“Quanto maior a transparência das informações das empresas maior é o grau de confiança do mercado naquela empresa. Empresas transparentes certamente são mais atrativas ao aporte de recursos por parte de investidores, proporcionado maior capacidade de geração de empregos e de faturamento”, acredita o ministro da Transparência e da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário. Conheça mais sobre a visão do ministro na entrevista a seguir:
De que forma o fortalecimento da transparência dentro das companhias reflete no mercado brasileiro?
A transparência das empresas funciona como catalizador do nível de confiança dos atores do mercado, sejam eles investidores ou consumidores de bens e serviços, isso acaba por gerar um ambiente favorável ao incremento dos negócios do setor e, por consequência, do faturamento da empresa, da arrecadação de tributos e geração de empregos.
É inevitável falar em transparência nas empresas, hoje em dia, sem mencionar os casos de corrupção envolvendo esfera pública e privada. Qual a sua opinião sobre o verdadeiro impacto?
Não temos dúvidas de que, se o Brasil não tivesse o nível de transparência que tem nas relações da administração pública com as empresas fornecedoras de bens e serviço, vários casos de corrupção já descobertos não teriam sido desvendados. A transparência é condição fundamental para gestões públicas mais eficientes e para prevenir casos de corrupção.
Em um país com a dimensão que tem o Brasil, não é razoável pensar que somente as instituições públicas responsáveis pelo controle e combate à corrupção darão conta de fiscalizar todos os atos de gestão dos nossos gestores públicos. A transparência permite que outras pessoas e instituições participem desse trabalho de apontamento de indícios de corrupção, para que os órgãos públicos possam atuar na evidenciação desses indícios.
Porém, transparência não se resume a colocar dados na internet. Ser transparente é disponibilizar os dados de maneira simples e acessível a toda a população. Ser transparente é fomentar a participação social, visto que sem essa participação de nada adianta a disponibilização de dados. Os estudos mostram que, em países que enfrentam altos níveis de corrupção e de desigualdade social, os cidadãos tendem a participar menos da fiscalização dos recursos públicos, o que se explica pelo sentimento de não pertencimento à sociedade, uma das consequências mais perversas do que chamamos de ciclo vicioso da corrupção.
Acho que o Brasil está caminhando para a reversão desse ciclo vicioso. A redução da corrupção irá permitir que os recursos públicos cheguem na ponta, viabilizando a consecução das políticas públicas e o desenvolvimento econômico e social. Esse quadro permitirá a geração de empregos e a redução gradual da desigualdade social, o que reverterá o sentimento de exclusão e o consequente aumento da participação social. Nesse momento teremos que estar com os dados disponíveis. Isso é o que chamamos de Ciclo Virtuoso, e o que lutamos todos os dias para que ocorra em nosso país. O caminho é árduo, mas necessário.
O que representa, neste momento, esse ministério, exclusivamente, dedicado à transparência?
É importante esclarecer que a Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão de controle interno do Governo Federal responsável por realizar atividades relacionadas à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio de ações de auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. Ou seja, além de ações para promover a transparência e a ética pública, também atuamos em atividades de auditorias e fiscalizações para avaliar como estão sendo gastos os recursos públicos; investigações para prevenir e reprimir a corrupção; ações punitivas tanto de dirigentes e servidores envolvidos em casos de desvios éticos ou de corrupção, quanto de empresas corruptoras; além do recebimento e tratamento de manifestações e denúncias dos cidadãos.
A existência de uma organização que se dedica à transparência permite tratar a transparência não apenas como um direito de todo o cidadão, mas também como uma política pública. Ao tratarmos a transparência como política pública, deixamos um legado na administração pública, tornando muito mais difícil a ocorrência de retrocessos nesse tema, independente de quem quer que esteja à frente da condução do nosso país.
Quando me refiro a tratar a transparência como política pública, estou me referindo a estruturar as ações de transparência da administração pública para o alcance de objetivos específicos, que vão muito além da simples publicação de informações. Estou falando de ter como norte para a política pública de transparência o alcance dos seguintes objetivos:
- Melhorar a gestão e os serviços públicos e promover o comprometimento com o uso adequado dos recursos públicos.
- Proporcionar condições para a prestação de contas e responsabilização dos gestores públicos (accountability).
- Contribuir para inibir desvios de conduta de agentes públicos.
- Ampliar a capacidade de detecção de problemas de gestão, corrupção e ilícitos.
- Reduzir a assimetria de informações na sociedade.
- Viabilizar o acesso a outros direitos, dando amplo acesso às informações necessárias para concretizá-los.
- Fomentar o controle social sobre o uso dos recursos públicos e a participação da sociedade na melhoria da gestão e dos serviços públicos.
- Garantir as previsões constitucionais relativas ao Princípio da Publicidade e ao Direito de Saber.
- Incentivar a adoção de medidas de transparência em estados, municípios e no Distrito Federal.
Quais são os principais desafios e prioridades da CGU neste momento?
