUI. Acessado em 15/05/2016.
[4] No Brasil, também são usadas as seguintes variações: PEST, PESTAL e PASTEL.
[5] Aguilar, F. J., 1967. Scanning the business environment. Ed. Macmillan.
[6] Wack, P., 1985. Scenarios: shooting the rapids. How medium-term analysis illuminated the power of scenarios for Shell management. Harvard Business Review, Nov.– Dec: 139–50.
[7] Silva, J. A. M, 2014. Op. Cit.
[8] Mori, L.; Senra, R., 2013. Bancas de Jornal querem aproveitar lei para reconquistar público perdido. Folha de São Paulo. Disponível AQUI. Acessado em 19/06/2016.