Os desafios dos profissionais de finanças e contabilidade estão em entender que a transformação digital mudou a forma que se faz negócio e não apenas as rotinas operacionais
O mercado exige dinamismo e capacidade de conviver com diversos cenários. A era digital ou o “novo normal” acelerado com a pandemia vem sendo motivo de grande debate no Brasil e no mundo, o que é normal após as organizações buscarem por várias alternativas de adaptação. Com tantas transformações, os desafios dos profissionais de contabilidade e de finanças, na era digital, vão desde compreender a otimização de serviços contábeis por meio de softwares até incorporar tecnologia de ponta como inteligência artificial, computação em nuvem e analytics. Ou seja, desde a inserção de plataformas digitais nas rotinas contábeis para a automatização de determinadas tarefas até a reformulação dos serviços prestados e a sua divulgação. Os dilemas dos profissionais de contabilidade e finanças foram discutidos no Congresso ANEFAC Digital no dia 29 de maio.
O que isso quer dizer na prática, transformando desafios em oportunidades, de acordo com Sonia Arbues Decoster, professora dos cursos de graduação a distância e presencial da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) e palestrante no evento, há inúmeras possibilidades, como agregar inovações, que podem ser incrementais, até as disruptivas aos negócios contábeis e financeiros. Todos os aspectos relacionados as profissões das áreas contábeis e financeiras serão impactadas em menor ou maior nível pelas transformações advindas da revolução digital, relembra Jhonatan Hoff, coordenador dos cursos de graduação na FIPECAFI e palestrante no Congresso. “A forma com que os profissionais executam suas tarefas e a maneira com que se relacionam com o mercado irá mudar substancialmente dentro de um curto período de tempo. Os principais pontos que devem ser destacados aqui é a inserção de tecnologias como big data, inteligência artificial, machine learning e blockchain dentro destas áreas.
De um ponto de vista mais superficial, o maior desafio se encontra no acompanhamento da evolução das novas tecnologias e nos impactos na profissão. Por esse aspecto, Hoff acredita ser necessário adotar o digital como uma forma de fazer contabilidade, isso é um processo inevitável, o profissional que não o fizer perderá seu espaço no mercado. “Além de ser preciso entender como as áreas de finanças e contabilidade serão redefinidas pelas novas tecnologias. Esta revolução tecnológica não implicará apenas na automatização de processos, mas mudará a forma com que fazemos negócios e, consequentemente, estas áreas”, diz. Por outro lado, em uma sociedade cada vez mais informatizada, Alexandre Evaristo Pinto, coordenador do MBA IFRS e professor do mestrado profissional da FIPECAFI, conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e que também palestrou, entende ainda que os profissionais têm desafios com a necessidade constante de atualização técnica e visão prospectiva para os novos modelos de negócios.
Na visão de Decoster, ao agregar a inovação tecnológica à contabilidade e finanças podemos dizer que estamos conduzindo a profissão do contador a um outro patamar. “É trazer a cultura da startup, não só por serem soluções inovadoras como também por suas decisões ágeis. A atenção desses profissionais deverá ser colocada em três áreas: na velocidade da tomada de decisão ágil, na inovação e na digitalização”, ressalta.
Muitos gestores ainda não entendem a transformação digital
Independentemente do tamanho da organização, da pequena à grande, faz-se necessário conhecimento profundo dos processos de negócios contábeis, depois procurar redesenhá-los para uma preparação da transformação digital, o que é imperativo no mundo dos negócios. Ou seja, para ela, o profissional de contábeis ou de finanças deve se especializar, principalmente o empreendedor, pois significa pensar modelos de negócios, torná-los mais ágeis para responder prontamente à demanda dos clientes. “Diz respeito a como os negócios podem se tornar competitivos e relevantes enquanto o mundo digital cresce exponencialmente. O significado de transformação digital ainda não é claro para muitos gestores, assim surgem vários questionamentos”, esclarece.
Esses profissionais precisam ser dinâmicos e terem espírito empreendedor, alerta ainda Decoster. “Necessitarão possuir visão estratégica de negócio e estar minimamente familiarizado com o uso das tecnologias digitais no universo contábil. Mesmo que ainda diversas tarefas precisem ser realizadas de forma manual, a tendência é que se tornem mais raras com o passar do tempo. Deve procurar se especializar continuamente seja na sua área de negócios como em tecnologias, que permitirão ter à mão informações necessárias para gerar os resultados esperados por seus clientes ou para a sua organização. A cultura de dados deve ser impregnada na organização por seus membros”, alerta.
Além disso, segundo Evaristo, os profissionais devem buscar se manter atualizados sobre as alterações das normas contábeis, bem como sobre os sistemas de informação, possuir conhecimento técnico, domínio da língua inglesa e o conhecimento do uso dos recursos tecnológicos. Complementando, Hoff, entende que o profissional de contabilidade e finanças precisa ser um multidisciplinar em constante atualização. “Enquanto antes da era digital, a competência técnica era o principal atributo necessário para atuação na área, hoje, além do técnico precisará do domínio de competências comportamentais e pessoais, conhecimentos aprofundados em negócios e gestão, capacidade de liderança e, claro, o domínio de soluções digitais e tecnológicas”, aponta.