A CGU tem uma estrutura de atuação abrangente, que envolve desde a orientação ao gestor, passando pela realização de auditorias e pela aplicação de penalidades a empresas e servidores, e vai até a promoção de ações de ética e cidadania junto à população de todo o país.
Dentro de todo este leque de atuação, nossa prioridade está voltada para:
- Realização de avaliação de programas de governo focados em temas centrais, tais como despesa de pessoal, benefícios previdenciários e assistenciais, que permitam a alta administração a tomada de decisões estratégicas.
- Formulação de um projeto de lei que criará um Código de Responsabilização Nacional de Agentes Públicos. O projeto visa unificar as regras na União, nos estados e nos municípios, cujas sanções hoje ficam restritas à própria esfera. O código preverá mecanismos mais eficientes e menos burocráticos de investigação, tornando o processo mais célere, sem perda de direitos para o acusado. A ideia é implementar mecanismos como a delação premiada e a proteção à testemunha, que incentivem servidores a fornecer informações ou provas de ilicitudes na administração pública. Esses instrumentos já são usados na esfera penal, mas hoje não valem para a administração pública.
- Consolidação da responsabilização administrativa de pessoas jurídicas, instituída no Brasil em 2013, por meio da Lei Anticorrupção (nº 12.846). A norma representa um importante avanço no combate à corrupção por prever a responsabilização objetiva, nos âmbitos civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração.
- Edição do Decreto de Agendas.
- Aprimoramento do Sistema de Ética do Poder Executivo Federal (PEF).
- Aprimoramento do tratamento do Conflito de Interesses no PEF.
- Implementação de Planos de Integridade efetivos em toda a administração pública federal.
Como você avalia a tecnologia na busca pela transparência nas empresas?
Não há como pensarmos, nos dias atuais, em aumentar a transparência das empresas sem conectarmos isso com o emprego de novas tecnologias. A cada dia, o volume de informações produzido pelas organizações se torna imenso e, somente por meio de tecnologias inovadoras, podemos incrementar não apenas a transparência das informações, mas, principalmente, o consumo dessas informações publicadas para que sirvam de insumo para subsidiar as decisões de todos aqueles atores envolvidos em qualquer tipo de relação com uma determinada empresa.
O senhor defende que a Lei Anticorrupção possa prever isenção de multas de empresas que revelarem casos de corrupção?
Sim, sou a favor de que a empresa que implemente um programa de integridade e, fruto desse trabalho, detecte casos de corrupção e busque imediatamente a administração pública para se autodenunciar seja isenta de multa.
Esta é uma forma de incentivar as companhias a criarem mecanismos de integridade e ajudar no combate à corrupção?
Sim. Atualmente, a possibilidade de redução da multa, prevista na Lei Anticorrupção, já é um estímulo importante, uma vez que um dos requisitos para a assinatura do acordo é exatamente que a empresa crie ou aprimore os seus mecanismos de integridade.
Porém, isentar a empresa da multa é um estímulo muito maior que acredito que irá gerar uma onda positiva de implementação de programas efetivos. Se o empresário enxergar que a multa da Lei Anticorrupção pode chegar a 20% do faturamento bruto da empresa e que, com a implementação de um programa de integridade que seja capaz de detectar, prevenir e sancionar atos de corrupção, ele estará isento desse pagamento, sem adentrarmos nas outras vantagens advindas dessa implementação, imagino que teremos um salto na quantidade de empresas íntegras com um reflexo direto no ambiente de negócios no país.
Como está sendo o trabalho junto a outros ministérios, principalmente, o de justiça?
A articulação entre as instituições responsáveis pelo combate à corrupção é um fator essencial para o aumento da efetividade dos trabalhos relativos ao tema. E posso afirmar que, hoje, esse cenário é realidade. A CGU atua de forma conjunta e integrada com os demais órgãos de defesa do Estado, como o Ministério Público Federal, o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União, bem como instituições estrangeiras, como o Departamento de Justiça Norte-Americano (DoJ).
Com o Ministério da Justiça, entre diversas ações desenvolvidas em parceria, destaco as operações especiais realizadas em conjunto com a Polícia Federal. Em dezesseis anos, já foram deflagradas 383 ações investigativas, sendo 24 apenas em 2019. A soma do prejuízo total apurado é de cerca de R$ 5 bilhões. Com a AGU temos oito Acordos de Leniência assinados com potencial recuperação de R$ 9,5 bilhões.
Como vantagem do trabalho articulado destaco, por exemplo, a maior racionalidade alcançada na utilização dos meios adotados para a realização das tarefas, bem como a promoção da confiança mútua entre as instituições. A especialização das atividades também é um benefício do trabalho conjunto, uma vez que, com a articulação entre os órgãos, os processos passam a contar com a participação de profissionais com visões diferentes, o que acaba por enriquecer os resultados alcançados. Em parceria, as instituições dividem tarefas e conseguem maior efetividade em suas ações.