Fatores ESG podem ter impacto positivo no avanço da pauta nas organizações, mas somente ações efetivas trarão resultados
Estudo da EY e do 30% Club aponta que entre as 54 empresas que fizeram IPO de 2020 até junho de 2021, as mulheres representam 13% dos membros dos Conselhos de Administração. Se ampliarmos também para raças, profissões, pessoas com deficiência, a sub-representação é ainda maior. Já segundo a pesquisa Board Index Brasil, da Spencer Stuart, divulgada recentemente, a presença de mulheres em Conselhos aumentou de 11,5% em 2020 para 14,3% em 2021.
É importante lembrar que a Nasdaq tornou obrigatória a representatividade feminina e os países também fizeram isso. De acordo com Thomas Brull, conselheiro certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), instrutor dos cursos de governança do IBGC e da Fundação Dom Cabral, membro independente de conselhos de administração e presidente do Conselho do Comitê Paralímpico Brasileiro, há razões práticas para se fazer de forma voluntária e órgãos colegiados decidem melhor que indivíduos, porque há mais pontos de vistas e debates para a tomada de decisão.
Na visão da doutora Angela Donaggio, fundadora da Virtuous Company Consultoria e Educação Executiva, professora do IBGC e da Fundação Dom Cabral, existem muitos dados sobre diversidade nos conselhos e, por isso, é importante ter uma visão ampla sobre o assunto, para verificar se estamos evoluindo ou não. Ela é co-autora de um trabalho sobre diversidade na alta gestão das companhias abertas no Brasil, que analisou mais de 13 mil cargos durante 15 anos, e conta que, embora possa ter havido um aumento pequeno em um ano ou uma diminuição pequena em outro, a situação, olhando para um horizonte temporal mais longo, é a de estagnação, pois não saímos de cerca de 10% de participação de mulheres brancas nos conselhos de administração.
Donaggio avalia que houve evolução, que o discurso evoluiu, pois há mais de 10 anos, quando falava desse assunto relacionado à governança corporativa para executivos e executivas, a esmagadora maioria torcia o nariz, enquanto hoje, por acreditarem no valor da diversidade ou por pressão da sociedade, é diferente. “Diversidade se tornou ponto pacífico. O que temos muito a evoluir é no conteúdo e na prática. Todo mundo é favorável. Precisamos ir além e perceber o quanto devemos investir em tempo, educação e mudanças de processos para passar para a segunda página do tema. Senão, continuaremos com o discurso e não evoluiremos para a prática. Retórica sem prática é hipocrisia corporativa e isso é extremamente deletério para o avanço nas organizações. Caso continue se falando demais e fazendo de menos, a sociedade perceberá rapidamente. E, assim como a governança só gera bons resultados se for para valer, a diversidade e a inclusão também. Não funciona se for apenas marketing”, alerta.
Para ela, o primeiro passo é uma mudança de mentalidade das lideranças, onde se perceba o valor da diversidade em todos os âmbitos para ter uma maior inteligência coletiva dos grupos e melhores decisões, fora, é claro, a questão do imperativo ético crucial para os tempos atuais. Já em segundo lugar, aponta que, é preciso que os grupos homogêneos se percebam como tais. Em algumas avaliações de conselhos de administração que realiza, tem visto que conselhos extremamente homogêneos, com 100% homens, brancos, heterossexuais, sem deficiência, com a mesma formação e mesma faixa etária, se consideram diversos.
“É necessário investir em educação em diversidade e inclusão de qualidade. Me preocupo muito com isso pois, ao contrário de outros temas que são tratados nas empresas, esse é mais delicado. Se um(a) executivo(a) participar de um programa de educação em governança ou ética e não ficar satisfeito, ele ou ela não se tornarão contrários ao tema. Entenderão que simplesmente tiveram um(a) professor(a) ruim. O mesmo não acontece com o tema da diversidade. Quando não é passado de maneira cuidadosa, pode gerar o efeito oposto do que se pretende e as pessoas da organização podem se fechar em relação às práticas de diversidade”, diz Donaggio.
Despois dessa fase, a especialista entende que, é fundamental investir em análises especializadas nas diversidades que se quer desenvolver, pois cada tipo traz um desafio diferente para a evolução e, portanto, diferentes estratégias para implementação. Ela cita que um diagnóstico para mapear as principais lacunas é crucial para desenvolver uma Agenda de Diversidade & Inclusão, com estratégias no curto, médio e longo prazos, vis a vis custos e benefícios. “Algumas questões são de fácil implementação, mudando o design de contratação, por exemplo, já outras são mais profundas, requerem conscientização das lideranças por meio de educação executiva que seja transformadora, que toque as pessoas em seus sentimentos e não apenas trate do tema sob a perspectiva racional. Trata-se de uma maratona e uma trajetória de evolução organizacional e individual. Uma mudança cultural não se dá da noite para o dia. Requer dedicação, abertura de mente e investimento”, ressalta.
Mas para que funcione, o discurso precisa estar alinhado a prática. Porque Donaggio explica que, é muito mais fácil mudar o discurso do que a forma com a qual se faz negócios, se contrata e se promove pessoas e se toma as decisões do dia a dia, pois, no ritmo atual de dedicação que as pessoas estão em relação às suas organizações, é muito difícil ter tempo e se dedicar a temas totalmente novos como diversidade e inclusão já que é multifacetado.
Outro ponto, que leva isso acontecer, é justamente a tentativa de evitar debates e tomar decisões mais rapidamente, o que não é necessariamente bom. “Mas possivelmente tem a ver com zona de conforto: ficamos mais à vontade com nossos pares, pessoas que pensam como nós, frequentam os mesmos lugares, ou seja, que são parecidos. Quantas vezes você já almoçou com um cego? Ou trocou ideias sobre negócios com uma antropóloga? Pois é, em ambos os casos, vamos aprender coisas novas”, adverte Brull.
A diversidade é, para ele, importante para que diferentes experiências, formações profissionais, percepções e modelos mentais, possam se complementar. “Desta riqueza diversa sairão soluções melhores para as organizações. Temos também nossos vieses cognitivos e filtros que estão lá no fundo, no nosso inconsciente e que nem sempre percebemos. Eles estão presentes em todas as nossas decisões, nos influenciam para o bem e para o mal. Somente com um conselho diversificado, além do autoconhecimento, é que podemos abordar os temas complexos minimizando estes efeitos. A diversidade serve melhor às organizações”, completa.
Boom ESG pode acelerar a diversidade nas empresas
É muito importante a expansão do tema ESG, na percepção de Angela Donaggio, e certamente impacta positivamente as empresas, pois é transversal à temática, isto é, tem relação com cada uma das letras da sigla. Novamente, ela ressalta a importância da prática ser alinhada ao discurso, pois de uma hora para outra, o tema passou a ser muito falado e, assim como diversidade, em muitos aspectos é mais falado do que praticado.
No momento, Brull vê como grande avanço trazido pelo ESG o foco maior nos riscos e oportunidades originados das questões ambientais e sociais. “Como as empresas estão e serão afetadas pelo aquecimento global? Que oportunidades temos perante as desigualdades que se acentuam? Que novos serviços ambientais estão surgindo? Estes e outros temas ESG são obrigatórios para conselheiros e conselheiras, incluindo a composição diversa dos boards. Aliás, somente com a diversidade de modelos mentais é que seremos capazes de abordar estes novos riscos e oportunidades de maneira eficiente”, completa.
Não podemos esquecer, que “ESG é uma mudança de mentalidade de fazer negócios. E uma mudança de mentalidade não acontece da noite para o dia. É entender que seu negócio não é de soma zero, mas relações ganha-ganha. Exige reflexão sobre a forma de lidar com seu cliente, colaborador, de entender seu produto, assumir responsabilidades pelas externalidades que se gera e evitá-las ao máximo. Bem como mudanças de processos, de forma de avaliação, de remuneração etc. ESG é o resultado de uma transformação profunda de paradigma empresarial por meio de reflexões de cunho ético que se materializam em decisões empresariais. Decisões estas que se relacionam transversalmente com a temática da diversidade e inclusão, pela relação com os clientes, colaboradores, comunidade em geral e meio ambiente”, finaliza Donaggio.