Cada vez mais, é exigida uma maior capacidade analítica dos profissionais, seja para parametrizar os comandos, seja para analisar as informações contábeis. “O fenômeno da informatização e da robotização já afeta e afetará muito mais o mercado de trabalho, de forma que aqueles mecânicos tendem a ser substituídos. Hoje, há instituições, por exemplo, que oferecem a abertura de conta corrente para pessoa jurídica junto com o serviço de contabilização dos lançamentos. Como se nota, a criatividade tecnológica na prestação de serviços tende a ser mais e mais uma vantagem competitiva”, reflete Evaristo.
No contexto digital percebemos mudança não apenas na forma com que os serviços contábeis e financeiros são prestados, mas também em quais são oferecidos. A era digital trouxe novos modelos de negócios e novas formas encontradas pelas empresas para gerar valor aos seus clientes. Com isso, Jhonatan Hoff, avalia que os profissionais precisam estar atentos a forma com que os negócios são realizados para terem possibilidade de oferecer apoio informacionais às organizações para que possam otimizar seus processos. Outro ponto a ser destacado por ele, é que com a automatização de tarefas rotineiras os profissionais contábeis, a partir de agora, foquem na prestação de serviços com maior valor agregado aos seus clientes. “Como, por exemplo, a escrituração contábil e a realização de obrigações tributárias tendem a ser automatizadas e abrem espaço para o foco em serviços voltados ao planejamento estratégico e tributário. Não podemos esquecer que o grande volume de dados, trazido pela revolução digital, representa uma oportunidade para a área contábil e financeira no que diz respeito a geração de valor informacional para as empresas”, destaca.
Atualização deve estar na rotina dos profissionais, das áreas contábeis e financeiras, que irão para o mercado e dos que já estão
A tecnologia está mais e mais integrada ao dia a dia do contador, por isso, faz-se necessário para o profissional que irá para o mercado conhecer minimamente os recursos tecnológicos nesta área, como por exemplo, Sonia Arbues Decoster, cita a certificação digital, pois no ambiente digital existem ainda mais riscos que no off-line. Um pequeno investimento de tempo e estudo das possibilidades tecnológicas pode fazer com que o contador economize tempo e dinheiro no futuro. “É necessário buscar se atualizar constantemente, participar de treinamentos e cursos de extensão. Um exemplo prático são as exigências da era digital, como o eSocial, módulo do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). A tendência é que o SPED, diante do avanço da tecnologia, como o uso da inteligência artificial, evolua ao longo do tempo incorporando novas funcionalidades. Além disso, é fundamental aliar os conhecimentos obtidos no seu curso superior na elaboração de demonstrativos contábeis e o aprendizado de como fazê-los por meio de sistemas de gestão informatizados, mantendo todas as informações disponíveis e organizadas, para que os dados contábeis da organização representem de forma fiel a situação financeira da empresa”, recomenda.
Já para aquele profissional que está no mercado de trabalho, no entendimento dela, deverá contribuir para a inteligência de negócios (BI) da área ou por meio do analytics, ou seja, o profissional de contábeis e finanças precisará se voltar para o pensar estratégico da organização. Ao exemplificar, aponta que um dos pontos chave é o uso de sistemas para o armazenamento de dados, agregando conhecimentos que podem favorecer todos os envolvidos no trabalho e, consequentemente, para o crescimento da organização. “Este profissional, mais habilitado digitalmente, deverá se preocupar com a integração e o compartilhamento dos dados, provavelmente será o responsável pelos dados sigilosos. Outra questão importante e que deve ser estabelecida, nesse momento, é de que forma o trabalho será feito, a fim de reduzir o impacto na rotina diária de trabalho”, completa Decoster.
Segundo ela, o profissional da contabilidade deverá se preocupar com a gestão do compliance, em fazer com que a boa reputação da empresa seja preservada, mantendo-a longe de qualquer escândalo de corrupção ou fraude, seja na área financeira, jurídica ou administrativa. “Todo esse processo de gestão é baseado nas normas dos órgãos reguladores, como os municípios, estados, normas federais e até mesmo da própria empresa. Um bom exemplo é a empresa que precisar enquadrar os seus dados à Lei Geral de Proteção aos Dados, a LGPD, a qual discorre sobre como os dados dos brasileiros que devem ser coletados, tratados, armazenados e protegidos, prevendo punições para o descumprimento em casos de vazamentos, ou outras irregularidades”, esclarece.
O diagnóstico e a gestão de riscos devem ser providenciados. A tecnologia é imprescindível para criar mecanismos que evitem que possíveis riscos aconteçam. A prevenção de riscos e fraudes pode ser realizada por meio de analytics, possibilitando uma visualização mais apurada dos dados. O armazenamento por meio de cloud computing possibilita o cruzamento de dados estruturados (sistemas transacionais) com não estruturados (vindos das mídias sociais). Ou seja, pode-se medir, analisar e prever riscos. “Já no campo das finanças, predições podem ser feitas baseadas nos dados obtidos a respeito de cliente, de qual o melhor investimento de acordo com cada cenário, ou ainda, seguradoras que utilizam data science para análise de expectativa de vida. Ferramentas como cloud computing, robótica, analytics, tecnologia cognitiva e blockchain pertencem à classe de inovações que transformam o modo de trabalhar da área. A constatação não é de agora, mas o uso da automação libera os profissionais envolvidos para as tarefas analíticas e confere mais eficiência às atividades. É aí que o profissional agrega valor à sua profissão ao utilizar ferramentas emergentes e o conhecimento estatístico”, finaliza Decoster.
O conteúdo da palestra está disponível no Educa ANEFAC, confira: